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Planeta Verde

Em 2022, emergência climática se tornou mais ‘visível’, mas países recuaram nas ações

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Em um tema em que as más notícias se transformaram na regra nos últimos anos, 2022 trouxe uma série de alertas particularmente flagrantes sobre a emergência climática – mas também sobre as incoerências entre o discurso e as práticas para combater as mudanças do clima.

Em plena primavera, rio Loire, na França, já sofria com a seca excepcional de 2022 no país.
Em plena primavera, rio Loire, na França, já sofria com a seca excepcional de 2022 no país. REUTERS/Stephane Mahe
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Já em fevereiro, a guerra na Ucrânia levou a Europa para um cenário de incertezas sobre o futuro do abastecimento de gás natural russo, até então crucial para países como a Alemanha, a Hungria e a Eslováquia. Mas como a transição energética rumo ao fim dos combustíveis fósseis está mais lenta do que deveria, diversos países não viram outra alternativa a não ser ativar as usinas a carvão, as mais nocivas para o meio ambiente.

Face ao risco de apagões e de ficar sem aquecimento nos meses de frio, os europeus deixaram de lado os compromissos ambientais e as promessas de acabar com as centrais a carvão até 2030. Estas usinas respondem por mais de 40% das emissões mundiais de gases de efeito estufa, que provocam o aquecimento global.

Até os países menos dependentes do gás, como a França, dona da mais vasta rede de usinas nucleares da Europa, também não conseguiram evitar o retrocesso. Para Neil Makaroff, coordenador da seção Europa da Rede Ação pelo Clima, hub de organizações ambientais francesas, o contexto geopolítico deveria representar uma oportunidade para o bloco:

"Diante da crise exacerbada pela guerra na Ucrânia, a energia nuclear pode parecer uma solução, ao não emitir CO2. Mas não podemos esquecer que para construir uma central nuclear, precisamos de 15 a 20 anos. Por demorar tanto, essa opção não atende aos nossos objetivos climáticos até 2030, de reduzir pelo menos 55% das nossas emissões até o fim da década”, explica. “A única solução facilmente aplicável e barata são as energias renováveis, eólica, solar e biogás. Elas precisam decolar para substituir o gás, o petróleo, mas também o carvão russos."

Centrais a carvão foram reativadas ao redor do mundo, como esta no Reino Unido, para compensar a alta dos preços da energia e a escassez de gás russo.
Centrais a carvão foram reativadas ao redor do mundo, como esta no Reino Unido, para compensar a alta dos preços da energia e a escassez de gás russo. Getty Images - sturti

Calorão mais cedo, intenso e persistente

Na sequência, como um golpe de ironia do destino, o verão castigou os europeus com temperaturas historicamente elevadas, as segundas mais altas desde o início das medições, em 1900. Os termômetros começaram a subir já em maio, algo totalmente excepcional. Privada de gás, a Europa passou a conviver também com racionamento de água e com incêndios florestais fora de controle, levando a graves prejuízos agrícolas.

Em dois meses, a França teve 33 dias de calor além dos padrões. O agricultor francês David Peschard, instalado em Loir-et-Cher, na região central do país, jamais tinha vivido uma situação parecida.

“Algumas plantações não estão recebendo água suficiente. Podemos ser otimistas e achar que é apenas uma fase e que voltaremos a períodos mais úmidos. Mas, se enfrentarmos essa situação com frequência, será necessário nos adaptarmos rapidamente”, observa. “Infelizmente, temos uma lição a aprender, e estamos aprendendo muito lentamente. O milho, por exemplo, está condenado a nã ser mais cultivado na nossa região", lamenta.

No continente africano, a seca prolongada nas regiões do Sahel e do Chifre da África, além de países como Quênia e Nigéria, acentuou a insegurança alimentar. O Unicef alerta que mais de 20 milhões de crianças africanas chegaram ao fim do ano sob a ameaça da fome e da sede devido às mudanças climáticas, à falta de cereais, aos conflitos e à inflação mundial.

Paquistão sob a água

A elevação das temperaturas globais também leva ao aumento dos fenômenos extremos como enchentes, que devastaram o Paquistão em agosto. O país teve um terço de seu território inundado, com 33 milhões de pessoas atingidas. As chuvas de 2022 foram quase três vezes mais fortes do que a média dos últimos 30 anos, segundo levantamento da ONU.

Cidade de Sohbat Pur, no Paquistão, é coberta pela água no fim de agosto. Enchentes atingiram 33 milhões de pessoas.
Cidade de Sohbat Pur, no Paquistão, é coberta pela água no fim de agosto. Enchentes atingiram 33 milhões de pessoas. AP - Zahid Hussain

Em seguida, veio o outono mais quente registrado em décadas na Europa – para mostrar, mais uma vez, que algo está errado com o clima do planeta. Em outubro, os termômetros marcaram de 3 a 7 graus acima do normal para a estação.

Em entrevista ao Planeta Verde, o economista ambiental Matthieu Glachant avaliou que, em relação à tomada de consciência sobre o problema, haverá um antes e um depois de 2022.

"Eu acho que foi importante o que aconteceu porque, do nada, a mudança climática se transformou em uma experiência pessoal. Há muito tempo, conhecemos os relatórios do IPCC que nos alertavam sobre tudo isso – até que chegamos no momento em que as previsões se realizaram diante dos nossos olhos”, constatou. "Acho que isso provocará um verdadeiro impacto nos cidadãos e, por consequência, nos políticos."

