Como a campanha do medo impacta na decisão dos eleitores pelo novo presidente na Argentina
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A eleição do novo presidente argentino será definida neste domingo (19) pela escolha do mal menor ou do medo maior, numa disputa baseada menos em propostas e mais nos temores que os candidatos despertam nos eleitores.
Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
A psicopedagoga Carolina Di Martino, de 44 anos, mãe de três filhos, prefere a qualquer custo a derrota do peronista de centro-esquerda Sergio Massa. “Tenho medo que os meus filhos não possam ter um futuro no nosso país. A cada dia, os três mantêm mais firme a ideia de irem embora ao exterior. Se Sergio Massa ganhar, a situação do país vai piorar”, conta à RFI.
Carolina baseia-se no desempenho de Massa como atual ministro de uma economia em agonia, com 142,7% de inflação acumulada nos últimos 12 meses e 42% de pobreza. Desde que Massa assumiu a administração da Economia, há 16 meses, a inflação duplicou e se tornou a mais elevada dos últimos 32 anos.
“Além disso, Sergio Massa é um político cínico, trapaceiro, pouco transparente. Para chegar ao poder, é capaz de pactuar com o diabo. De fato, pactuou com Cristina Kirchner. O meu voto é anti-Massa, antikirchnerismo”, define Carolina, em referência à corrente política de esquerda liderada pela atual vice-presidente, Cristina Kirchner.
Carolina votou em Patricia Bullrich no primeiro turno e vota agora em Milei, reconhecendo que o libertário também lhe causa medo. “Claro que há coisas de Milei que me provocam medo, como a falta de moderação e a falta de apoio político para poder governar. Só fiquei mais tranquila depois que Mauricio Macri e Patricia Bullrich uniram-se a ele, dando-lhe apoio e experiência”, admite.
No primeiro turno, em 22 de outubro, Sergio Massa obteve 37% dos votos, seguido de Javier Milei com 30%. Patricia Bullrich, da coalizão Juntos Pela Mudança, liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), ficou com 24%. Os dois decidiram apoiar Milei por representar a mudança, dotando-o de governabilidade.
O estudante Joaquín Dobarro, de 16 anos, vota pela primeira vez nestas eleições. No primeiro turno, optou por Bullrich. Agora, transfere o voto a Milei. “Concordo com a visão de Milei de reduzir o tamanho do Estado e torná-lo mais eficiente, mas admito que algumas das suas ideias me causam medo como a legalização de armas e a dolarização da economia. Porém, Sergio Massa me dá ainda mais medo. Não quero viver como estamos vivendo agora. É preferível um mal desconhecido [Milei] a um mal conhecido [Massa]”, compara Joaquín.
“Milei quer privatizar a Saúde pública, promover a venda de órgãos e dolarizar a economia, transformando-nos numa colônia dos Estados Unidos. É melhor um Estado de bem-estar a um Estado dissolvido. Tenho medo de perder todos os direitos que temos hoje”, avalia Tomás.
Kirchnerismo x privatizações
O medo que os eleitores sentem em relação aos candidatos foi o objetivo das campanhas dos dois lados. Javier Milei concentra o seu discurso no caos econômico gerado pelo kirchnerismo, corrente peronista no poder durante 16 dos últimos 20 anos. Milei adverte que a Argentina está à beira de uma hiperinflação e que a continuação desse modelo de empobrecimento fará do país uma Venezuela.
Do outro lado, sem trunfos a exibir, Sergio Massa apela ao medo para convencer os argentinos a não pular no abismo que significaria um governo Milei. Para isso, dispara um arsenal de peças publicitárias com anteriores declarações radicais do rival libertário sobre venda de órgãos, liberação do comércio de armas, fim da gratuidade na Educação e na Saúde, aumentos das tarifas públicas, etc.
Uma pesquisa do Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (CELAG), contratada pelo próprio Massa, indica que 49,4% dos eleitores têm medo de Milei, enquanto 44,3% têm medo de Massa. Para 39,6% dos que têm medo de Milei, os temores passam por recortes na Educação e na Saúde gratuitas, nas aposentadorias e nas assistências sociais. Outros 21,3% consideram o libertário instável e autoritário. O medo de uma substituição do peso argentino pelo dólar atinge 14% e a privatização de empresas públicas, 13,6%.
“Voto no Massa porque ele é a referência que vai cuidar dos direitos conquistados e que custaram a vida de muita gente, considerando o que foram as ditaduras neste país. Direitos à Saúde pública, à Educação pública, ao direito de circular na rua. Massa é o representante que protege justamente todos esses direitos conquistados”, defende o eleitor Alejandro Graf, de 34 anos. “A figura de Milei a defender a ditadura me causa terror. Também temo que a minha mãe aposentada perca a aposentadoria. Todos esses temores me fazem ter convicção do meu voto”, afirma Alejandro.
Sem esperanças
Outra pesquisa, da consultora Giacobbe, detectou o contrário: para 51,5% dos eleitores, Sergio Massa gera mais medo do que Javier Milei, com 46,3%.
“Sergio Massa representa o medo ao ‘kirchnerismo’, sinônimo de corrupção, inflação e pobreza. Para os eleitores da centro-direita, o ‘kirchnerismo’ é comunismo. Já Javier Milei representa o medo à direita que, na Argentina, significa o neoliberalismo, os militares, os Estados Unidos. Para o cidadão de centro-esquerda, Milei é um louco perigoso. Para os eleitores de Milei, essa loucura é positiva porque é necessária para detonar o sistema e gerar uma mudança”, explica à RFI Jorge Giacobbe, autor da sondagem.
Para o especialista em opinião pública, os argentinos votam nesta eleição naquele que mais pode solucionar os problemas econômicos, especialmente a inflação, a maior preocupação. Em jogo, estão dois modelos: um no qual o Estado é paternalista e intervencionista; outro, no qual o Estado é pequeno, liberal e privatizador.
Na sondagem de Giacobbe, os entrevistados têm uma imagem de Sergio Massa como “falso, corrupto e mentiroso”. Só em quarto lugar aparece a palavra “esperança” que, segundo Jorge Giacobbe, é o sinal de quem vai vencer uma eleição.
No caso de Milei, a definição predominante é a de um “louco”, não totalmente negativa. Em segundo lugar, aparece a “esperança”.
“A Argentina está, há anos, num cenário de tristeza. Em algum momento, esse sentimento deveria se tornar esperança depositada em algum candidato. Estamos diante de um cenário diferente no qual não há tanta esperança. Isso é trágico e mostra como, nestas eleições, o voto é apenas no mal menor”, conclui Jorge Giacobbe.
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