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Reportagem

“Agricultura de quintal”: Pará busca alternativas de plantio mais sustentáveis

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Maior produtor de dendê do mundo, o Pará busca alternativas de expansão de cultivo que garantam boa reputação às centenas de milhares de toneladas de óleo de palma que exporta anualmente a partir da Amazônia. As palmeiras-de-dendê costumam ser plantadas em regime de monocultura e exigem cada vez mais espaço.

O policultivo também traz diversidade entre insetos bons e ruins. Reduz as chances de prejuízos como o da pimenta do passado. A chamada de produção solteira, ou monocultura, pode ser arrasada por um único tipo de praga.
O policultivo também traz diversidade entre insetos bons e ruins. Reduz as chances de prejuízos como o da pimenta do passado. A chamada de produção solteira, ou monocultura, pode ser arrasada por um único tipo de praga. © Vivian Oswald
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Vivian Oswald, enviada especial a Belém

No nordeste do estado, no entanto, pequenos agricultores resolveram apostar em novas técnicas de plantio mais sustentáveis dentro dos chamados sistemas agroflorestais (SAFs) para aumentar a produção. Eles funcionam como grandes quintais em que árvores e plantas de diferentes espécies — e ciclos de vida — convivem em um mesmo território. Esses sistemas representam uma saída para uma produção variada e a garantia de sustento da agricultura familiar o ano todo, sem que se precise avançar sobre outras áreas.

Os SAFs não são uma novidade na região. Mas estão sendo usados pela primeira vez com o dendê, após 15 anos de pesquisas comprovarem que não há perda de produtividade se plantado com outras culturas. A prática virou caso de sucesso que estará no receituário de boas práticas apresentadas à COP30 em Belém em novembro de 2025.

Na COP da floresta, como está sendo chamada essa edição da convenção do clima, que é a maior conferência das Nações Unidas, o Brasil quer mostrar que é possível manter atividades econômicas na Amazônia sem derrubar mais árvores. Tem feito o mesmo no G20, cuja presidência é brasileira até o final do ano.

Imigração japonesa na Amazônia

Sua história dessa prática se confunde com a da imigração japonesa na Amazônia. Quase 100 anos atrás, um grupo de cientistas japoneses desembarcava no estado do Pará com a missão de localizar áreas onde poderiam instalar colônias agrícolas. Foi assim que 42 famílias fincaram raízes em Tomé-Açu — cidade separada naquela época por dias de balsa da capital Belém e hoje a duas horas e cinquenta minutos de carro.

Foram muitas idas e vindas até que encontrassem, décadas depois, a equação que os permitisse viver do que plantavam no meio da floresta. A ideia original era produzir cacau, planta nativa amazônica, cujas variedades de cultivo e técnicas de plantio não dominavam. Deu errado. Depois veio a pimenta-do-reino, que eles próprios trouxeram da Ásia. A produção do que passou a ser chamado de "ouro negro da Amazônia" enriqueceu muitas famílias até ser dizimada por uma praga entre os anos 1960 e 1970. A persistência desses imigrantes levou-os a recorrer ao conhecimento tradicional dos povos ribeirinhos.

Em Belém, o especialista da Embrapa Osvaldo Kato explica o sistema agroflorestal a partir de uma pequena amostra que a entidade mantém para estudos no seu quintal amazônico. Ali, plantam cacau, bananas, andiroba e feijão. As bananeiras protegem com sombras o desenvolvimento dos cacauzeiros, o que os japoneses não sabiam que era necessário logo que chegaram ao Pará. Filho de Tomé-Açu, Kato cresceu observando as dificuldades dos agricultores locais antes de entrar para a Embrapa em 1979.

"A chave de tudo é um processo de diversificação. Na época, a preocupação estava mais na questão da produção mesmo. Até que se viram os quintais dos agricultores familiares, que era ao redor da casa. Isso tem na terra firme e entre os ribeirinhos. No caso de Tomé-Açu, por causa da viagem, a estrada até lá era o rio, a viagem mostrava paisagem. Foi isso o que despertou a atenção de algumas pessoas para esse processo diversificado de produção”, salienta Kato.

O que os ribeirinhos já faziam nos seus quintais e que até hoje os 170 membros da CAMTA (Cooperativa Mista de Tomé-Açu) replica é simples: combinam árvores frutíferas, ervas e hortaliças de tempos de vida diferentes. A policultura oferece colheita o ano inteiro para a venda e o consumo próprio. A mistura também é útil para manter a saúde do solo, o que significa que não é preciso mudar a plantação de lugar, muito menos cortar árvores, ou promover queimadas, para reacomodá-la.

Há mais de 200 combinações possíveis, de acordo com a Embrapa, que trabalha com a cooperativa em alguns projetos. A CAMTA usa várias. Os produtores escolhem o que plantam a partir das necessidades do mercado.

