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Tratamentos desiguais às violações dos direitos humanos pioraram em 2022, diz Anistia Internacional

Em seu relatório anual, divulgado nesta terça-feira (28), a Anistia Internacional aponta os limites do multilateralismo e o agravamento do “tratamento diferenciado” do Ocidente em relação às violações de direitos humanos no mundo. Para a ONG, a reação à guerra na Ucrânia se tornou um símbolo dessas desigualdades.

Pessoas vasculham os destroços após um ataque aéreo em Mekele, capital da região de Tigré, no norte da Etiópia, em 20 de outubro de 2021 (foto ilustrativa).
Pessoas vasculham os destroços após um ataque aéreo em Mekele, capital da região de Tigré, no norte da Etiópia, em 20 de outubro de 2021 (foto ilustrativa). AP
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Por Ana Bernas, da RFI

Liberdade, igualdade, estado de direito – esses princípios têm um lugar especial na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU, em 1948, no Palais de Chaillot, em Paris. Setenta e cinco anos depois, neste mesmo Palais de Chaillot, a secretária-geral da Anistia Internacional, Agnès Callamard, afirma que o respeito aos direitos humanos está cada vez mais ameaçado.

Para a ONG, a guerra na Ucrânia é um marco nas abordagens absolutamente desiguais em relação às questões sociais ou de conflito ao redor do mundo.

“Vimos com essa invasão que, quando há vontade política, os resultados são palpáveis”. Este conflito em solo europeu e as reações que gerou (por parte da ONU, UE, Tribunal Penal Internacional) mostram uma triste realidade: “a hipocrisia dos Estados ocidentais, que reagiram com força à agressão russa, mas fecharam os olhos para violações graves em outros lugares, foram cúmplices”, protesta a Anistia.

Para fundamentar sua denúncia, o relatório da organização, que contempla 156 países, destaca o "silêncio ensurdecedor" em torno da Arábia Saudita - onde, de acordo a ONG, a justiça decretou a pena de morte durante julgamentos "flagrantemente injustos" e manifestantes pacíficos foram "condenados a longas penas de prisão". O documento também salienta a situação no Egito, onde milhares dos opositores do regime "permanecem detidos arbitrariamente e/ou processados ​​injustamente".

Apartheid israelense

O documento critica ainda a postura de Israel, onde os governos "implantaram medidas forçando cada vez mais palestinos a deixarem suas casas, desenvolvendo assentamentos ilegais e legalizando assentamentos" na Cisjordânia ocupada. “Em vez de exigir o fim do sistema de apartheid em vigor em Israel, muitos governos ocidentais preferiram atacar aqueles que o denunciam”, critica a Anistia.

Na Etiópia, a ONG alerta para "as respostas lamentáveis" a "um dos conflitos mais mortíferos da história recente", que teria matado 500 mil pessoas, de acordo com os Estados Unidos.

“E o desequilíbrio entre a recepção massiva de refugiados ucranianos [em outros países] e a recusa em receber aqueles que fogem de países como a Líbia, Síria ou Afeganistão?”, compara. A ONG revela que 2022 foi o ano mais mortal desde 2006, quando foi iniciado o censo de vítimas da ONU.

“Devemos reagir a todas as violações dos direitos humanos, como fizemos com o conflito na Ucrânia (…) Os Estados não podem um dia criticar essas violações e no dia seguinte tolerar atos semelhantes em outros países apenas porque seus interesses estão em jogo”, insistiu Agnès Callamard.

"Aqueles que lideram a coalizão em favor da Ucrânia devem entender: é preciso intensificar seus esforços e unir forças com outros além do Ocidente para defender, respeitar uma ordem mundial renovada, baseada em regras que beneficiem a todos”, continuou a secretária-geral da ONG.

 

Ucranianos acolhidos, haitianos torturados

Os Estados Unidos, que acolheram dezenas de milhares de ucranianos, entre setembro de 2021 e maio de 2022, “expulsaram mais de 25 mil haitianos, muitas vezes depois de os ter detido e torturado”, diz Agnès Callamard.

A abordagem "seletiva e egoísta" do Ocidente aos direitos humanos também reforçou as ações de outros países criticados por abusos, incluindo a China, onde a "repressão sistemática de minorias étnicas em Xinjiang e no Tibete continuou", e em "Hong Kong, onde Pequim continuou reprimindo o movimento de luta pela democracia", afirma a ONG.

O documento constata que a impunidade, a instabilidade e o enfraquecimento do multilateralismo continuaram a aumentar, agravando a condição das populações que são vítimas de todas as formas de violência. A tendência pode ser observada em Mianmar e no Iêmen, onde instituições globais e regionais pouco ou nada fazem, “paralisadas pela prioridade dada aos seus próprios interesses”. “Os direitos humanos não devem se perder no caos da dinâmica do poder global”, enfatizou Agnès Callamard.

Os direitos das mulheres experimentaram "uma reviravolta para pior" em 2022, em particular no Irã, onde muitas foram mortas "por terem dançado, cantado ou por não terem usado véu". No Afeganistão, elas foram "transformadas em objetos" desde a tomada do poder pelos talibãs. Já nos Estados Unidos, o acesso ao aborto está sendo questionado para muitas mulheres, observa a ONG.

 

Agnès Callamard (à direita) ao lado de representantes da Anistia Internacional durante seu discurso no Palais de Chaillot na ocasião da apresentação do relatório 2022 da ONG. Paris, 27 de março de 2023.
Agnès Callamard (à direita) ao lado de representantes da Anistia Internacional durante seu discurso no Palais de Chaillot na ocasião da apresentação do relatório 2022 da ONG. Paris, 27 de março de 2023. © Anne Bernas/RFI

 

Tratamento climático desigual

A guerra na Ucrânia finalmente desviou "não apenas recursos, mas também a atenção da crise climática", já que os desastres do aquecimento global parecem "fora de controle" e os líderes mundiais não chegaram a um acordo sobre as medidas destinadas a limitar o aumento das temperaturas abaixo de 1,5°C.

Em sua opinião, para sobreviver às múltiplas crises – conflitos armados, mas também crises climáticas e econômicas –, as instituições internacionais precisam, com urgência, se tornarem novamente capazes de desempenhar suas verdadeiras funções.

Para tanto, os mecanismos de defesa dos direitos humanos da ONU teriam que ser totalmente financiados, quando, hoje, apenas 5% do orçamento das Nações Unidas é dedicado a este tema.

Além disso, a Anistia Internacional pede uma reforma do Conselho de Segurança, para que as vozes de todos os países sejam ouvidas, em particular aqueles do hemisfério sul. “A falta de transparência e eficiência do processo de tomada de decisão do Conselho de Segurança expõe todo o sistema à manipulação, abuso e disfunção”, denuncia a ONG.

(Com informações da AFP)

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