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Ataque/Nova Zelândia

“Suprematismo branco é câncer da Nova Zelândia”, diz especialista em segurança

Paul Buchanan, especialista norte-americano em segurança e relações internacionais, analisou em entrevista à RFI o contexto do ataque desta sexta-feira (15) na cidade de Christchurch, na Nova Zelândia, que deixou pelo menos 49 mortos. Ele revela os bastidores de um país onde agressões a imigrantes são comuns nas ruas.

Para Paul Buchanan, o surpreendente é a amplitude do ataque, além do número de mortos e feridos em Christchurch, na Nova Zelândia, em 15 de março de 2019.
Para Paul Buchanan, o surpreendente é a amplitude do ataque, além do número de mortos e feridos em Christchurch, na Nova Zelândia, em 15 de março de 2019. REUTERS/SNPA/Martin Hunter
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RFI: Você está surpreso pelo que aconteceu hoje Nova Zelândia?

Paul Buchanan: O que é surpreendente é a amplitude do ataque, o número de mortos e feridos, porque é muito difícil conseguir o tipo de armas de destruição massiva que este indivíduo utilizou quando cometeu essas atrocidades. Isso será objeto de uma investigação. Mas a cidade conhece a violência suprematista branca, uma violência habitualmente de nível baixo, pessoas que atacam imigrantes nas ruas, com socos e pontapés, utilizando às vezes objetos contundentes. Mas nada neste nível que vimos hoje, existe muita islamofobia na Nova Zelândia. Então, isso não é surpreendente, mas a magnitude do ataque é algo sem precedentes na história do país.

RFI: Como você explica o fato de um dos agressores ser australiano?

Paul Buchanan: Seria um erro colocar a culpa nos australianos, coisa que as pessoas já começaram a fazer aqui. Este indivíduo nasceu na Austrália, mas foi educado na Nova Zelândia, em Christchurch. Seu ódio nasceu aqui e ele não está sozinho. Três outras pessoas foram presas hoje, suspeitas de serem seus cúmplices. Os serviços de segurança suspeitam que ele faça parte de um violento círculo expandido de suprematistas brancos, que prevê perpetrar novos ataques. Então, este ato poderia ser o primeiro de uma série. Esperemos que não, mas a polícia deve investigar neste sentido. Existem redes sociais violentas, de extrema direita, que parecem ter desempenhado um papel importante em sua radicalização. Ele apareceu em plataformas muito conhecidas no dia e nas semanas precedentes aos ataques, e, em resumo, ele admitia estar preparando um atentado. Ele se radicalizou, se transformou em neonazista de duas maneiras: primeiro, por internet, e a plataforma que ele utilizava era a mesma do atirador da sinagoga de Pittsburgh, nos Estados Unidos, no ano passado. Depois ele foi à Europa, em 2017, e isso o deixou furioso, ele falava da tomada da Europa pelos muçulmanos, inclusive a França. Essas são as duas coisas que o radicalizaram. Tive, infelizmente, que olhar as imagens de seu massacre, que ele filmou e transmitiu ao vivo, e pessoas do mundo inteiro o felicitavam enquanto ele cometia essas atrocidades. É triste dizer isso, mas, mesmo se a Nova Zelândia é reputada por ser um lugar calmo, existe um câncer nesse país, e não é o jihadismo, é a supremacia branca.

RFI: O suprematista branco era vigiado pelo governo neozelandês?

Paul Buchanan: Infelizmente não. Desde o 11 de setembro, os serviços de Inteligência neozelandeses se concentraram na detecção e prevenção do jihadismo local. Dado os seus recursos limitados, eles se concentraram na comunidade que foi atingida hoje. Eles não se concentraram, e isso foi minimizado, na ameaça muito real do suprematismo branco. Existem vários grupos na Nova Zelândia, em Christchurch, e seus arredores. Alguém não fez seu trabalho direito, de vigiar os extremistas de direita, e hoje, pagamos o preço.

RFI: Por que essa presença de suprematistas na Nova Zelândia, um pequeno país, de menos de 100 milhões de habitantes?

Paul Buchanan: Existem muitas razões. É a mesma coisa com jihadistas. São pessoas muito frustradas, com, normalmente, pouca educação, que têm a impressão que a sociedade os abandonou. Eles procuram bodes expiatórios. Negros, imigrantes, pessoas que não são como os neozelandeses de origem escocesa ou inglesa. A origem econômica e social do extremismo da extrema direita não é tão diferente do extremismo islamista ou de outras religiões. Muitos desses indivíduos em Christchurch e arredores vivem uma situação econômica difícil, e ficou pior depois do terremoto. A Nova Zelândia reconstruiu muito lentamente a cidade, se você trabalha na indústria civil, tudo bem, senão você fica desempregado. O foco dos serviços de inteligência no Islã lhes impediu de ver que o ponto comum que os suprematistas brancos compartilham com os futuros jihadistas não é religioso, mas socioeconômico, com tendência à violência.  Sejamos claros, este indivíduo mostrava tendências problemáticas nas redes sociais, que participaram à sua radicalização, as autoridades terão que investigar isso com seriedade. Porque o nível de ódio que vi hoje, ao vivo, neste canal de extrema direita, foi verdadeiramente alarmante. Chegamos a um momento-chave de nossa história. Sempre pensamos que nada grave poderia nos fazer mal. Acredito que devemos todos refletir sobre a maneira que hierarquizamos as ameaças em volta e não permitir a nossos preconceitos e questões políticas de interferir em nossa objetividade. Sejamos claros, no Ocidente, a capacidade de identificar ataques islâmicos permite a acumulação de capital político. Não é a mesma coisa quando se identifica ameaças vindas do suprematismo branco. Acho que chegou a hora de reavaliar isso tudo.  

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