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“É como se o criminoso fosse um dos juízes”, diz ambientalista sobre escolha de CEO do petróleo para presidir COP28

O CEO da empresa nacional de petróleo dos Emirados Árabes Unidos foi nomeado, nesta quinta-feira (12), presidente da Conferência do Clima da ONU prevista para este ano no rico país do Golfo. A notícia provocou fortes críticas entre ativistas ambientais.

O sultão Ahmed al-Jaber durante a cerimônia de abertura da Abu Dhabi International Petroleum Exhibition & Conference, em Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos, em 11 de novembro de 2019.
O sultão Ahmed al-Jaber durante a cerimônia de abertura da Abu Dhabi International Petroleum Exhibition & Conference, em Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos, em 11 de novembro de 2019. AP - Kamran Jebreili
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Ministro da Indústria dos Emirados e chefe da gigante petrolífera ADNOC (Abu Dhabi National Oil Company), o sultão Ahmed al-Jaber é também o enviado especial para as alterações climáticas de seu país. Ele será o primeiro CEO a presidir uma COP, de acordo com um comunicado de imprensa publicado pela agência oficial de notícias WAM.

"Traremos uma abordagem pragmática, realista e orientada para soluções", prometeu o sultão Ahmed al-Jaber, citado no comunicado de imprensa do Escritório do enviado especial dos Emirados Árabes Unidos para mudanças climáticas. "A ação climática é uma grande oportunidade econômica para investir em crescimento sustentável. Financiamento é fundamental", acrescentou.

O ministro dos Emirados lidera a petrolífera nacional desde 2016, mas também a Masdar, a empresa de energia renovável dos Emirados. Sua dupla atuação, no entanto, lhe rendeu muitas críticas de ativistas ambientais.

“É um escândalo, um escândalo e uma traição. E o secretário-geral das Nações Unidas deveria intervir para proibir isso. Ou não deveríamos ter mais COP. Não deveríamos mais chamá-la de COP das mudanças climáticas, mas de COP para acabar com a habitabilidade do planeta para aumentar os combustíveis fósseis”, critica de forma enfática a especialista internacional em políticas de mitigação das mudanças climáticas Yamina Saheb em entrevista à RFI.

“A consequência de todos os silêncios”

Para a especialista, autora da terceira parte do relatório do IPCC, a presença de representantes de produtores de combustíveis fósseis vem aumentando a cada COP, o que ela interpreta como um tipo de intimidação. “É como se estivéssemos analisando um processo em que o criminoso é um dos juízes, é isso? Isso é o que temos. Foi o que aconteceu nas diversas COPs”, aponta Yamina, que também é economista e professora do Instituto de Ciências Políticas Sciences Po de Paris.

A ambientalista vê essa situação que ela julga extrema como “a consequência de todos os silêncios” no jogo da luta ambiental. “Estou esperando para ver qual será a reação das Nações Unidas. Não podemos, por um lado, convocar e encorajar os jovens a lutar contra as mudanças climáticas e, por outro lado, concordar em ter uma COP presidida exclusivamente pelos combustíveis fósseis”, sublinha Yamina.

"A nomeação do sultão Ahmed al-Jaber como presidente da COP28, enquanto ocupa o cargo de CEO da petrolífera nacional de Abu Dhabi, constitui um escandaloso conflito de interesses", também reagiu Harjeet Singh, da organização Climate Action Network International, expondo a influência dos lobistas dos combustíveis fósseis.

Para Teresa Anderson, da ActionAid, “vai além de colocar a raposa para tomar conta do galinheiro”. Igualmente sucinto, Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, no Brasil, afirmou que "contrataram o problema para tomar conta da solução".

A reitora da Fletcher School da Tufts University, nos Estados Unidos, Rachel Kyte, destacou o "dilema" enfrentado pelo novo presidente da COP. “Os Emirados Árabes Unidos buscam ser a fonte mais econômica e eficiente de combustíveis fósseis, enquanto a produção global deve diminuir (…) Não pode haver mais desenvolvimento de combustíveis fósseis”, afirmou.

Quarto maior poluidor per capita do mundo

O país do Golfo, que é um dos principais exportadores de petróleo do mundo, defende uma saída gradual dos hidrocarbonetos. No entanto, os Emirados estimam que serão necessários mais de US$ 600 bilhões por ano na indústria de petróleo e gás até 2030 para atender à demanda.

Abu Dhabi enviou o maior contingente de lobistas da indústria para a COP27 em novembro no Egito. Esta edição permitiu a adoção de uma resolução sobre a compensação dos países mais pobres pelos danos causados ​​pelas mudanças climáticas. Mas não conseguiu avançar na redução das emissões de gases de efeito estufa para manter o objetivo de limitar o aquecimento global. E a questão do menor uso de combustíveis fósseis foi pouco mencionada nos textos.

Os Emirados conhecem, graças ao petróleo, um crescimento vertiginoso desde os anos 1970, mas buscam diversificar sua economia. O país - classificado como o quarto maior poluidor per capita do mundo em 2019 pelo Banco Mundial - prometeu alcançar a neutralidade de carbono até 2050, alavancando tecnologias de captura de carbono e energia verde.

Os Emirados são "um grande investidor em energias renováveis ​​dentro e fora do país", sublinhou o ex-funcionário do clima da ONU Yvo de Boer, dando seu apoio ao sultão Ahmed al-Jaber.

Regiões inabitáveis até o final do século

O aquecimento global é um assunto particularmente importante para o país desértico de 10 milhões de habitantes, em que 90% são expatriados. De acordo com um estudo publicado em 2021, certas regiões do Golfo, onde as temperaturas às vezes chegam a 50°C no verão, podem se tornar inabitáveis ​​até o final do século.

“Limitar o aquecimento global a 1,5°C exigirá reduções significativas de emissões, uma abordagem pragmática, prática e realista para a transição energética e maior apoio às economias emergentes”, informava o comunicado divulgado nesta quinta-feira pelo Escritório do enviado especial dos Emirados Árabes Unidos para mudanças climáticas, referindo-se ao objetivo estabelecido nas cúpulas anteriores da COP.

A COP28 será realizada em Dubai em novembro e dezembro.

(Com informações da AFP)

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