Acessar o conteúdo principal
Reportagem

Belém se prepara para COP 30 otimista, apesar dos grandes desafios de organização

Publicado em:

Começou a contagem regressiva. A capital do Pará tem um ano e meio para mostrar-se vitrine ou vidraça do Brasil na 30ª edição da COP, a maior conferência da Organização das Nações Unidas (ONU), prevista para novembro de 2025. Vai ser a primeira vez que o evento tem como sede uma cidade amazônica. A ideia de apresentá-la como tal tem atrativos inegáveis, mas é cheia de armadilhas.

A capital do Pará tem um ano e meio para mostrar-se vitrine ou vidraça do Brasil na 30ª edição da COP
A capital do Pará tem um ano e meio para mostrar-se vitrine ou vidraça do Brasil na 30ª edição da COP © Vivian Oswald / RFI
Publicidade

Vivian Oswald, correspondente da RFI em Belém

Tapumes confirmam que Belém está em obras. Mas preparar uma cidade para um evento internacional desta envergadura é tarefa que vai muito além de promover um punhado de benfeitorias. Significa transformação na infraestrutura, urbanização e limpeza.

Outro obstáculo de peso é criar acomodação suficiente e capacitar mão-de-obra para receber dezenas de milhares de forasteiros vindos do mundo todo. A cidade dispõe de 18 mil leitos, considerando-se toda a região metropolitana. Estima-se que os dias de maior movimento da COP30 exijam cerca de 50 mil. O desafio é imenso. E o tempo, escasso. Para uma Olimpíada, são cerca de sete anos de preparo. Para esta COP, terão sido pouco mais de dois, com o agravante de Belém ter algumas carências.

O governo do estado garante que vai haver COP e que será a melhor de todos os tempos. “Vai acontecer tudo aqui e vai ser uma COP maravilhosa. Estamos muito otimistas. Para nós, a COP já começou. Desde maio do ano passado estamos trabalhando no planejamento e na execução de ações concretas”, disse à RFI a vice-governadora Hana Ghassan.

Não é o que pensam os Belenenses. Muitos falam de obras superficiais e se queixam do sucateamento da cidade. A portas fechadas em Brasília, já se cogita um plano B, com a transferência de parte das reuniões para cidades como Rio, São Paulo e até a capital federal. Por via das dúvidas, aparentemente mais confiantes de que não haverá mudanças de planos, embaixadas estrangeiras estariam desde já alugando casarões para garantir que suas comitivas terão um lugar de qualidade para ficar em Belém durante a COP. Algumas até cogitam a compra de imóveis.

Desafio da hospedagem

A questão da hospedagem foi dos principais gargalos apontados por um estudo encomendado pelo governo do estado à Fundação Getúlio Vargas (FGV). A COP de Dubai, que bateu todos os recordes, recebeu 41 mil pessoas nos dois dias de pico, quando os chefes de Estado e suas comitivas estavam presentes. Por isso, trabalha-se com um número ainda maior do que este."A gente sabe que a Amazônia vai atrair muito mais gente. Não dá para falar de meio ambiente sem falar da Amazônia", disse a vice-governadora.

Não há tempo para construir hotéis para suprir o déficit, embora duas cadeias tenham se interessado por dois prédios antigos do governo federal para transformá-los em hospedagens de luxo. Um é o velho edifício do INSS, o outro, o da Receita Federal. Um deles pegou fogo há uns anos. Ainda não há sinal de obras para reaproveita-los.

Mas a maior cartada do estado é permitir a entrada de transatlânticos no porto de Belém. Só eles poderiam trazer a bordo de 10 a 11 mil leitos. Para recebê-los, no entanto, é preciso fazer obras no calado do porto para que possam passar.

Mas deixar navios gigantescos atracados por dias pode ser sinônimo de mais poluição do rio Guamá, um dos cartões postais da cidade. A vice-governadora garante, porém, que estão sendo trabalhadas alternativas menos poluentes.

“Estamos trabalhando com algumas soluções que não existem em nenhum portos da América do Sul para que a gente possa ligá-los na eletricidade quando aportarem aqui. Então estamos não apenas com questão da hospedagem, mas também do meio ambiente”, disse Hana Ghassan.

A cidade dispõe de 18 mil leitos, considerando-se toda a região metropolitana. Estima-se que os dias de maior movimento da COP30 exijam cerca de 50 mil. O desafio é imenso.
A cidade dispõe de 18 mil leitos, considerando-se toda a região metropolitana. Estima-se que os dias de maior movimento da COP30 exijam cerca de 50 mil. O desafio é imenso. © Vivian Oswald / RFI

O governo também aposta nos aluguéis de temporada. Um protocolo foi assinado com Airbnb no ano passado e já conseguiu dobrar o número de imóveis disponíveis na plataforma. Hoje, são 1.400 com capacidade para até seis pessoas cada. As autoridades também estão negociando com a plataforma Booking.

