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Índia/Linchamento

Boatos espalhados pelo whatsapp provocam violento linchamento de jovens na Índia

Em um vídeo filmado à noite com um celular, dois homens ensanguentados imploram por suas vidas. O passeio no campo de Nilotpal Das e seu amigo Abhijeet Nath se transformou em horror quando esses jovens indianos de classe média morreram linchados, vítimas de um boato falso na internet.

A chegada de smartphones nas áreas mais remotas da Índia, graças às taxas de internet entre as mais baixas do planeta, permite uma disseminação desenfreada de boatos.
A chegada de smartphones nas áreas mais remotas da Índia, graças às taxas de internet entre as mais baixas do planeta, permite uma disseminação desenfreada de boatos. Pixabay
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Na pequena casa dos pais de Nilotpal em Guwahati, capital do estado de Assam (nordeste da Índia), o móvel da TV se transformou em um memorial, dedicado a seu filho, um jovem engenheiro de som. Seus retratos resgatam a memória de um jovem cosmopolita e extrovertido, com longos dreadlocks. Quando desapareceu, Nilotpal tinha acabado de celebrar seu 29º aniversário.

Vestido com uma túnica branca de luto, o aposentado Gopal Chandra Das mantém os olhos no chão quando fala sobre seu filho desaparecido. "As redes sociais podem ser boas para a sociedade, mas também podem nos prejudicar", diz ele, intercalando suas frases com longos silêncios.

Tal como aconteceu com os dois amigos de Assam, rumores que viralizaram no Facebook e no WhatsApp sobre a alegada presença de sequestradores tiraram a vida de 20 pessoas em linchamentos de multidões em toda a Índia nos últimos dois meses, de acordo com uma contagem de mídia local.

Aldeia deserta

No dia 8 de junho, no final da manhã, Nilotpal e Abhijeet, um empresário de 30 anos, partem em uma excursão em uma pick up 4x4 no distrito de Karbi Anglong, a cerca de três horas de carro de Guwahati. As cachoeiras são uma atração turística regional. Nilotpal "gostava de ouvir os sons da natureza para encontrar inspiração para sua música", diz seu pai.

Mas eles não sabem que "rumores" sobre traficantes de crianças têm viralizado nas redes sociais durante vários dias. Nesta área isolada e desfavorecida, com raras fontes de informação, as redes sociais agem como o boca-a-boca moderno. Seu conteúdo é frequentemente tomado como certeza absoluta.

À medida que o dia passa, os dois turistas se refrescam na beira de um riacho. Um aldeão se aproxima deles, uma discussão ocorre - a causa é desconhecida. Perseguidos, os jovens fogem com pressa. Mas o indivíduo que os perseguia avisou o vilarejo seguinte, Panjuri Kachari, localizado a três quilômetros de distância.

"Ele disse que os homens tinham sequestrado uma criança e que eles tinham chegado em nosso vilarejo, que era necessários lhes interceptar", relata Gulshan Daolagupu, divisional vice-comissário de Karbi Anglong, mostrando o local onde o carro preto foi parado em uma estrada secundária. Lascas de vidro ainda se encontram espalhadas na terra molhada pela monção.

O vidro dianteiro pulverizado, o capô folha de metal deformado, equipamentos saqueados, assentos estripados: o estado da pick up 4x4 reflete a selvageria do ataque com varas de bambu, pedras e foices, executado por uma multidão histérica. Convencidos de estarem matando os sequestradores mencionados nos dias anteriores em grupos de WhatsApp, os participantes transmitiram vídeos on-line do assassinato, com imagens que chocaram toda a Índia.

“Se as redes sociais não existissem, isso nunca teria acontecido”

A investigação busca determinar se o suspeito na origem do caso, um taxista de 35 anos, realmente acreditava lidar com seqüestradores ou se explorava esse rumor para fins perniciosos. Cerca de cinquenta pessoas se encontram detidas por causa do linchamento.

"Se as redes sociais não existissem", disse Siva Prasad, chefe de polícia de Karbi Anglong, "tudo isso nunca teria acontecido". "Dada a velocidade com que os rumores se espalham, ninguém pode controlá-los, está indo na velocidade da luz!", lamentou.

Um mês depois dos acontecimentos, a aldeia de Panjuri Kachari se encontra quase deserta. Apenas algumas mulheres, crianças e idosos continuam no local. Os homens estão atrás das grades ou em fuga. Devido à falta de mão de obra para cultivá-los, os campos de arroz, principal fonte de renda da região, estão cheios de ervas daninhas.

Medo do “Outro”

Os linchamentos causados por informações infundadas ou mal-intencionadas não são um fenômeno recente. No entanto, a chegada de smartphones nas áreas mais remotas da Índia, graças às taxas de internet entre as mais baixas do planeta, permite uma disseminação desenfreada de "notícias falsas".

Para chegar a ponto de matar, esses rumores devem, no entanto, ser contexutalizados em tensões sociais ou políticas existentes. Aos olhos do pesquisador Abdul Kalam Azad, o linchamento de Karbi Anglong se encaixa no contexto particular de Assam, um mosaico de etnias regularmente abaladas por confrontos inter-comunitários. As diferentes partes, diz ele, alimentam ali um "medo do Outro" que oferece um terreno fértil para a paranoia.

"Assam conhece a violência de muito tempo. Nessa situação de conflito, a 'notícia falsa' se torna mais perigosa, mais violenta, e é flagrante agora", disse o especialista na região.

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