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Saúde

A moda dos jejuns: até onde deixar de comer é benéfico para o organismo?

Esqueça as dietas mirabolantes e milagrosas da moda. Os franceses vêm se interessando nos últimos anos por um método muito mais radical que preocupa os médicos, mas que, segundo os adeptos, traz resultados importantes para o emagrecimento e a desintoxicação do organismo: os jejuns. Mas será que a estratégia é mesmo saudável? A RFI conversou com profissionais e praticantes do jejum.

Franceses aderem cada vez mais à moda do jejum para emagrecer.
Franceses aderem cada vez mais à moda do jejum para emagrecer. Pixabay
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Jejuar não é uma novidade. A prática é tradicional e milenar entre várias religiões. Para os católicos, o método é utilizado sobretudo na Quaresma, período de penitência que antecede a Páscoa. Entretanto, o jejum tem um sentido diferente para os fiéis, que é demonstrar sua devoção pela crença que seguem, com o objetivo da elevação espiritual.

No entanto, muito além da religião, o jejum vem sendo praticado na Europa para emagrecer ou purificar o organismo. Essa moda “detox” vem conquistando os franceses e, na internet, multiplicam-se as páginas e textos não-científicos sobre os poderes do “jeûne”, como o jejum é chamado na França.

On-line, os praticantes explicam que diversos tipos de jejuns podem ser realizados, variando o número de horas, dias e de calorias consumidas. Afinal, nem sempre o jejum é completo: entre os mais populares, estão os que estabelecem a ingestão de 200 a 800 calorias diárias. Outros a ausência de qualquer alimento durante 16 horas todos os dias, não se alimentando à noite e evitando o café da manhã. Os mais radicais são os que permitem apenas a ingestão de água de 24 horas a até uma semana.

Em comum entre todos eles, a promessa da limpeza do organismo e do rápido emagrecimento. Diversos depoimentos detalham na internet o sucesso das experiências.

O grafista francês Stéphane Vogel se rendeu por acaso ao método, depois de assistir a documentários sobre o assunto. Ele pratica o jejum de 24 horas, geralmente aos fins de semana - uma estratégia à qual tem recorrido há cerca de seis meses e que, segundo ele, lhe convém. “Depois de jejuar, tenho uma sensação de bem-estar, meu humor melhora, me sinto mais sereno e tranquilo. Mas nunca pesquisei além disso ou procurei um profissional. Talvez seja um efeito placebo, mas até o momento, sinto que é positivo para mim”, conta.

A moda do jejum vai muito além da internet ou de reportagens e documentários na televisão. A França conta com uma Federação de Jejum e Trilhas, que reúne instituições que realizam eventos focados no jejum. Geralmente aliam exercícios físicos, caminhadas e trilhas, à privação de alimentos sólidos. A atividade pode durar vários dias e conquista cada vez mais fãs.

Maioria dos profissionais é cética

Do lado dos profissionais da saúde, há ceticismo sobre os benefícios, além de uma forte preocupação sobre o que consideram uma agressão ao organismo. Boa parte dos nutricionistas defende, por exemplo, que uma alimentação equilibrada e uma higiene de vida correta valem mais do que dietas ou jejuns milagrosos.

A naturopata franco-brasileira Rafaela Tillier reconhece, no entanto, que a alimentação dos indivíduos vem a cada dia piorando. Por isso, ela compreende a vontade de desintoxicar o corpo e a grande tentação diante de tantos conselhos e receitas facilmente acessíveis on-line.

Contudo, a especialista salienta os perigos de investir em uma experiência radical sem acompanhamento profissional. Segundo ela, apenas a privação de alimentos sem uma boa preparação, ou inserida em um cotidiano de stress e trabalho, mais agridem o organismo que trazem benefícios.

“Imagine fazer um jejum de 24 horas, enfrentar o metrô lotado, trabalhar um dia inteiro em um ambiente pesado, voltar para casa cansado e não poder se alimentar… Definitivamente, essa experiência não pode ser positiva”, avalia.