Mas isso não suficiente. Ainda é preciso preparar os condôminos. Muitos têm imóveis e não sabem como oferecê-los nas plataformas. Por isso, está sendo organizado trabalho de qualificação. As pessoas ainda têm que entender que isso gera renda para a capital e para os moradores de Belém. Outra alternativa para acomodação é usar a vila militar na cidade. Segundo Hana, as casas não precisam de grandes reformas. O custo seria pago pelo governo federal e seria um benefício que ficaria para a corporação após o evento. Mas o trabalho tampouco começou.

"Já fizemos contato com as forças armadas. Aqui todo mundo está muito engajado. Estão todos muito engajados para ofereceram vilas militares e áreas onde podem ser construídas estruturas temporárias, dentro de áreas militares que têm segurança e estão próximas do evento”, disse a vice-governadora.

Contexto político 

A COP de Belém é um projeto que vem sendo costurado pelo governador Helder Barbalho, do MDB, desde a COP27, em Sharm-El-Sheikh, em 2022, quando apresentou ao mundo seu Plano Estadual para a Bioeconomia, o primeiro de um estado brasileiro, o primeiro da América do Sul. Desde que assumiu o governo do estado em 2022, Barbalho tem apostado na sustentabilidade. A ideia é diversificar a produção, fazer a transição para um novo modelo econômico e torná-lo em 15 anos um "Estado Carbono Neutro”. Estudo recente do TNC, Natura e Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID, indica que a bioeconomia pode gerar receitas anuais de US$ 30 bilhões para o estado até 2040.

Eleito com 70% dos votos no primeiro turno, aos 44 anos Barbalho, que pertence a uma das famílias mais influentes na política do Pará, tem planos grandiosos para o estado e para si. Começou a carreira jovem. Foi vereador aos 21 anos e se tornou o deputado estadual mais votado do Pará aos 23, além de prefeito do município de Ananindeua, o segundo maior do estado, ainda aos 25. Também foi âncora de um programa de rádio na emissora da família.

A COP é grande vitrine — nacional e internacional — para ele e seu governo. Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também. É a confirmação da volta do Brasil ao cenário mundial como líder das grandes questões globais.

Vitrine do Brasil

A presidência brasileira da COP virá na sequência da presidência do G20, o grupo das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia e a União Africana. Ou seja, não é do interesse de ninguém que as coisas saiam erradas.

A candidatura de Belém teve o aval do governo federal desde o início. Antes mesmo de tomar posse como presidente, Lula foi convidado para participar da COP em Sharm El-Sheikh como membro da comitiva do governo do Pará. Dos R$ 4 bilhões que devem ser gastos para mudar a cara de Belém até o ano que vem, R$ 3 bilhões virão do governo federal. Mas se o arranjo político parece azeitado, a realidade se impõe. O entrosamento não tem sido suficiente para a necessária arrancada. 

Do apertado aeroporto, onde a confusão das esteiras de bagagens confirma que há muito a ser feito, até a chegada no bairro da Campina, no centro, o motorista de táxi Waltair aponta obras em parques e canais da cidade. Diz que são apenas maquiagem, enquanto mostra pilhas de entulho e lixo em várias ruas. Ele ecoa o que dizem seus colegas e os vendedores no tradicional mercado popular Ver-o-peso, que acham que a cidade pode passar vergonha.

Na bagunça organizada do mercado, com suas barracas repletas de restaurantes, produtos amazônicos e os peixes pescados na madrugada para a venda no local ou no resto do Brasil, também há certa descrença. O Ver-0-peso vai ser transferido para dois galpões próximos para que a área atual passe por reformas até a COP. É um dos atrativos turísticos da cidade. Outros dois mercados populares e parte da casario de arquitetura pombalina de Belém também devem ser renovados. As belas fachadas estão caindo aos pedaços.

Infraestrutura, urbanização e limpeza fazem parte dos desafios de Belém antes da realização da COP.
Infraestrutura, urbanização e limpeza fazem parte dos desafios de Belém antes da realização da COP. © Vivian Oswald / RFI

Parte dos atrasos no preparativos pode ter a ver com o cenário eleitoral em Belém que, em novembro, escolhe novo prefeito. Em baixa, o atual até gostaria de tirar uma casquinha das obras da COP. O que se diz é que, talvez por isso o governo do estado, que apoiaria outro candidato, ainda não tenha pisado no acelerador. O governador tem um candidato seu.

