“É como se o criminoso fosse um dos juízes”, diz ambientalista sobre escolha de CEO do petróleo para presidir COP28
O CEO da empresa nacional de petróleo dos Emirados Árabes Unidos foi nomeado, nesta quinta-feira (12), presidente da Conferência do Clima da ONU prevista para este ano no rico país do Golfo. A notícia provocou fortes críticas entre ativistas ambientais.
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Ministro da Indústria dos Emirados e chefe da gigante petrolífera ADNOC (Abu Dhabi National Oil Company), o sultão Ahmed al-Jaber é também o enviado especial para as alterações climáticas de seu país. Ele será o primeiro CEO a presidir uma COP, de acordo com um comunicado de imprensa publicado pela agência oficial de notícias WAM.
"Traremos uma abordagem pragmática, realista e orientada para soluções", prometeu o sultão Ahmed al-Jaber, citado no comunicado de imprensa do Escritório do enviado especial dos Emirados Árabes Unidos para mudanças climáticas. "A ação climática é uma grande oportunidade econômica para investir em crescimento sustentável. Financiamento é fundamental", acrescentou.
O ministro dos Emirados lidera a petrolífera nacional desde 2016, mas também a Masdar, a empresa de energia renovável dos Emirados. Sua dupla atuação, no entanto, lhe rendeu muitas críticas de ativistas ambientais.
After two tenures as the Special Envoy for Climate Change, HE Dr. Sultan Al Jaber will serve as the COP28 President-Designate.
— Office Of The UAE Special Envoy For Climate Change (@uaeclimateenvoy) January 12, 2023
➡️ HE Razan Al Mubarak, UN Climate Change High Level Champion
➡️ HE Shamma Al Mazrui, Youth Climate Championhttps://t.co/niER5Y7SBZ #COP28UAE pic.twitter.com/QahDgUfhjb
“É um escândalo, um escândalo e uma traição. E o secretário-geral das Nações Unidas deveria intervir para proibir isso. Ou não deveríamos ter mais COP. Não deveríamos mais chamá-la de COP das mudanças climáticas, mas de COP para acabar com a habitabilidade do planeta para aumentar os combustíveis fósseis”, critica de forma enfática a especialista internacional em políticas de mitigação das mudanças climáticas Yamina Saheb em entrevista à RFI.
“A consequência de todos os silêncios”
Para a especialista, autora da terceira parte do relatório do IPCC, a presença de representantes de produtores de combustíveis fósseis vem aumentando a cada COP, o que ela interpreta como um tipo de intimidação. “É como se estivéssemos analisando um processo em que o criminoso é um dos juízes, é isso? Isso é o que temos. Foi o que aconteceu nas diversas COPs”, aponta Yamina, que também é economista e professora do Instituto de Ciências Políticas Sciences Po de Paris.
A ambientalista vê essa situação que ela julga extrema como “a consequência de todos os silêncios” no jogo da luta ambiental. “Estou esperando para ver qual será a reação das Nações Unidas. Não podemos, por um lado, convocar e encorajar os jovens a lutar contra as mudanças climáticas e, por outro lado, concordar em ter uma COP presidida exclusivamente pelos combustíveis fósseis”, sublinha Yamina.
"A nomeação do sultão Ahmed al-Jaber como presidente da COP28, enquanto ocupa o cargo de CEO da petrolífera nacional de Abu Dhabi, constitui um escandaloso conflito de interesses", também reagiu Harjeet Singh, da organização Climate Action Network International, expondo a influência dos lobistas dos combustíveis fósseis.
Al Jaber's appointment as #COP28 President is outrageously regressive and deeply problematic to say the least!
— Harjeet Singh (@harjeet11) January 12, 2023
Fossil fuels are the root cause of the #ClimateCrisis. His position as CEO of the Abu Dhabi National Oil Company raises grave conflict of interest issues. pic.twitter.com/w6MJfY59Mr
Para Teresa Anderson, da ActionAid, “vai além de colocar a raposa para tomar conta do galinheiro”. Igualmente sucinto, Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, no Brasil, afirmou que "contrataram o problema para tomar conta da solução".
A reitora da Fletcher School da Tufts University, nos Estados Unidos, Rachel Kyte, destacou o "dilema" enfrentado pelo novo presidente da COP. “Os Emirados Árabes Unidos buscam ser a fonte mais econômica e eficiente de combustíveis fósseis, enquanto a produção global deve diminuir (…) Não pode haver mais desenvolvimento de combustíveis fósseis”, afirmou.
Quarto maior poluidor per capita do mundo
O país do Golfo, que é um dos principais exportadores de petróleo do mundo, defende uma saída gradual dos hidrocarbonetos. No entanto, os Emirados estimam que serão necessários mais de US$ 600 bilhões por ano na indústria de petróleo e gás até 2030 para atender à demanda.
Abu Dhabi enviou o maior contingente de lobistas da indústria para a COP27 em novembro no Egito. Esta edição permitiu a adoção de uma resolução sobre a compensação dos países mais pobres pelos danos causados pelas mudanças climáticas. Mas não conseguiu avançar na redução das emissões de gases de efeito estufa para manter o objetivo de limitar o aquecimento global. E a questão do menor uso de combustíveis fósseis foi pouco mencionada nos textos.
Contrataram o problema para tomar conta da soluçao. https://t.co/JJUuR2o3Ih
— Marcio Astrini (@MarcioAstrini) January 12, 2023
Os Emirados conhecem, graças ao petróleo, um crescimento vertiginoso desde os anos 1970, mas buscam diversificar sua economia. O país - classificado como o quarto maior poluidor per capita do mundo em 2019 pelo Banco Mundial - prometeu alcançar a neutralidade de carbono até 2050, alavancando tecnologias de captura de carbono e energia verde.
Os Emirados são "um grande investidor em energias renováveis dentro e fora do país", sublinhou o ex-funcionário do clima da ONU Yvo de Boer, dando seu apoio ao sultão Ahmed al-Jaber.
Regiões inabitáveis até o final do século
O aquecimento global é um assunto particularmente importante para o país desértico de 10 milhões de habitantes, em que 90% são expatriados. De acordo com um estudo publicado em 2021, certas regiões do Golfo, onde as temperaturas às vezes chegam a 50°C no verão, podem se tornar inabitáveis até o final do século.
“Limitar o aquecimento global a 1,5°C exigirá reduções significativas de emissões, uma abordagem pragmática, prática e realista para a transição energética e maior apoio às economias emergentes”, informava o comunicado divulgado nesta quinta-feira pelo Escritório do enviado especial dos Emirados Árabes Unidos para mudanças climáticas, referindo-se ao objetivo estabelecido nas cúpulas anteriores da COP.
A COP28 será realizada em Dubai em novembro e dezembro.
(Com informações da AFP)
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