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Atentados/Sri Lanka

Atentados ameaçam frágil equilíbrio do Sri Lanka, um país marcado pela guerra civil

Depois de uma guerra civil (1983-2009) que teve saldo estimado de mais de 100 mil mortos, segundo a ONU, além de um tsunami em 2004 com mais de 30 mil vítimas fatais, o Sri Lanka parecia um país renascido das cinzas. O turismo florescente, apoiado em um cenário exuberante, era o motor mais importante de um país exaurido. E eis que um sangrento ataque, em pleno domingo (21) de Páscoa, põe a perder o frágil equilíbrio da pequena ilha.

Igreja de São Sebastião, em Negombo, Sri Lanka (22/04/2019).
Igreja de São Sebastião, em Negombo, Sri Lanka (22/04/2019). REUTERS/Athit Perawongmetha
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Uma série de explosões suicidas em igrejas católicas e hotéis de luxo em Colombo, capital econômica do país e outras duas cidades já deixou pelo menos 290 mortos e 500 feridos, de acordo com um novo balanço divulgados pelas autoridades nesta segunda-feira (22).

A questão etno-religiosa foi o estopim da guerra civil que terminou há dez anos, opondo a maioria cingalesa, de religião budista, contra os de origem tamul, praticantes do hinduísmo. Segundo o censo de 2011, 70,2% da população são budistas, 12,6% praticam o hinduísmo, 9,7% são muçulmanos (principalmente sunitas) e 7,4% são cristãos (6,1% de católicos).

Os ataques ainda não foram reivindicados, mas as autoridades declararam nesta segunda-feira (22), que o National Thowheeth Jama’ath, ligado ao movimento jihadista global, estaria por trás dos ataques. O grupo é anti-budismo e responsável por atos de vandalismo contra estátuas budistas.

Igreja de Santo Antônio, em Colombo (22/04/19).
Igreja de Santo Antônio, em Colombo (22/04/19). REUTERS/Athit Perawongmetha

Ataque inédito contra os católicos

Mas por que um atentado contra os cristãos? “A Igreja Católica nunca foi atacada antes, já as novas igrejas protestantes sofrem muita objeção por parte dos budistas”, explicou à RFI o consultor Nishan de Mel, à frente de um think tank baseado em Colombo. “Foi um ataque muito diferente”, acrescenta.

“Tudo leva a crer que os atentados tiveram como alvo a comunidade cristã do Sri Lanka e os hotéis frequentados por estrangeiros em Colombo”, diz o pesquisador alemão Gerrit Kurtz, pesquisador e especialista em Sri Lanka. “Eu vejo dois objetivos: primeiramente, destacar novamente as diferenças entre os grupos étnico-religiosos e, em seguida, atingir as fontes de renda do país, como os hotéis turísticos”, acrescenta.

Hotel Shangri-La, em Colombo (21/04/2019).
Hotel Shangri-La, em Colombo (21/04/2019). REUTERS/Dinuka Liyanawatte

“No imaginário coletivo, com todas as imagens que vemos pelo mundo, o terrorismo é facilmente ligado ao islamismo, e há riscos de generalização”, alerta Selon Madavan, pesquisador no Centro de Estudos da Índia e sul da Ásia, em Paris. Ele também teme a manipulação de informações por parte de grupos integristas budistas, o que pode gerar insegurança e violência. “É preciso evitar esses contágios, que podem ter consequências dramáticas”, diz o especialista.  

O governo srilankês anunciou no domingo (21) o bloqueio temporário das redes sociais para impedir a difusão de “informações incorretas ou falsas” sobre os ataques.

Minorias perseguidas

O New York Times aponta para um recrudescimento da violência contra minorias étnico-religiosas por governos nacionalistas em vários países do sul e sudeste asiático.

Na Índia, lembra o jornal americano, o governo hindu de direita explora a fé em busca de votos, gerando temores de violência contra os muçulmanos. Em Miamar, os generais budistas organizaram uma sangrenta limpeza étnica contra a minoria muçulmana Rohingya. Na Indonésia e Bangladesh, políticos muçulmanos tradicionalmente moderados estão adotando linhas mais duras para atrair eleitores conservadores.