Nas duas semanas da COP, todos os holofotes internacionais estarão sobre o município de 1,3 milhão de habitantes que tem a sexta pior rede de saneamento do país, onde um em cada quatro moradores não tem acesso a água tratada e a maioria está fora da rede de esgoto. Além disso, paradoxalmente, a cidade amazônica, cercada de floresta, é a segunda menos arborizada do país. A segurança é outro item importante. A recomendação dos locais a quem anda pelas ruas de Belém é máxima atenção a assaltos. Desaconselham até curtas caminhadas pelo centro antigo, na área comercial, degradado durante o dia e deserto à noite.

A vice-governadora garante que a cidade estará pronta para além dos parques que estão sendo revitalizados. Fala de plano viário, com melhoria de vias com pavimentação, drenagem e sinalização. “Não apenas nos principais corredores, mas de muitas vias na nossa capital, o que inclui essa área lá do centro comercial”, diz.

Sobre o aeroporto, admite que hoje opera com apenas 50% da sua capacidade e precisa de adequações. Mas já há contatos com concessionária responsável pela sua gestão e com o governo federal para tentar antecipar o plano de investimentos previsto no leilão de concessão de modo que as obras estejam prontas no prazo.

"Dá tempo, porque, como eu falei, não envolve obras de construção e sim de readaptação, de realocação de horários de voos, porque hoje os voos chegam quase no mesmo horário”, afirmou a vice-governadora.

Hana lembra que não será a primeira vez que Belém verá forasteiros em quantidade e garante que a cidade não vai "colapsar". Por ocasião do Círio de Nazaré, grandiosa manifestação cultural, de fé e devoção à Nossa Senhora de Nazaré, que acontece há 200 anos, em outubro, a cidade recebe dois milhões de pessoas para eventos que vão de missas, a romarias e procissões religiosas. Mas o público do círio é bem diferente do que chegará para a COP30 em 2025.

"A grande diferença do Círio de Nazaré é que as pessoas se hospedam muito em casas de familiares, que é a cultura do Círio. Então o público é diferente do que vem para COP. Mas em termos de quantidade de pessoas circulando, eu sempre uso esse exemplo. Apesar do público ser diferente e de nós termos de trabalhar hospedagem de forma diferente, a cidade não colapsa. No Círio não falta internet, não falta alimentação”, destaca.

Não se trata apenas da estrutura. Espera-se que a COP30 na Amazônia avance no combate à mudança do clima. Para a cacique Watatakalu Yawalapiti, é preciso incluir as comunidades indígenas na discussão, mostrar como se faz economia dentro de uma aldeia sem precisar derrubar nenhuma árvore.

“Não dá mais para brincar com o nosso povo indígena. Nós não somos brinquedinhos, nós não somos bichinhos para ser mostrados para estrangeiro”, afirma ela, que é líder de 16 povos indígenas no Xingu à RFI.

O evento tem o desafio de mostrar que o Brasil tem condições de realizar uma COP na Amazônia, objeto de encantamento internacional pelo exotismo e pela urgência climática, e que a região tem condições de se desenvolver economicamente sem derrubar árvores, ao mesmo tempo em que garante qualidade de vida a sua comunidade diversa, com respeito ao conhecimento tradicional. Tudo isso no momento em que se comemoram dez anos do grande acordo do clima firmado em Paris em 2015. Se der errado, pode se tornar um grande tiro no pé.

Em novembro deste ano, na COP29 no Azerbaijão, os países devem ajustar metas e as necessidades de financiamento para a transição energética global. A expectativa é a de que o esforço seja bem maior do que se imaginava uma década atrás.

 

 

Os números do Pará

  • Território: 1.245.870,704 km²
  • População: 8,1 milhões
  • Produto Interno Bruto (PIB): R$ 262,9 bilhões, dos quais 34,1% correspondem à indústria mineração.
  • 5 cidades respondem por mais da metade do PIB: Paraupebas (18,9%), Canaã dos Carajás (13,3%), Belém (12,7%), Marabá (5,1%) e Barcarena (3,5%).
  • Menos da metade dos municípios são ligados à rede de água; menos 20%, à de esgoto.

Belém:

  • População: 1,30 milhão
  • Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,746, o maior do Pará.
  • A cidade tem a sexta pior rede de saneamento do Brasil. Um em cada 4 moradores não tem acesso à água tratada e a maioria não conta com o atendimento da rede de esgoto. O percentual de tratamento na cidade é de apenas 3,6% (4º pior entre as 100 cidades analisadas pelo mesmo estudo, que tiveram uma média de 63,30%). No país, o índice médio de tratamento é de 51,17%.

* Fontes: IBGE, Ranking do Saneamento 2023, do Instituto Trata Brasil e da consultoria GO Associados

 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.