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"A cada bomba minha filha tapa as orelhas e pergunta 'o que é isso, papai?'", diz palestino-brasileiro na Faixa de Gaza

Hasan Rabee mora no Brasil e viajou para a Faixa de Gaza com a esposa e as duas filhas pequenas para visitar a mãe e as irmãs. À RFI, ele contou o horror que vive com os bombardeios israelenses. "Não existe lugar seguro aqui", relatou.

O palestino-brasileiro Hasan Rabee ao lado das duas filhas.
O palestino-brasileiro Hasan Rabee ao lado das duas filhas. © Arquivo Pessoal
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Daniella Franco, da RFI

O palestino-brasileiro chegou há dez dias à cidade de Khan Yunis, no sul da Faixa de Gaza, sem imaginar o que estaria por vir. Desde que os bombardeios israelenses tiveram início, em retaliação ao ataque do grupo Hamas no último fim de semana, ele está em contato com as autoridades brasileiras para tentar voltar ao país.

A situação no local, segundo Hasan, é calamitosa. "Faltam alimentos, Israel cortou a água e a luz, a torre central de telecomunicação foi destruída. Estão tentando cortar tudo para matar a gente", diz.

Hasan classifica como "mentira" a alegação das forças de Israel de que apenas as infraestruturas do Hamas estão sendo visadas. "Eles atacam residências de civis, bairros inteiros estão no chão. O que estão fazendo conosco é uma miséria", afirma.

O palestino-brasileiro afirma que quando os ataques israelenses começam, os moradores não sabem como se proteger. "Não existe abrigo antibomba na Faixa de Gaza. Não há onde se esconder", salienta.

Pai de duas meninas, ele conta que ele e a mulher tentam lidar com o estresse da filha mais nova. "A cada bomba que cai, ela tapa as orelhas e pergunta 'o que é isso, papai?' A gente diz que é uma festa, que um time de futebol venceu uma partida e as pessoas estão comemorando", conta.

Hasan está em contato com as autoridades brasileiras para tentar voltar para o país. Mas teme que o fechamento dos pontos de passagem o impeçam de sair da Faixa de Gaza. "A única esperança que tínhamos era a passagem de Rafah, mas Israel já destruiu tudo lá", afirma, referindo-se ao ponto fronteiriço entre o enclave e o Egito, bombardeado diversas vezes nos últimos dias. 

O palestino-brasileiro classifica como "uma loucura" o pedido do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, para os civis deixarem a Faixa de Gaza. "Vamos sair por onde?", questiona, classificando o enclave como "a maior prisão do mundo". "Não tem por onde sair!"

Temor que conflito se espalhe na Cisjordânia

O palestino-brasileiro Akram Affaneh mora em Ramallah há 30 anos, para onde se mudou do Brasil com a família na adolescência. Segundo ele, atualmente, a situação é relativamente calma na Cisjordânia, mas a apreensão dos moradores é grande.

"A gente vivencia a tensão e o medo. No sábado, no dia dos ataques, a gente viu filas em postos de gasolina, aglomerações em supermercados, com o receio de que o conflito possa se estender para cá", diz. 

Em Ramallah, a cerca de 80 quilômetros da Faixa de Gaza, Akram relata que o impacto dos bombardeios israelenses é sentido na cidade. "A gente ouve os estrondos dos mísseis e as sirenes, o que causa muito medo aqui", explica.

O brasileiro-palestino Akram Affaneh mora em Ramallah há 30 anos.
O brasileiro-palestino Akram Affaneh mora em Ramallah há 30 anos. © Arquivo Pessoal

 

Akram também relata que a explosão de violência suscita um sentimento de frustração por parte dos palestinos que veem o sonho de ter um país se distanciar. "Tentou-se muitas vezes, através dos acordos de paz, de conversas e negociações com Israel, obter direitos. Mas infelizmente esse processo de paz nessas últimas décadas se mostrou uma enrolação do lado israelense, para eles ganharem tempo e continuarem a construção de mais colônias e incentivar mais israelenses a virem morar nesses assentamentos que eram pra ser o Estado palestino no futuro, praticamente anulando essa possibilidade", observa.

A palestino-brasileira Ruayda Rabah, também moradora de Ramallah, teme ser alvo de agressões. "Esse novo governo fascista israelense tem incentivado os colonos a atacarem, queimarem, matarem a população palestina. Eles estão dentro do território palestino e já roubam terras, acabam com as plantações palestinas, queimam oliveiras", denuncia, temendo uma "limpeza étnica".

Tarja de terrorista

Ruayda se revolta quando fala da tarja de terrorista imposta à população palestina. "Há mais de 75 anos são agressões diárias, não cumprimento de leis internacionais. Todo e qualquer direito que o povo palestino tem é infringido por Israel, que nunca foi condenado por nenhum crime. Então, é indigno que alguém coloque essa tarja em um palestino. Chamar um povo inteiro de terrorista é inadmissível", diz. 

Ruayda, que é professora e tradutora, viajou na última quarta-feira (4) a Portugal para um simpósio e acompanhou de longe os ataques do último fim de semana e as retaliações dos últimos dias. O marido e o filho, de 14 anos, relatam à ela os desdobramentos da guerra e o agravamento das violências. 

A palestino-brasileira Ruayda Rabah tem esperanças de um futuro melhor.
A palestino-brasileira Ruayda Rabah tem esperanças de um futuro melhor. © Arquivo Pessoal

Ela se emociona ao lembrar as conversas com o filho quando falam por telefone. "Ele me pergunta: 'mamãe, por que estão matando? Por que estão nos chamando de terroristas?"

Segundo Ruayda, essas são dúvidas que emergem não apenas em sua família. "As crianças não conseguem entender o que acontece. Já estamos na terceira geração que não conhece absolutamente nada que não seja a violência do Estado de Israel", lamenta.

A professora e tradutora conta que quando viaja com o filho para o Brasil, ela e o marido se impressionam com as observações que o garoto faz sobre a possibilidade de circulação sem controle. "Ele diz: 'Aqui não tem check-point? Aqui a gente pode andar livre, ninguém vai nos impedir de ir e vir?'. Com três, quatro anos de idade, ele já percebia que podíamos atravessar a fronteira para o Paraguai, para a Argentina, para o Uruguai sem sermos barrados", relembra.

Apesar de toda a revolta com a perpetuação das injustiças e violências, Ruayda mantém as esperanças de um futuro melhor. "Gostaria que a opinião pública pressionasse os governos que apoiam Israel para que eles convençam Israel a respeitar todas as resoluções da ONU, todas as leis internacionais e que desocupe o território palestino para colocar um fim a essa ocupação animalesca", diz.

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