"Cura gay": Sociólogo francês alerta para mistura perigosa entre religião e ciência
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A aprovação, pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, de um projeto de decreto legislativo para trazer de volta ao Brasil a cura do homossexualismo levanta o debate sobre o uso crescente da ciência pela religião. Essa é a opinião do sociólogo Eric Fassin, um dos mais respeitados estudiosos das questões de gênero na França.
Fassin percebe que, seja na Europa ou nos Estados Unidos, as religões têm procurado explicar cada vez mais o homossexualismo através da ciência, argumento que pode ser mais convincente do que o religioso. "O que me parece interessante é que hoje a religião não fala a linguagem da religião: ela fala a linguagem da medicina. Significa que, ao falar em cura, em psicologia, há uma maneira de recuperar o saber médico que é também uma maneira de esconder a influência religiosa”, explica o sociólogo, pesquisador do Instituto de Pesquisas Interdisciplinares sobre Questões Sociais, que reúne os mais renomados centros de estudos franceses da área. “Ou seja, são avanços escondidos. A maneira como o debate é apresentado é através da psicologia, da medicina, o saber. Mas na verdade não se trata disso: se trata de religião."
O sociólogo observa que na França, um dos principais opositores ao casamento entre homossexuais, nas recentes polêmicas sobre a questão, se exprimia como psicólogo, mas na verdade era um católico fervoroso. Fassin acha que o estímulo às contradições entre os psicólogos sobre o homossexualismo é a nova estratégia das religiões para atrair fiéis. “Ficamos com a impressão de que há uma divisão entre os psicólogos. É isso mesmo ou é apenas uma maneira de as igrejas apreenderem profissões, como a psicologia, a psicanálise ou a medicina, e dar a impressão de que a ciência não tem apenas uma palavra?”, questiona.
O estudioso, autor de obras como "Liberté, Egalité, Sexualités", considera que, na ciência, a própria busca pelas razões da homossexualidade de alguém já significa perceber essa pessoa como alguém que tem um problema. “Se consideramos que o homossexualismo é um problema, vamos querer procurar saber por que algumas pessoas vêm ao mundo homossexuais. Mas ninguém procura saber por que há pessoas que nascem heterossexuais.”
Sobre a questão brasileira, o advogado Paulo Iotti, defensor da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transsexuais, acha que as chances de o projeto de decreto da chamada "cura gay" entrar em vigor são mínimas. Antes de ir para a votação no plenário da Câmara e do Senado, o texto ainda precisaria ser aprovado por duas outras comissões. Mas para Iotti, o projeto não passará sequer pela primeira delas, o da Seguridade Social.
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