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Ataque aéreo na Etiópia mata ao menos sete pessoas e eleva tensão no país

Três crianças estão entre os, ao menos, sete mortos após o ataque aéreo que atingiu um parque infantil em uma área residencial, um hotel e pequenas empresas em Mekele, capital do Tigré, que fica no norte da Etiópia. As informações são do canal de TV controlado por autoridades locais, que exibiu imagens chocantes da destruição causada pelo bombardeio, além de corpos pelo chão e pessoas gravemente feridas sendo socorridas pela população.

A guerra na região do Tigré leva a população à pobreza extrema. Crianças pedem esmola em estrada.
A guerra na região do Tigré leva a população à pobreza extrema. Crianças pedem esmola em estrada. © RFI/ Sébastien Németh
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Vinícius Assis, correspondente da RFI na Etiópia

Inicialmente, nove feridos foram levados para o Ayder Hospital, segundo Kibrom Gebreselassie, diretor executivo da unidade, que enfrenta escassez de medicamentos e itens básicos, como toda essa região. Testemunhas disseram que o ataque foi conduzido por drones. Circula no país uma imagem captada via satélite mostrando um TB-2 Bayraktar, de origem turca, no aeroporto de Samera um dia antes do ataque. A localização era a 150km do alvo, mas “não na sua base habitual”, afirmaram fontes ligadas ao assunto. 

A Etiópia é um dos países africanos que usam drones vindos da Turquia fabricados pela Baykar, chefiada por dois irmãos - o presidente-executivo Haluk Bayraktar e seu irmão Selçuk, diretor de tecnologia, que é casado com a filha do presidente Erdogan, Sümeyye, de acordo com a imprensa. 

Autoridades regionais culparam o governo da Etiópia pelo ataque, que aconteceu dois dias depois da retomada de conflitos nesta região, após cinco meses de cessar-fogo. Apesar dos impactantes vídeos, que logo viralizaram no país na tarde desta sexta-feira (26), o porta-voz do governo federal, Legesse Tulu, chamou de mentirosas e “dramas fabricados" as notícias sobre civis entre as vítimas e disse que os ataques atingiram apenas locais militares. O governo da Etiópia ainda pediu para a população na região do Tigré ficar longe das instalações, porque pretendia "tomar ações para atingir as forças militares”. 

Região sob ataque

Meron Alemnew é uma etíope da região do Tigré que atualmente vive em Ruanda, onde trabalha em um campo de refugiados como intérprete, especialmente ajudando os tigrínios a se comunicarem. Em entrevista à reportagem, ela disse que nunca havia imaginado viver este tipo de situação. “É terrível ver isso acontecendo quando você não pode entrar em contato com sua família. Isso sempre me faz pensar no que acontecerá a seguir, se minha família vai sobreviver a tudo isso”, desabafou. Inicialmente ela se mudou para Ruanda para fazer um mestrado e o conflito no norte da Etiópia começou quando ela se preparava para voltar para casa. “Eu fiquei completamente perdida”, disse. 

Mekelle, cidade etíope atacada nesta sexta-feira, fica a mais de 900 km da capital etíope, Adis Abeba, onde a notícia é a mais comentada nas ruas, mas a rotina segue normalmente. Preocupação, mesmo, se vê entre a parte da população que é da etnia Tigré no país e espalhada pelo mundo. Quem trabalha para organizações internacionais prefere não falar sobre o assunto. Pedindo para não ser identificada, uma fonte se disse pessimista em relação a um acordo de paz e disse que está havendo teimosia dos dois lados, enquanto a população sofre as consequências. 

Acusações da ONU

Um dia antes do ataque, A ONU acusou as tropas do Tigré de terem saqueado o depósito do Programa Mundial de Alimentos e levado 570 mil litros de combustíveis. Nas redes sociais, isso está sendo amplamente explorado por apoiadores do governo, que chamam as tropas do Tigré de “terroristas” que “buscaram novos conflitos”, já que “se recusaram” a seguir com conversas para um acordo de paz. O governo queria que as negociações fossem mediadas pela União Africana. Já as autoridades do Tigré pedem que o governo do Quênia seja mediador. 

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom, falou mais uma vez sobre a preocupação com o conflito e os parentes dele que vivem nesta região, e certamente estão passando necessidades. “"Tenho muitos parentes lá. Quero enviar dinheiro a eles, mas não posso. Eu não sei nem quem está morto ou quem está vivo”, disse em entrevista coletiva, antes do ataque aéreo desta sexta. Na semana em que a guerra na Ucrânia completou seis meses, ele - que também é da etnia Tigré - disse que o racismo pode estar fazendo com que o ocidente ignore o conflito no norte etíope, que já dura quase dois anos, deixando toda a região isolada, sem energia elétrica e comunicação. 

Depois do bombardeio desta sexta, Tedros Adhanom postou no twitter o vídeo da TV regional que viralizou no país. “Imagens horríveis de Mekelle. Crianças mortas em um jardim de infância no ataque aéreo de hoje em Tigré, enquanto os 21 meses de fome, privação e morte de crianças continuam. O cerco pela Etiópia deve terminar e o acesso humanitário irrestrito deve ser restaurado com urgência”, comentou.

Não é a primeira vez que o diretor-geral da OMS se manifesta sobre o conflito. Esta semana a porta-voz do primeiro-ministro da Etiópia, Billene Seyoum, classificou a postura do diretor-geral da OMS de “antiética”. 

Milhões de pessoas tiveram que deixar as áreas onde viviam por causa desta guerra. O número de mortes ainda é incerto. Sem falar no impacto na economia. Moradores dessa região não conseguem sequer fazer movimentações bancárias. Um empresário contou à reportagem que não sabe como está a fábrica dele na cidade de Mekelle. O etíope, que vive no exterior, disse que já perdeu mais de US$ 30 milhões por não ter conseguido honrar contratos com clientes no exterior. E não sabe como estão seus funcionários. 

Esta é uma guerra entre etíopes e etíopes, que começou em novembro de 2020, bem antes de a Rússia invadir a Ucrânia, conflito que domina a atenção da comunidade internacional atualmente. Na época, o primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed enviou tropas à região de Tigré para remover do poder o partido governante da região que fica ao norte, alegando que forças locais atacaram uma base militar federal. Até hoje esta é uma parte isolada da Etiópia, há quase dois anos sem acesso à internet e telefonia, por exemplo. Até dias atrás havia apenas um voo humanitário ligando a capital do país a Mekele, mas certamente agora cancelado. 

O TPLF é um partido político de grande influência no cenário nacional etíope por 27 anos, mas que perdeu força em 2018, quando o atual primeiro-ministro, Abiy Ahmed, chegou ao poder, promovendo mudanças significativas, que o levaram inclusive a vencer o Nobel da Paz em 2019 após ter colocado fim a 20 anos de conflitos entre Etiópia e Eritréia. 

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