Além disso, ela alerta que os detox devem ser feitos em estações específicas: no outono - para preparar o corpo para o inverno – e na primavera, quando o organismo precisa se fortalecer e eliminar os excessos do inverno. A naturopata não recomenda especialmente que jejuns sejam feitos durante períodos de baixas temperaturas, quando o corpo já está fragilizado por fatores externos.

De acordo com Rafaela Tillier, outros tipos de métodos para o detox e o emagrecimento podem ser realizados de forma mais saudável e menos agressiva, como a monodieta, por exemplo. O método consiste na ingestão de um determinado alimento – geralmente frutas ou legumes - durante um certo período.

Mas – alerta - até mesmo para esse tipo de dieta é preciso a preparação do organismo, com a eliminação gradativa de alimentos dias antes de começá-la e o auxílio de líquidos para a eliminação de toxinas, a proteção do fígado e o repouso do sistema digestivo. Sem falar na volta à alimentação normal após uma dieta, que também precisa de cuidados específicos.

“Não é saudável simplesmente deixar de comer durante algumas horas ou um dia inteiro: isso servirá apenas para agredir o corpo. Cada pessoa pode reagir diferente. Dependendo do estado do organismo, é possível sofrer hipoglicemia, dores de cabeça, cansaço extremo, diarreias ou simplesmente não se obter nenhum benefício de um esforço que é extremo”, salienta.

Quando o jejum pode ser perigoso

A nutricionista francesa Alexandra Dalu não esconde sua preferência por métodos de restrições de calorias ao invés de jejuns. Muito mais grave, a privação de alimentos pode ser perigosa para diabéticos, para quem sofre de problemas cardíacos, crianças e adolescentes em idade de crescimento, idosos, grávidas ou mulheres que estão amamentando.

Outro perigo apontado pela especialista é a prática de esportes em jejum: “uma aberração”, classifica. “Não apenas hipoglicemia e desmaios, podemos ter até mesmo problemas cardíacos. Quando nos exercitamos, é importantíssimo beber muita água com sais minerais e, sobretudo, ingerirmos alimentos ricos em proteína”, afirma.

Sobre o que chama de “fenômenos da moda”, Alexandra Dalu escreveu o livro "Les 100 idées reçues qui vous empêchent d'aller bien (“100 ideias incorretas que impedem você de estar bem", tradução livre). Na obra, a nutricionista desmistifica informações sobre alimentação e saúde, como os perigos do glúten, a inocuidade das bebidas light, a necessidade dos esportistas de consumir carboidratos, e, claro, a perda de peso saudável com a prática do jejum.

“Claro que, se você não comer durante vários dias vai emagrecer. Mas também vai perder músculo, eliminar a água e os sais minerais do organismo. E, depois, quando você voltar a se alimentar, tudo vai voltar ao normal ou até mesmo piorar. Afinal, todos nós conhecemos hoje o efeito ioiô das dietas radicais”, ressalta.

Para a nutricionista, a melhor fórmula para entrar em forma de maneira saudável é comer menos e melhor. Para quem deseja fazer um detox, ela aconselha, por exemplo, um regime hipocalórico, com refeições baseadas na ingestão de proteínas e vitaminas - basicamente frutas, legumes e peixe magro – tudo em pequenas quantidades, especialmente durante a noite, além de muita água e nada de açúcar.

Alexandra Dalu é abertamente contra o jejum total. “Se você não comer nada, seu corpo vai entrar em estado de estresse, com liberação de adrenalina, produção de toxinas, aumento da pressão arterial e da tensão muscular – exatamente o contrário do que se busca com o detox”. Por isso, para a especialista, seja para emagrecer ou limpar o corpo, é fundamental “não perder a razão e, principalmente, respeitar seu organismo”.

Livro da nutricionista francesa Alexandra Dalu, "100 ideias incorretas que impedem você de estar bem" (tradução livre).
Livro da nutricionista francesa Alexandra Dalu, "100 ideias incorretas que impedem você de estar bem" (tradução livre). DR

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