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Em Gaza, médicos relatam que 'cirurgias são feitas no chão e sob a luz de celulares'

A situação na Faixa de Gaza é cada vez mais crítica. A agência da ONU para os refugiados palestinos, UNRWA, principal organização de ajuda humanitária implantada no território, alertou que os hospitais do enclave ainda em funcionamento serão obrigados a parar suas atividades na noite desta quarta-feira (25) por falta de combustível. Organizações de profissionais de saúde pedem um cessar-fogo imediato e a criação de uma zona de segurança para que a assistência médica possa chegar à população.

Paramédico chega ao hospital Deir Al-Balah carregando um bebê ferido em um bombardeio à Faixa de Gaza, nesta quarta-feira, 25 de outubro de 2023.
Paramédico chega ao hospital Deir Al-Balah carregando um bebê ferido em um bombardeio à Faixa de Gaza, nesta quarta-feira, 25 de outubro de 2023. AP - Adel Hana
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Ana Carolina Peliz, da RFI

“É evidente que estamos perante um colapso do sistema de saúde como um todo, em tudo, em todos os níveis, primário e secundário. Estamos claramente na incapacidade, nesta fase, de responder à escala do desastre”, declarou à RFI a diretora do polo Oriente Médio e América Latina da ONG Médicos do Mundo, Louise Bichet, que tem atualmente uma equipe de 20 profissionais de saúde na Faixa de Gaza. São médicos palestinos que trabalham para a organização como voluntários há anos.

Ela relata que, neste momento, as cirurgias acontecem sem anestesia e muitas vezes os pacientes são operados no chão, nos corredores e com o uso da luz de celulares.

Além das infraestruturas, a situação do conflito afeta os profissionais de saúde. “Nesta manhã, uma pessoa esperou por 4 horas na fila por um pedaço de pão que acabou não conseguindo. Outros já bebem água do mar e isso há muitos dias”, ela conta sobre os membros de sua equipe em Gaza. “Então, para eles e para suas famílias, incluindo seus filhos, as doenças intestinais já são uma realidade”, ela lamenta.

Bichet diz que sua equipe está viva, mas não inteira fisicamente e sobretudo psicologicamente. “Eles nos disseram por telefone que ainda que consigam superar isso fisicamente, dificilmente conseguirão psicologicamente. São palavras muito fortes”, ela insiste. “São pessoas muito treinadas em questões de saúde mental, que têm muitos recursos para lidar com este tipo de acontecimento e que se sentem completamente desamparadas e incapazes de absorver o que vai acontecer a seguir.”

Ela cita também problemas relacionados à dificuldade de guardar os corpos nos hospitais por falta de espaço. Um problema a mais que se soma às dificuldades vividas pelos médicos e que pode gerar epidemias.

“Portanto, já estamos em uma situação completamente catastrófica, como disse, mas também estamos assistindo problemas mais graves emergirem nos próximos dias se o cessar-fogo não entrar em vigor e se a ajuda humanitária continuar a ser bloqueada”, alerta. “Porque, afinal, são de 15 a 20 caminhões por dia. Realmente uma gota no oceano”, conclui.

Médico cuida de criança ferida em um bombardeio de Israel na Faixa de Gaza, no hospital Deir Al-Balah, na terça-feira, 24 de outubro de 2023.
Médico cuida de criança ferida em um bombardeio de Israel na Faixa de Gaza, no hospital Deir Al-Balah, na terça-feira, 24 de outubro de 2023. AP - Adel Hana

Cessar-fogo e criação de zona de segurança

Para o médico especialista em medicina de guerra e de catástrofes da ONG União de Organizações de Socorro e de Assistência Médica (UOSSM) Raphaël Pitti, é necessário um cessar-fogo imediato, "para permitir que tanto a ajuda humanitária como, em particular, as ONGs possam entrar em segurança em Gaza, para poderem substituir nossos camaradas, nossos colegas que já não aguentam mais, porque não têm recursos, porque estão extremamente estressados”, afirma, insistindo que a ajuda atual é “insignificante”.

Junto a outras sete organizações humanitárias, a UOSSM traçou um plano para criar uma zona de segurança na Faixa de Gaza, seguindo um modelo já utilizado na Síria. De acordo com a proposta, os palestinos não seriam obrigados a deixar seu território para receberem cuidados médicos.

“Na Síria, a Turquia obteve do Conselho de Segurança o estabelecimento de quatro zonas de segurança que chamou de zonas de desescalada de violência. Os turcos já não queriam absolutamente que os sírios saíssem de suas fronteiras e se refugiassem na Turquia. E assim, com este fim, solicitaram o estabelecimento destas zonas de segurança e foram criadas quatro zonas na Síria e uma em particular no noroeste, o que chamamos de zona de Idlib”, ele explica.

Ele explica que, quando pediu à população de Gaza que se deslocasse do norte para o sul, o Exército de Israel propôs uma zona de segurança na cidade litorânea de Khan Yunes. O problema é que a cidade fica longe do posto fronteiriço com o Egito, o que não permitiria garantir a criação de um corredor humanitário que chegasse até o local, além de ser uma área muito estreita.

“Então, o que propomos, a nível internacional, é que esta zona de segurança comece, na verdade, desde a área de Khan Yunes até a fronteira egípcia, que inclua o posto fronteiriço de Rafah, por exemplo, para onde vai a ajuda internacional”, explica. “Atualmente é o posto fronteiriço que permanece aberto à ajuda, já que por ali passam os caminhões. Esta zona inclui três grandes hospitais que dispõem de salas de operações suficientes para enfrentar a situação e cuidar das vítimas.”

Além disso, a zona de segurança permitiria que as ONGs entrassem no enclave e “possivelmente implantassem hospitais para ajudar a cuidar das populações feridas”, ele acrescenta.

Voluntariado

Raphaël Pitti está entre os médicos prontos para entrar na Faixa de Gaza, assim que isso for porssível. Para recrutar profissionais de saúde que queiram participar de missões na Faixa de Gaza, a Associação de Médicos Palestinos na Europa, Palmed Europe, lançou uma plataforma de recrutamento.

“É realmente muito importante que um reforço seja enviado aos médicos, aos especialistas, para poder ajudá-los e apoiá-los nesta situação por que estão passando”, insiste. Mas ainda que consigam voluntários, por ora, somente caminhões com comida, água e remédios podem entrar na Faixa de Gaza. Por isso, Pitti insiste sobre a necessidade urgente da implementação do cessar-fogo.

“Estamos diante de uma população que está sendo assassinada e esse é talvez o termo mais forte que podemos usar. Não há mais medicamentos, inclusive para patologias crônicas, também não há mais recursos hídricos. E assim estamos no processo de condenar pessoas à morte”, lamenta Pitti.

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