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Menino-soldado condenado pelo TPI por massacres em Uganda foi transformado em máquina de guerra

O ugandense Dominic Ongwen, um ex-menino-soldado que se tornou comandante do grupo rebelde Exército de Resistência do Senhor (LRA), foi declarado culpado de crimes de guerra e contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), nesta quinta-feira (4). Nos anos 2000, o LRA, liderado pelo ex-padre Joseph Kony, travou uma guerra em Uganda para estabelecer um Estado baseado nos dez mandamentos da Bíblia.

Dominic Ongwen, culpado de crimes contra a humanidade.
Dominic Ongwen, culpado de crimes contra a humanidade. AFP - PETER DEJONG
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O ugandense, hoje com 45 anos, foi sequestrado quando tinha 9 anos de idade e estava a caminho da escola. Os crimes aconteceram entre 2002 e 2005, quando ele já tinha uma experiência de guerra de mais de 15 anos. Ao todo, Ongwen foi considerado culpado de 61 acusações, incluindo assassinatos, recrutamento de crianças-soldados e estupros. Ele recebeu também uma condenação inédita por gravidez forçada de vítimas de escravidão sexual. 

O LRA foi fundado há três décadas por Kony, um ex-padre católico que se autoproclamou profeta. Ele iniciou uma rebelião contra o presidente Yoweri Museveni no norte de Uganda. De acordo com a ONU, os rebeldes mataram mais de 100.000 pessoas e sequestraram 60.000 crianças durante operações que se espalharam para três outros países africanos: Sudão, República Democrática do Congo e República Centro-Africana. 

Ongwen foi o primeiro membro do LRA a ser julgado. Ele se rendeu em 2015 às forças especiais dos Estados Unidos que buscavam Kony na República Centro-Africana. O rebelde foi então transferido para julgamento no TPI, com sede em Haia. Kony ainda está foragido e um mandado de prisão da CPI pesa sobre ele.

Comandante sanguinário

Com Ongwen como comandante, o LRA fez reinar o terror no norte de Uganda, especialmente com massacres nos campos de refugiados de Lukodi, Pajule, Odek e Abok, bem como o recrutamento de crianças-soldados.

Enquanto oficial, ele ordenou vários ataques contra civis, dando ordens para saquear casas, sequestrar habitantes, promover execuções com arma de fogo ou tochas incendiárias. As crianças, depois de sequestradas, eram amarradas para não fugir. Descalças, elas eram obrigadas a carregar o que os rebeldes roubavam nos ataques aos vilarejos. A brigada Sinia, um grupo de uma centena de homens sob o comando de Ongwen, sequestrava jovens e mulheres adultas para se tornarem servas e escravas sexuais.

Cinco anos de julgamento

O julgamento começou há cinco anos no TPI e é considerado particular por ter sido a primeira vez que alguém que foi vítima e, ao mesmo tempo, suposto autor de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, comparecia ao tribunal. 

No início das audiências, a acusação exibiu vídeos gravados após um ataque ao campo de refugiados de Lukodi, a cerca de 20 km da capital regional, Gulu. Nas imagens aparecem crianças estripadas e corpos carbonizados de bebês.

"Estabeleceu-se sua culpa para além de qualquer dúvida razoável", afirmou o juiz Bertram Schmitt, ao ler o veredicto sobre os massacres cometidos por soldados liderados por Ongwen, que é chamado de "formiga branca".

Os advogados de defesa tentaram retratá-lo como uma vítima, por sua trajetória de criança-soldado. Mas o TPI não seguiu esta tese: considerou que todos os crimes imputados a ele foram cometidos quando esteve no comando da brigada Sinia, quando já era adulto. Ongwen foi recrutado para esse posto pelo chefe Kony, que ficou impressionado por seu zelo na batalha. O menino transformou-se numa máquina de guerra.

O juiz do TPI detalhou por quase duas horas os atos cometidos pelos homens de Ongwen e pelo próprio acusado. Ele não "agiu sob coação", não há "evidência de doença mental" tendo abolido seu discernimento. "Ele era apreciado por seus homens", "ele poderia ter deixado o LRA e Joseph Kony como outros comandantes, mas não o fez", insistiu o juiz. "O acusado não pode se beneficiar de qualquer isenção de responsabilidade", sublinhou o tribunal.

"O tribunal está ciente de que sofreu muito", declarou o juiz. "No entanto, esses são crimes cometidos por Ongwen como adulto responsável e comandante do Exército de Resistência do Senhor", acrescentou.

O réu negou as acusações "em nome de Deus" e seus advogados pediram sua absolvição, alegando que ele foi vítima de brutalidade por parte do grupo rebelde.

“Ter sofrido e ter sido vítima no passado não é desculpa para voltar a cometer crimes”, defendeu a procuradora Fatou Bensouda, durante o julgamento. 

Mais de 130 especialistas e testemunhas participaram do processo e cerca de 4.000 vítimas estiveram representadas. Ongwen não falou depois do pronunciamento do veredicto, mas seu rosto mostrava algum cansaço.

Os advogados de defesa têm 30 dias para recorrer das condenações. Por outro lado, ainda será necessário aguardar para saber a sentença. Ongwen pode ser condenado à prisão perpétua. Só no momento do estabelecimento da pena será possível avaliar se o passado de criança-soldado será considerado como atenuante. 

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