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Suíça terá que ‘revisar metas e ambições climáticas’ após condenação inédita de tribunal europeu

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), em Estrasburgo, proferiu uma sentença histórica nesta terça-feira (9), ao condenar, pela primeira vez, um Estado por 'inação climática". Ao incriminar a Suíça, em decisão legalmente vinculante, a corte gera jurisprudência para os 46 países membros do Conselho da Europa. 

A ativista climática sueca Greta Thunberg e jovens portugueses em frente ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos em Estrasburgo, na terça-feira, 9 de abril de 2024.
A ativista climática sueca Greta Thunberg e jovens portugueses em frente ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos em Estrasburgo, na terça-feira, 9 de abril de 2024. AP - Jean-Francois Badias
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O tribunal se pronunciava nesta terça sobre três ações distintas, movidas por indivíduos com idades que variam de 12 a mais de 80 anos. Eles apelavam à instituição para exigir a responsabilidade dos Estados de tomar medidas contra as mudanças climáticas.

A corte decidiu condenar a Suíça, atendendo à solicitação de uma associação de idosas do país. Já os pedidos de seis adolescentes e jovens portugueses, com idades entre 12 e 24 anos e contra 32 Estados, foram declarados inadmissíveis pela instituição.

No caso da Confederação Suíça, esta é a primeira vez que a corte, que aplica a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos, condena um Estado por sua falta de iniciativas para combater as mudanças climáticas.

Várias horas antes das decisões, dezenas de pessoas se reuniram do lado de fora do tribunal, em Estrasburgo, entre eles a jovem ativista ambiental sueca Greta Thunberg. Ela afirmou que "não irá recuar" mesmo depois da celebrada decisão de condenação da Suíça.

Stéphanie Caligara, advogada da ONG Global Legal Action Network (Rede Ação Legal Global), concorda com a ativista sueca. Em entrevista ao vivo à RFI, nesta terça-feira, ela explicou que a sentença significa "que as obrigações destacadas e desenvolvidas nesse julgamento terão de ser implementadas em nível doméstico, ou seja, dentro da Suíça, (...) revisar as metas climáticas e rever as ambições de redução das emissões de gases de efeito estufa", acrescentou. 

A advogada afirmou que o país precisará "revisar toda uma série de elementos que, até agora, não foram suficientemente ambiciosos em termos do que a Suíça deveria estar fazendo para cumprir suas obrigações, sob a Convenção Europeia de Direitos Humanos e sob a lei de mudança climática".

"Quem paga mais caro são os países do sul"

O TEDH decidiu, por uma maioria de 16 votos contra um, que houve uma violação do artigo 8 (direito ao respeito pela vida privada e familiar) e, por unanimidade, uma violação do artigo 6 sobre o acesso a um tribunal. A corte afirmou que o artigo 8 consagra o direito à proteção efetiva pelas autoridades do Estado contra os graves efeitos adversos da mudança climática sobre a vida, a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida.

O caso foi apresentado pela Associação Idosas Pela Proteção do Clima (Aînées pour la protection du climat, em francês), que reúne 2,5 mil mulheres suíças com idade média de 73 anos. O coletivo condenou o "fracasso das autoridades suíças em mitigar os efeitos das mudanças climáticas", que têm um impacto negativo nas condições de vida e na saúde. Essa decisão juridicamente vinculante deve estabelecer um precedente nos 46 estados-membros do Conselho da Europa, a principal instituição europeia de defesa dos direitos humanos.

Anne Mahrer, copresidente da Associação Idosas pela Proteção do Clima, indicou que o próximo passo é pressionar para a Suíça aplicar a decisão. “São 300 páginas onde está escrito muito claramente tudo que é preciso colocar em prática e que não é feito”, contou ao enviado especial da RFI a Estrasburgo, Raphael Moran, ao deixar a corte. “Um país como a Suíça não ter orçamento climático nem objetivo claros para chegar à neutralidade de carbono em 2050 é inacreditável. Um país rico, industrializado há tantas décadas, deveria ser exemplar – e não é”, criticou.

Mahrer lembrou ainda que essa inação climática causa problemas para outros países do mundo: “Quem paga mais caro são os países do sul, que menos contribuíram para a catástrofe”, acusou.

Já a ação de um ex-prefeito ecologista do norte da França, Damien Carême, para que o governo francês fosse condenado pela inação em relação às mudanças climáticas foi considerado inadmissível. "Damien Carême não foi reconhecido como vítima", disse a presidente do TEDH, Siofra O'Leary.

Jovens portugueses dizem que luta "não acaba aqui"

A decisão do tribunal sobre a petição apresentada pelo grupo de portugueses era aguardada com expectativa, mas a corte alegou que falhas processuais justificavam a rejeição do pedido, já que os requerentes não haviam esgotado as vias judiciais disponíveis em Portugal, antes de recorrerem à corte europeia. 

Assim, os pedidos não atendiam às condições de admissibilidade, explicou a presidente do tribunal ao proferir a decisão, e não foi possível decidir sobre os méritos do caso.

Esses jovens se mobilizaram após os graves incêndios florestais em Portugal em 2017. Em duas ocasiões, em junho e outubro daquele ano, o fogo assolou o país, ceifando 114 vidas, ferindo muitas outras e destruindo centenas de casas, oficinas e fábricas.

A reclamação foi dirigida não apenas contra seu próprio país, mas também contra todos os estados da União Europeia (UE), além de Noruega, Suíça, Turquia, Reino Unido e Rússia – 32 países no total. Eles os acusaram de serem responsáveis pelas consequências atuais e futuras da mudança climática. As ondas de calor, os incêndios florestais e a fumaça de queimadas estão, segundo eles, afetando suas vidas, seu bem-estar e sua saúde mental.

Uma das jovens portuguesas que moveram a ação contra os países europeus, Catarina Mota, de 23 anos, ressaltou ao enviado especial da RFI que a luta “não acaba aqui”. “Obviamente, sentimos muito orgulho de todo o trabalho que foi feito durante sete anos – não apenas nosso, mas todos os cientistas e advogados que estavam conosco. E todo esse trabalho não foi perdido. Isso é apenas o começo”, afirmou. 

“É muito cedo para dizer concretamente o que vamos fazer a partir de agora. Precisamos de um tempo para refletir”, complementou Martim Agostinho, de 21 anos.

Com informações da AFP

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