Apesar da ampla maioria, os nacionalistas cingaleses vêm recentemente instigando o temor de que as minorias, principalmente os muçulmanos, estariam crescendo em número e influência.

Guerra Civil

Cerca de 22 milhões de pessoas vivem no Sri Lanka, ilha de 65 mil km² ao sul da Índia. A região é um dos pilares do Theravada, ramificação mais antiga do budismo existente hoje.

Centenas de reinados se sucederam antes da chegada dos europeus da era das grandes navegações. Os portugueses controlavam grande parte da ilha entre 1597 e 1658. Foram os lusitanos que deram à região o nome de Ceilão. Depois foi a vez dos holandeses, seguido dos britânicos. A independência veio em 1948.

Plantação de chá no Sri Lanka (03/19).
Plantação de chá no Sri Lanka (03/19). Foto: Patricia Moribe

Os britânicos introduziram a cultura do chá, que até hoje é um dos principais produtos de exportação do Sri Lanka. Mas os colonizadores também favoreceram durante muito tempo a minoria Tâmil do norte, provocando ressentimento por parte dos cingaleses budistas, que, no poder, retaliaram ao conseguir revogar o direito de voto da minoria durante décadas.

Nos anos 1980, a guerra civil explode. Surgem os Tigres do Tamil, um grupo rebelde que se diz secular, pioneiros na estratégia de ataques suicidas com bomba como tática de guerra. O exército srilankês responde com campanhas sangrentas, principalmente no norte do país, onde se concentra a minoria Tamil.

Corpos de civis da etnia Tamil após um ataque com morteiro (12/05/2009), no norte do Sri Lanka.
Corpos de civis da etnia Tamil após um ataque com morteiro (12/05/2009), no norte do Sri Lanka. Reuters/www.Tamilnet.com

A guerra civil teve fim em 2009, após uma operação militar em larga escala, que derrotou os Tigres do Tamil. Não se sabe exatamente quantas pessoas morreram no período; a ONU estima em mais de 100 mil o número de vítimas fatais entre 1972 e 2009.

Nos últimos dez anos, os episódios de conflitos violentos, principalmente entre budistas e muçulmanos vêm aumentando.

Turismo ameaçado

Mais de 2,3 milhões de turistas visitaram o Sri Lanka em 2018, um aumento de 10,3% em relação a 2017. O guia Lonely Planet elegeu o Sri Lanka como o melhor lugar do mundo para se visitar em 2019.

O ministério das Relações Exteriores da França pede aos turistas no Sri Lanka prudência e respeito ao toque de recolher em vigor. Linhas telefônicas especiais foram colocadas à disposição para esclarecer dúvidas dos que já estão no Sri Lanka ou que têm viagem marcada em breve.

O governo britânico tomou as mesmas medidas e recomenda em seu site que os turistas “diminuam seus deslocamentos” até a suspensão do “toque de recolher” e sigam as instruções das autoridades locais.

Algumas companhias de viagem também sugerem que os viajantes adiem a partida, se possível.

Praia em Wadduwa, perto de Colombo, no Sri Lanka.
Praia em Wadduwa, perto de Colombo, no Sri Lanka. Foto: Patricia Moribe

Tsunami

No dia 26 de dezembro de 2004, um maremoto de potência 9.1 atingiu a costa da Sumatra, no arquipélago indonésio. Em sete horas, um tsunami avançou pelo Oceano Índico, atingindo o litoral de 14 países, incluindo o Sri Lanka, deixando uma trilha de devastação até o leste da África.

No Sri Lanka, estima-se que mais de 30 mil pessoas morreram por causa do tsunami. Um trem litorâneo lotado foi atingido por uma onda gigantesca. Cerca de 1.700 pessoas morreram no acidente, considerado o mais grave da história ferroviária internacional.

Estátua de Buda, Sri Lanka, março de 2019.
Estátua de Buda, Sri Lanka, março de 2019. Foto: Patricia Moribe

 

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