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Irã bate recorde de execuções de penas de morte ligadas ao tráfico de drogas

Um relatório divulgado nesta quinta-feira (4) pela Anistia Internacional sobre a aplicação da pena de morte no Irã chama a atenção para o aumento exponencial de execuções relacionadas à luta contra o tráfico de drogas. A ONG denuncia uma instrumentalização da pena capital para “aterrorizar” a população.

Segundo a Anistia Internacional, 853 pessoas foram executadas em 2023.
Segundo a Anistia Internacional, 853 pessoas foram executadas em 2023. AP - Massoud Hossaini
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O Irã é o segundo país do mundo em número de condenações a penas de morte, atrás apenas da China. Segundo a Anistia Internacional, 853 pessoas foram executadas em 2023, saldo que representa um aumento de 43% com relação ao ano anterior.

De acordo com a ONG, esse aumento está ligado ao retorno de uma política de luta contra as drogas cada vez mais dura no país. Mais da metade das execuções pronunciadas no ano passado eram ligadas ao tráfico de entorpecentes. O balanço aponta que 292 pessoas foram condenadas por assassinato, enquanto 481 foram condenadas por crimes ligados às drogas.

A título de comparação, a Anistia Internacional aponta que 255 execuções relacionadas ao tráfico foram registradas em 2022 e 132 em 2021.

"Os números para 2023 são inacreditáveis. Estamos ainda mais preocupados porque atualmente há discussões no Parlamento para reforçar o uso da pena de morte, mesmo se o direito internacional proíbe a pena de morte para crimes ligados ao tráfico de drogas", explica Aymeric Elluin, representante da Anistia.

Pressão Internacional

A ONG explica este aumento da pena capital pelo regresso a uma política antidrogas rigorosa no Irã, após um momento de baixa entre 2018 e 2020 com “apenas” 20 a 30 pessoas executadas por casos relacionados com drogas.

Essa queda teve início a partir da decisão de vários países europeus que, em 2017, ameaçaram cortar o financiamento destinado a operações de combate ao tráfico de drogas, em sinal de protesto contra a política repressiva de Teerã.

Em resposta à retaliação, o Irã, que tem uma das taxas mais elevadas de consumidores de opiáceos do mundo, mudou a sua estratégia. Em janeiro de 2018, o governo iraniano introduziu uma nova legislação que resultou na suspensão das penas de morte de 5.000 traficantes. Além disso, a produção ou distribuição de heroína, cocaína e anfetaminas passou a ser sujeita à pena de morte apenas acima de dois quilos, em comparação com os 30 gramas anteriormente. O limite aumenta de cinco para 50 quilos para o ópio e a maconha.

Mas desde 2021, a política linha dura foi retomada, principalmente sob a presidência do ultraconservador Ebrahim Raïssi, mas também após a nomeação para o cargo de chefe do sistema judicial iraniano de Gholamhossein Mohseni Ejei. Este ex-ministro da Inteligência, arquiteto da violenta repressão das manifestações de 2009, é um dos políticos mais rígidos do país na luta contra as drogas.

Minorias visadas

Desde 2021, as execuções foram retomadas a um ritmo acelerado, visando principalmente algumas minorias étnicas, como os balúchi, no sul do país. Oprimidos no Irã, os membros do grupo, que representam apenas 5% da população, representam 20% das execuções em 2023, com pelo menos 172 homens e mulheres balúchis mortos, incluindo 138 por crimes relacionados com drogas. A maioria das penas de morte foram proferidas por tribunais conhecidos pela sua falta de independência e que não respeitam os direitos da defesa, segundo denuncia a Anistia Internacional.

“As comunidades mais marginalizadas e mais pobres são as que pagam o preço mais alto por esta prática judicial”, lamenta Aymeric Elluin. “No entanto, temos de ser muito claros num ponto: todos os estudos mostram que a pena de morte nunca resolveu nada em termos de crime”, insiste.

Repressão generalizada

Essa onda de execuções se intensifica em um contexto de repressão generalizada desde a revolta popular após a morte de Mahsa Amini, uma jovem curda que perdeu a vida após ter sido detida por usar o véu islâmico de forma considerada indevida. Os protestos após o episódio fragilizaram o regime, que respondeu com mais repressão.

De acordo com um relatório publicado no início de março pela ONG Iran Human Rights, pelo menos oito manifestantes estão entre os condenados à morte que foram executados em 2023. "De qualquer forma, quando se aplica a pena de morte, é para assustar, é para aterrorizar", acredita Aymeric Elluin.

Numa tentativa de influenciar a legislação iraniana, a Anistia Internacional pede que a União Europeia e a agência das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC, na sigla em inglês) revejam sua cooperação com o Irã na luta contra o tráfico. “A abolição da pena de morte para crimes relacionados com drogas deve ser uma pré-condição para qualquer cooperação futura entre o UNODC e o Irã”, declarou em março o diretor da organização Juntos Contra a Pena de Morte (ECPM), Raphaël Chenuil-Hazan.

"Hipocrisia" da comunidade internacional

Alvo de múltiplas sanções internacionais, principalmente devido ao desenvolvimento do seu programa nuclear, o Irã é paradoxalmente um aliado do Ocidente na guerra global contra as drogas. Compartilhando quase 1.000 quilômetros de fronteira com o Afeganistão, que produz 90% do ópio mundial, a República Islâmica é uma das principais rotas da heroína para a Europa e o Médio Oriente.

“Como em outros assuntos, existe sem dúvida uma forma de hipocrisia por parte da comunidade internacional”, reconhece Aymeric Elluin. “No entanto, estão sendo aprovadas resoluções para enviar um sinal de que os Estados que usam a pena de morte para o tráfico de drogas não devem mais fazê-lo”, anuncia.

Entre 1° de janeiro e 20 de março, 95 penas de morte já foram executadas no Irã, mas os dados são considerados subestimados, já que o regime iraniano não publica estatísticas oficiais sobre o assunto.

(Com informações da France 24)

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