Parceria com indústria de cosméticos

Há 15 anos, desenvolveram com a Embrapa formas para se plantar dendê nos sistemas agroflorestais. O projeto começou de uma parceria com a Natura, grande consumidora do dendê para cosméticos que queria que a produção tivesse base orgânica com práticas agroecológicas. Ou seja, sem queimadas no processo. Imensas, essas árvores têm ciclos de 25 anos em média, ao final dos quais precisam ser derrubadas para dar lugar a novas. Como o solo demora a se recuperar, os produtores tinham de sair atrás de novas áreas, produzindo queimadas e, deixando para trás, as degradadas. Os restos agora são triturados e usados para fertilizar o solo, que acaba por se recuperar mais depressa.

Um dos primeiros fazendeiros a se lançar na corrida das SAFs do dendê, Ernesto Suzuki, de Tomé-Açu, não esconde o entusiasmo. Pelo mesmo sistema, antes do dendê já tinha pimenta e maracujá. Décadas depois da tragédia da pimenta-do-reino, o Pará voltou a ser o maior produtor do país.

“Estamos no 16° ano do SAF dendê. É notório o desenvolvimento das comunidades e a expansão dos sistemas na nossa região. No meio o ambiente onde se passou a estudar melhor essas combinações de várias espécies no mesmo espaço é que hoje temos consolidado um sistema de produção sustentável, com a sua importância social e econômica para a Amazônia", explica. "Isso tem gerado muitos empregos através da agroindústria, a partir da nossa cooperativa, bem como a sustentabilidade. Não só a subsistência dos agricultores, mas também a sua atividade. Com isso, estamos resolvendo as questões de êxodo rural e mantendo o homem no campo”, destaca Suzuki.

O policultivo também traz diversidade entre insetos e reduz as chances de prejuízos como o da pimenta do passado. A chamada de produção solteira, ou monocultura, pode ser arrasada por um único tipo de praga. Aliás, os próprios produtores começaram a instalar caixas de abelha no meio das SAFs. Além de acelerar a polinização, é nova fonte de renda.

Produtores começaram a instalar caixas de abelha no meio das SAFs. Além de acelerar a polinização, é nova fonte de renda.
Produtores começaram a instalar caixas de abelha no meio das SAFs. Além de acelerar a polinização, é nova fonte de renda. © Vivian Oswald

"Tivemos o preparo de área com a derrubada de áreas sem o conhecimento da tecnologia e sem o conhecimento do comportamento da nossa floresta. E hoje temos essa tecnologia onde não há necessidade de novas áreas de florestas para ser abertas. Muito pelo contrário, já temos áreas antropizadas. E que estamos cultivando nessas áreas já abertas e podemos tirar o sustento e a melhoria de vida das famílias no longo prazo”, diz Suzuki.

Base da culinária do Norte e Nordeste, no Brasil, o dendê também é importante para a produção de alimentos e cosméticos mundo afora, além da produção de biodiesel mais recentemente.

Entre os efeitos colaterais dos SAFs, a cooperativa conseguiu a certificação de procedência, de indicação geográfica, do cacau produzido no sistema agroflorestal de Tomé-Açu. É um selo de qualidade, que abre mercados para a marca Amazônia, e cria oportunidades para a agroindústria local.

Antigamente, só se pensava na madeira como subproduto possível. Daí a ideia de associarem espécies florestais ao cultivo. Mas os subprodutos ganharam importância, com é o caso da castanha, da andiroba, do cumaru e uma série de outras espécies que podem se inseridas dentro dos sistemas agroflorestais para agregar ainda mais valor a uma área fixa.

"Inclusive no caso de Tomé-Açu, um exemplo é o próprio Ernesto [Suzuki], que está tentando produzir coisas", aponta Osvaldo Kato, da Embrapa. "Ele está valorizando o SAF dendê. Está produzindo chocolate do cacau que está saindo dessa área e já usa essa origem desse cacau, fazendo licor de cacau. Essas coisas começam a ser trabalhadas um pouco mais, independente da coisa maior, de uma ação maior da cooperativa. Mas iniciativas das próprias famílias de fazer coisas mais atuais dentro da propriedade, específica para cada família. A tendência que ela tem para desenvolver determinado tipo de produto”, acrescenta.

A comunidade japonesa de Tomé-Açu enfrentou fome, doenças tropicais e a tragédia da Segunda Guerra Mundial. Com o Japão lutando no Eixo, os imigrantes passaram a ser vistos com desconfiança no Brasil. Muitos tiveram suas casas queimadas, foram alvo de violência. Durante o período da guerra foram mantidos isolados na região.

Hoje, além de auxiliar os seus associados, a cooperativa que já existe há muitas décadas também lidera iniciativas sociais como as escolas de ensino médio onde se aprende o japonês. Diz-se que daqui a dois anos, quando a imigração comemorar 100 anos, os festejos devem contar até com a presença do imperador japonês.

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