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Colombiano integrante de milícia pró-russa conta como vê conflito na Ucrânia

Conhecido por seus companheiros insurgentes pró-russos como "Alfonso", em homenagem a Alfonso Cano, um antigo guerrilheiro das Farc, o colombiano Alexis Castillo integra há oito anos uma brigada internacional na Guerra de Donbass, conflito separatista que se instalou nas províncias de Donetsk e Lugansk, no leste da Ucrânia. Em meio à atual escalada de tensão com a vizinha Rússia, Castillo relata a atmosfera na linha de frente dos combates.

"Aqui, não existe pânico como quando acontece uma catástrofe ou um conflito bélico", disse Alexis Castillo.
"Aqui, não existe pânico como quando acontece uma catástrofe ou um conflito bélico", disse Alexis Castillo. © DR
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Carlos Pizarro, da RFI

As forças do governo de Kiev e os separatistas do Donbass, na fronteira com a Rússia, vivem sob tensão desde março de 2014. Os rebeldes reivindicam a independência de repúblicas populares em Donetsk e e Lugansk, dois importantes centros urbanos localizados nessa região rica em carvão e siderurgia, estratégica para a economia ucraniana. Nenhum dos lados beligerantes quer abrir mão de suas posições. 

O colombiano Castillo conta que ele e alguns colegas de "militância comunista e antifascista" chegaram à região na esteira da onda de protestos em Kiev que ficou conhecida como Euromaidan.

De novembro de 2013 a fevereiro de 2014, milhares de ucranianos que cresceram no período pós-soviético promoveram uma onda de manifestações na praça Maidan (praça da Independência), na capital ucraniana, para denunciar a corrupção de seus dirigentes, a morosidade econômica no país e reivindicar maior integração com a União Europeia. A mobilização acabou por derrubar o então presidente Viktor Yanukovytch. Em março do mesmo ano, as duas províncias pró-russas do leste começaram a se mobilizar pela independência, com a constituição de grupos paramilitares. Foi nessa época que Castillo trocou a Espanha, onde morava, pela Ucrânia.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy, visita posições das Forças Armadas ucranianas na linha de frente próxima dos separatistas apoiados pela Rússia na região do Donbass. 8/4/2021
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy, visita posições das Forças Armadas ucranianas na linha de frente próxima dos separatistas apoiados pela Rússia na região do Donbass. 8/4/2021 via REUTERS - UKRAINIAN PRESIDENTIAL PRESS SER

O colombiano conta que a brigada internacional na qual ele atua já teve mais diversidade de estrangeiros no passado. Hoje, os latinos-americanos "são poucos". Em 2014, quando havia uma estrutura mais de milícia, diz ele, era mais fácil porque não havia pré-requisitos para entrar. "Mas agora, com a burocracia e procedimentos mais formais, que se assemelham a um exército regular, ficou mais complicado", explica. "Hoje, é preciso ter conhecimento do idioma russo, o que não era uma barreira em 2014", destaca. Com o tempo, Castillo aprendeu o russo e pôde ficar. "Mas não foi o caso de muitos outros", assinala.

O rebelde diz que a recente escalada de tensão entre a Rússia e os ocidentais, devido ao posicionamento de mais de 100 mil soldados russos ao longo da fronteira ucraniana, voltou a dar visibilidade ao conflito separatista no Donbass. No entanto, ele nega um aumento da tensão no leste. 

"A população aqui leva uma vida normal. Não há escassez de alimentos nos supermercados. Não há pânico como quando acontece uma catástrofe ou um conflito bélico", afirma. Castillo diz que esteve recentemente na Rússia e também não viu pânico do outro lado da fronteira. "Não há longas filas de carros como no início da guerra", observa.

O insurgente contesta que as pessoas estejam se armando, que estejam se escondendo em abrigos. "Tudo isso é muito absurdo", enfatiza. "Na Ucrânia, eles estão percebendo que, ao agitarem estas bandeiras de guerra, estão prejudicando sua economia", opina. 

Mapa de Ucrânia mostra as regiões sob controle separatista e a península da Crimeia, anexada pela Rússia.
Mapa de Ucrânia mostra as regiões sob controle separatista e a península da Crimeia, anexada pela Rússia. AFP

Armas, tanques e blindados recuperados da ex-URSS

Questionado pela reportagem da RFI sobre o fornecimento de armas aos separatistas por Moscou, conforme acusa o governo ucraniano, Castillo diz que os insurgentes "herdaram muitas armas abandonadas pela ex-União Soviética". "Recuperamos tanques e veículos blindados graças às movimentações militares", relata. O colombiano diz que não pode dar muitas informações sobre o financiamento dos grupos paramilitares, mas considera "provável que exista um acordo com a Federação Russa".

"O que é certo é que muitas organizações políticas e sociais russas enviaram ajuda humanitária para o Donbass. Digamos que não há cooperação militar da Rússia. O que veio da Rússia foram muitos voluntários, mas isso aconteceu em 2014", afirma.

Castillo diz que nesses oito anos de conflito no leste da Ucrânia, os separatistas evoluíram e estão tecnicamente mais bem preparados para o combate. "Somos mais profissionais e melhor preparados do que em 2014 para organizar a defesa", informa.

Questionado se considera importante que o presidente russo, Vladimir Putin, tenha defendido a independência das duas repúblicas separatistas, Castillo hesita: "Honestamente, não sei se Putin concorda ou não em nos reconhecer". 

"O que se sabe é que o Partido Comunista da Federação Russa queria propor isto à Duma [o Parlamento], mas até o momento ainda não foi oficializado. Acima de tudo, se nos for dada a oportunidade de decidir através de algum mecanismo, como um referendo, aderir à Federação Russa, as pessoas aqui receberiam com alegria tal evento, como aconteceu na Abcásia ou na Ossétia do Norte, que depois de aderir à Federação encerraram suas respectivas guerras."

Solução pacífica

Castillo vê duas alternativas para solucionar a atual tensão na Ucrânia. "O ideal seria que o governo ucraniano mudasse e que todos os crimes de guerra contra a população civil fossem levados a julgamento", defende. Ele é favorável à "eliminação dos batalhões nacionalistas" e a uma "limpeza" na polícia, no Exército e na estrutura do Estado. Mas reconhece que dificilmente isso acontecerá a curto prazo.

Outra possibilidade seria "a Rússia nos reconhecer como Estados independentes". "Poderíamos organizar um referendo e ter uma vida mais normal dentro da Federação Russa", defende. "Talvez esta segunda opção seja mais realista, porque na primeira eu duvido muito que a Ucrânia fizesse o esforço de passar por todos estes processos", avalia. "Além disso, seria muito difícil para as pessoas esquecerem todos os acontecimentos na Ucrânia e neste território", acrescenta. 

"Esperemos que toda esta escalada seja resolvida pacificamente, pois nenhum pai quer que seus filhos sofram com tudo o que a guerra causa", conclui o colombiano.

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