Uganda: governo suspende atividades de 54 ONGs de direitos civis no país
O governo de Uganda ordenou nesta sexta-feira (20) a suspensão com "efeito imediato" das atividades de 54 ONGs no país, incluindo a principal organização de liberdades civis, a Chapter Four, em uma medida vista como uma intenção de aumentar o controle sobre a sociedade civil.
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As 54 associações que operam no campo político, social e ambiental são acusadas de "não conformidade" com a legislação, argumentou em nota o setor responsável pelas ONGs no país, subordinado ao Ministério do Interior ugandês. O comunicado acrescenta que as ONGs operavam sem registro, com licenças expiradas ou não divulgaram seus relatórios anuais e contas em diversas ocasiões.
Entre essas 54 ONGs, a emblemática associação Chapter Four - cujo nome se refere ao Capítulo 4 da Constituição de Uganda, que estabelece os direitos e liberdades fundamentais - e outras 14 organizações estão "suspensas por tempo indeterminado".
Contatado pela AFP, o diretor-executivo da Chapter Four, Nicholas Opiyo, confirmou ter recebido a notificação, e considerou a situação "grave". Ele postou no Twitter uma foto de um recibo do setor estatal que controla as ONG no país, atestando o recebimento, em 11 de janeiro, dos relatórios anuais de 2016, 2017, 2018 e 2019. "Refutamos qualquer alegação de conduta ilegal de nossa parte", escreve Opiyo.
We’ll be writing to the National Bureau for NGOs reminding them of this & other documents filed with them & other authorities in Jan this year. Audited accounts, source of funding et al. We’ve always acted above board & repudiate any representation of unlawful conduct on our part pic.twitter.com/ny36rJfOId
— Nicholas Opiyo (@nickopiyo) August 20, 2021
Charity Ahimbisibwe, que dirige a Coalizão dos Cidadãos pela Democracia Eleitoral (CCEDU), outra organização suspensa pelas autoridades, considerou a decisão "extremamente lamentável". Ela alega que a licença de funcionamento do CCEDU realmente estaria vencida, mas que realizou um pedido de prorrogação, em função das dificuldades impostas pelo contexto da crise sanitária da Covid-19 e diante das visíveis obstruções por parte do governo, o que impossibilitou a renovação. "Como uma organização que cumpre a lei, não continuaremos a operar sem licença", afirmou a líder da ONG.
“Parceiro fundamental”
A representação da União Europeia no país sublinhou em um tuíte que "a sociedade civil é um parceiro fundamental que dá uma contribuição indispensável para o desenvolvimento de Uganda", afirmando que "estão ansiosos por resolver qualquer problema de registro das organizações". A seção africana da Comissão Internacional de Juristas revelou estar "profundamente preocupada" com a suspensão da Chapter Four.
Algumas das organizações afetadas pela decisão participaram de uma operação de observação durante a polêmica eleição presidencial de janeiro deste ano. A operação foi alvo de uma busca pelas forças de segurança e diversos líderes foram detidos.
Nesta eleição, o presidente Yoweri Museveni, no poder desde 1986, foi reeleito para um sexto mandato após uma violenta campanha marcada por situações de assédio e pela prisão de figuras da oposição, incluindo o principal oponente e deputado Bobi Wine, por ataques à mídia, além da morte de dezenas de pessoas. A oposição contestou o resultado desta eleição, considerado por Bobi Wine como "fraudado".
Ahimbisibwe disse que sua organização, a CCEDU, foi intimada diversas vezes pelas autoridades após a publicação de um relatório alegando fraude durante a eleição. Um mês antes da eleição, Nicholas Opiyo, fundador da Chapter Four e advogado de muitos ativistas de direitos humanos, da causa gay e também de Bobi Wine, foi preso e acusado de lavagem de dinheiro.
Dezenas de mortos
Diversos países, incluindo os Estados Unidos e a UE, protestaram contra a prisão, e relatores especiais da ONU para os direitos humanos denunciaram "acusações fictícias" e processos "que pareciam estar ligados apenas ao contexto eleitoral" em Uganda. Wine foi libertado sob fiança uma semana depois.
Em resposta, o presidente Museveni repreendeu publicamente as forças de segurança por terem sido muito violentas em ações antes e depois da eleição. Em novembro, pelo menos 56 pessoas foram mortas enquanto protestavam contra a prisão de Bobi Wine. De acordo com a oposição, centenas de seus apoiadores também desapareceram ou morreram durante a violenta repressão pós-eleitoral.
(Com informações da AFP)
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