No Brasil, foco no desmatamento

Já no Brasil, na área ambiental, foram os recordes de desmatamento e queimadas, sempre atualizados para pior durante o governo de Jair Bolsonaro, que continuaram a ocupar as manchetes no país e internacionais. Meses como setembro e outubro foram os piores registrados em 12 e sete anos, respectivamente. No período de um ano, 11,6 mil km² da Amazônia foram desmatados, o segundo pior índice desde 2009, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

“O desmatamento está crescente nos últimos quatro anos e está se propagando por lugares onde não ocorria antes. A gente não via fogo em grandes quantidades na região de Lábrea, por exemplo, ou no sul do Amazonas. Não era um tema naquela região”, apontou Tasso Azevedo, coordenador-geral do Mapbiomas, plataforma de referência no monitoramento de queimadas.

“É um crescimento consistente que é resultado dos sinais que são dados no nível federal que, no fundo, diz que vai acabar com as punições e vai reinar a impunidade em relação aos crimes ambientais.”

Foito mostra desmatamento em área entre Amazônia e Cerrado, em Nova Xavantina, no Mato Grosso. (28/07/2021)
Foito mostra desmatamento em área entre Amazônia e Cerrado, em Nova Xavantina, no Mato Grosso. (28/07/2021) REUTERS - AMANDA PEROBELLI

Esse quadro tem consequências não só para o clima, mas também para a economia. Em 2022 o Brasil deu um passo a mais rumo à perda de mercados para as suas exportações de matérias-primas, em represália à política ambiental destrutiva. Em dezembro, a União Europeia chegou a um acordo sobre uma nova lei para proibir a compra de produtos oriundos de áreas de florestas desmatadas ilegalmente. A medida atinge em cheio alguns dos carros-chefes do comércio internacional brasileiro, como a carne, a soja e a madeira.

“É uma legislação muito bem-vinda e esperada por toda a comunidade de cientistas e socioambientalistas. De forma transversal, vejo que o grande impacto vai ser minar a pressão de especulação de terras no Brasil”, disse o cientista de uso da terra Tiago Reis, coordenador na América do Sul da Trase, uma iniciativa internacional especializada em rastrear a origem e o destino das matérias-primas no comércio mundial. “De 90 a 99% do desmatamento global de 2015 a 2019 foi para a agropecuária. Mas de 35 a 55% desse desmatamento foi improdutivo, ou seja, ele foi motivado pela perspectiva de lucro com a venda da terra, de olho nos preços futuros das commodities agropecuárias. Quando a UE define que não vai importar produtos de áreas desmatadas, ela está dizendo que essa terra não vai mais valer tanto assim, já que vai encontrar restrições de mercado”, salientou Reis.

Neste contexto, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em outubro, foi a melhor noticia ambiental do ano para o Brasil. Em sua primeira viagem internacional após o pleito, Lula foi à Conferência do Clima da ONU em Sharm el-Sheikh, no Egito (COP27), anunciar ao mundo o seu comprometimento com a preservação da maior floresta tropical do planeta.

“Não há segurança climática para o mundo sem uma Amazônia protegida. Não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030”, ressaltou. “Os crimes ambientais, que cresceram de forma assustadora durante o governo que está chegando ao fim, serão agora combatidos sem trégua.”

Mulheres indígenas, entre elas as deputadas Célia Xacriabá (d.) e Sônia Guajajara (terceira à direita) tiveram destaque na COP27, no Egito.
Mulheres indígenas, entre elas as deputadas Célia Xacriabá (d.) e Sônia Guajajara (terceira à direita) tiveram destaque na COP27, no Egito. © Lucia Muzell/ RFI

Outra boa notícia para o país foi a eleição de duas deputadas indígenas, Sônia Guajajara e Célia Xacriabá, importantes defensoras das causas dos povos originários. “Estaremos juntas, comprometidas com a bancada do cocar, para fortalecer o futuro Ministério dos Povos Indígenas [a ser chefiado por Guajajara]. Se nós somos a solução número 1 para conter as mudanças climáticas, como afirma a própria ONU, nós queremos e precisamos marcar presença nos outros ministérios: no Meio Ambiente, na Cultura, na Educação”, afirmou Célia à RFI, em uma conversa em Sharm el Sheikh. “Nós chegamos para ‘mulherizar’ e ‘indigenizar’ a política, porque onde existe indígena, existe floresta.”

COP27 tem avanço para países pobres, mas falha em responder à altura os desafios

A conferência ambiental mais importante do ano ocorreu em novembro. O evento resultou na decisão de criar um financiamento específico para os países em desenvolvimento serem compensados, com recursos das nações desenvolvidas, pelas perdas e danos já sofridos devido às mudanças do clima – uma demanda história dos países pobres.

Por outro lado, a conferência, abalada pelos efeitos da guerra na Ucrânia e realizada em um país que deixa a desejar na pasta ambiental, falhou ao paralisar os esforços por reduções de emissões de CO2 e encaminhar a diminuição do uso de combustíveis fosseis. Nos dois aspectos, essenciais para o cumprimento do Acordo de Paris, o texto final da COP27 apenas manteve o que já havia sido acordado na conferência anterior, em Glasgow.

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