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População do Sudão desconfia de cessar-fogo e organizações humanitárias tentam ajudar refugiados

No Sudão, uma trégua de sete dias deve começar nesta quinta-feira (4). É mais uma tentativa de frear a violência que atinge o país africano desde 15 de abril, quando o exército nacional do general Al Burhan iniciou uma luta contra os paramilitares FSR do general Hemedti. Porém, apesar de ambos os lados terem concordado em silenciar as armas até 11 de maio, os sudaneses não têm muita esperança de que os combates cessem.

Uma coluna de fumaça podia ser vista em Cartum, após novos confrontos na capital sudanesa, em 3 de maio de 2023.
Uma coluna de fumaça podia ser vista em Cartum, após novos confrontos na capital sudanesa, em 3 de maio de 2023. © AFP
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Com informações de Carlos Herranz e Sébastien Németh da RFI

A nova tentativa de trégua foi anunciada na terça-feira (2) pelo presidente do Sudão do Sul, Salva Kiir. Este não é o primeiro cessar-fogo prometido desde o início do conflito e até agora nenhuma iniciativa visando interromper a violência teve sucesso. Daí o ceticismo dos sudaneses ouvidos pela RFI e que continuam no país.

Adeeb Youssif é membro da ONG “People to People” em Darfur, em uma das regiões do país mais afetadas pela guerra. Para ele, as condições para a paz não estão reunidas. “Este é o sétimo cessar-fogo que nos foi anunciado. As outras seis tentativas foram todas desrespeitadas. Então, isso não nos dá nenhuma esperança”, diz. “São necessárias medidas para fazer uma trégua funcionar. Ambas as partes devem assinar um documento. Você precisa de um terceiro que possa trabalhar no monitoramento do cessar-fogo. Mas esse conflito não tem mediador”, afirma. “Não é um acordo, estamos apenas em um anúncio verbal. Ambos os lados não querem uma solução ganha-ganha, mas uma solução ganha-perde. Cada um quer esmagar o outro e tomar o poder”, conclui este sudanês.

O médico Ala Eddine trabalha em um dos poucos hospitais ainda em funcionamento na capital Cartum. Ele também não acredita neste novo cessar-fogo, mas diz que uma trégua seria crucial para o setor médico.

Todas as tréguas foram quebradas. No entanto, uma pausa nos combates nos permitiria substituir a equipe de atendimento, que trabalha continuamente desde 15 de abril”, explica. “Poderíamos trazer algum equipamento porque resta muito pouco. Poderíamos evacuar os pacientes, porque no momento não podemos fazer nenhuma cirurgia na cidade, temos de ir para o estado da Al Jazeera, a 3 horas daqui. Poderíamos enterrar os corpos que estão na rua em decomposição. Há muito o que fazer”, completa o médico.

Os combates, especialmente em Cartum e Darfur, já deixaram mais de 550 mortos e milhares de feridos, segundo o último balanço. Mais de 330 mil pessoas fugiram e outras 100 mil se refugiaram em países vizinhos, de acordo com a ONU. Porém, os países que fazem fronteira com o Sudão temem as repercussões do conflito.

 

Amne Moustapha, uma refugiada sudanesa grávida que fugiu da violência em seu país, com outros refugiados perto da fronteira entre o Sudão e o Chade. Em Koufroun, em 28 de abril de 2023.
Amne Moustapha, uma refugiada sudanesa grávida que fugiu da violência em seu país, com outros refugiados perto da fronteira entre o Sudão e o Chade. Em Koufroun, em 28 de abril de 2023. REUTERS - MAHAMAT RAMADANE

 

Ajuda humanitária é precária

Um cessar-fogo também permitiria o fluxo de ajuda humanitária na região. A maioria das organizações suspendeu suas atividades e dezenas de toneladas de ajuda estão bloqueadas. “O problema logístico é o que mais preocupa, pois as pessoas que fogem do Sudão estão chegando a países onde grande parte da população já enfrenta necessidades e precisa de ajuda humanitária e nos quais já há refugiados e que não recebem recursos suficientes”, afirma Olga Sarrado, porta-voz do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

Ela explica que os refugiados que estão deixando o Sudão se dirigem para zonas remotas de países como Egito, Chade, Sudão do Sul e República Centro-Africana. “Nesses locais, não há muitos serviços para responder às necessidades dessas pessoas que chegam”, acrescenta. “Estamos tentando implementar centros de trânsito que possam responder a essas necessidades de emergência e dar apoio psicossocial de que necessitam as pessoas que viveram situações muito violentas e traumáticas nos últimos dias, além de providenciar comida. Depois, é preciso deslocar esses refugiados a locais onde haja mais serviços disponíveis”, diz.

O secretário de Assuntos Humanitários da ONU, Martin Griffiths, chegou ao Sudão nesta quarta-feira e exigiu garantias para prestar ajuda a milhões de civis envolvidos no conflito. "Cheguei a Porto Sudão para reafirmar o compromisso da ONU com o povo sudanês", escreveu ele no Twitter, em um momento em que a ajuda humanitária chega lentamente ao país, um dos mais pobres do mundo.

Griffiths exigiu que as partes envolvidas nos combates se comprometam, ao mais alto nível e publicamente, a garantir a segurança da entrega da ajuda humanitária. "Esses compromissos são uma condição prévia para uma ação humanitária em grande escala", acrescentou.

Seis caminhões de mantimentos foram saqueados nesta quarta-feira a caminho de Darfur (oeste). De acordo com a ONU, na semana passada houve uma centena de mortos nesta região, incluindo três agentes humanitários. Agências e hospitais da ONU também foram saqueados.

O exército e os paramilitares se acusam mutuamente de ignorar a trégua que, segundo especialistas, deveria permitir a retirada segura de civis e continuar as negociações indiretas no exterior.

“Mundo falhou” em evitar conflito

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, disse nesta quarta-feira que o mundo "falhou" em impedir a guerra entre generais rivais que está destruindo o Sudão.

A ONU foi “pega de surpresa” pela guerra, “podemos dizer que não conseguimos evitá-la”, reconheceu Guterres em visita a Nairobi. “Um país como o Sudão, que tanto sofreu, que se encontra numa situação econômica e humanitária tão desesperadora, não pode permitir uma luta pelo poder entre duas pessoas”, concluiu António Guterres.

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