A moda dos jejuns: até onde deixar de comer é benéfico para o organismo?
Esqueça as dietas mirabolantes e milagrosas da moda. Os franceses vêm se interessando nos últimos anos por um método muito mais radical que preocupa os médicos, mas que, segundo os adeptos, traz resultados importantes para o emagrecimento e a desintoxicação do organismo: os jejuns. Mas será que a estratégia é mesmo saudável? A RFI conversou com profissionais e praticantes do jejum.
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Jejuar não é uma novidade. A prática é tradicional e milenar entre várias religiões. Para os católicos, o método é utilizado sobretudo na Quaresma, período de penitência que antecede a Páscoa. Entretanto, o jejum tem um sentido diferente para os fiéis, que é demonstrar sua devoção pela crença que seguem, com o objetivo da elevação espiritual.
No entanto, muito além da religião, o jejum vem sendo praticado na Europa para emagrecer ou purificar o organismo. Essa moda “detox” vem conquistando os franceses e, na internet, multiplicam-se as páginas e textos não-científicos sobre os poderes do “jeûne”, como o jejum é chamado na França.
On-line, os praticantes explicam que diversos tipos de jejuns podem ser realizados, variando o número de horas, dias e de calorias consumidas. Afinal, nem sempre o jejum é completo: entre os mais populares, estão os que estabelecem a ingestão de 200 a 800 calorias diárias. Outros a ausência de qualquer alimento durante 16 horas todos os dias, não se alimentando à noite e evitando o café da manhã. Os mais radicais são os que permitem apenas a ingestão de água de 24 horas a até uma semana.
Em comum entre todos eles, a promessa da limpeza do organismo e do rápido emagrecimento. Diversos depoimentos detalham na internet o sucesso das experiências.
O grafista francês Stéphane Vogel se rendeu por acaso ao método, depois de assistir a documentários sobre o assunto. Ele pratica o jejum de 24 horas, geralmente aos fins de semana - uma estratégia à qual tem recorrido há cerca de seis meses e que, segundo ele, lhe convém. “Depois de jejuar, tenho uma sensação de bem-estar, meu humor melhora, me sinto mais sereno e tranquilo. Mas nunca pesquisei além disso ou procurei um profissional. Talvez seja um efeito placebo, mas até o momento, sinto que é positivo para mim”, conta.
A moda do jejum vai muito além da internet ou de reportagens e documentários na televisão. A França conta com uma Federação de Jejum e Trilhas, que reúne instituições que realizam eventos focados no jejum. Geralmente aliam exercícios físicos, caminhadas e trilhas, à privação de alimentos sólidos. A atividade pode durar vários dias e conquista cada vez mais fãs.
Maioria dos profissionais é cética
Do lado dos profissionais da saúde, há ceticismo sobre os benefícios, além de uma forte preocupação sobre o que consideram uma agressão ao organismo. Boa parte dos nutricionistas defende, por exemplo, que uma alimentação equilibrada e uma higiene de vida correta valem mais do que dietas ou jejuns milagrosos.
A naturopata franco-brasileira Rafaela Tillier reconhece, no entanto, que a alimentação dos indivíduos vem a cada dia piorando. Por isso, ela compreende a vontade de desintoxicar o corpo e a grande tentação diante de tantos conselhos e receitas facilmente acessíveis on-line.
Contudo, a especialista salienta os perigos de investir em uma experiência radical sem acompanhamento profissional. Segundo ela, apenas a privação de alimentos sem uma boa preparação, ou inserida em um cotidiano de stress e trabalho, mais agridem o organismo que trazem benefícios.
“Imagine fazer um jejum de 24 horas, enfrentar o metrô lotado, trabalhar um dia inteiro em um ambiente pesado, voltar para casa cansado e não poder se alimentar… Definitivamente, essa experiência não pode ser positiva”, avalia.
Além disso, ela alerta que os detox devem ser feitos em estações específicas: no outono - para preparar o corpo para o inverno – e na primavera, quando o organismo precisa se fortalecer e eliminar os excessos do inverno. A naturopata não recomenda especialmente que jejuns sejam feitos durante períodos de baixas temperaturas, quando o corpo já está fragilizado por fatores externos.
De acordo com Rafaela Tillier, outros tipos de métodos para o detox e o emagrecimento podem ser realizados de forma mais saudável e menos agressiva, como a monodieta, por exemplo. O método consiste na ingestão de um determinado alimento – geralmente frutas ou legumes - durante um certo período.
Mas – alerta - até mesmo para esse tipo de dieta é preciso a preparação do organismo, com a eliminação gradativa de alimentos dias antes de começá-la e o auxílio de líquidos para a eliminação de toxinas, a proteção do fígado e o repouso do sistema digestivo. Sem falar na volta à alimentação normal após uma dieta, que também precisa de cuidados específicos.
“Não é saudável simplesmente deixar de comer durante algumas horas ou um dia inteiro: isso servirá apenas para agredir o corpo. Cada pessoa pode reagir diferente. Dependendo do estado do organismo, é possível sofrer hipoglicemia, dores de cabeça, cansaço extremo, diarreias ou simplesmente não se obter nenhum benefício de um esforço que é extremo”, salienta.
Quando o jejum pode ser perigoso
A nutricionista francesa Alexandra Dalu não esconde sua preferência por métodos de restrições de calorias ao invés de jejuns. Muito mais grave, a privação de alimentos pode ser perigosa para diabéticos, para quem sofre de problemas cardíacos, crianças e adolescentes em idade de crescimento, idosos, grávidas ou mulheres que estão amamentando.
Outro perigo apontado pela especialista é a prática de esportes em jejum: “uma aberração”, classifica. “Não apenas hipoglicemia e desmaios, podemos ter até mesmo problemas cardíacos. Quando nos exercitamos, é importantíssimo beber muita água com sais minerais e, sobretudo, ingerirmos alimentos ricos em proteína”, afirma.
Sobre o que chama de “fenômenos da moda”, Alexandra Dalu escreveu o livro "Les 100 idées reçues qui vous empêchent d'aller bien” (“100 ideias incorretas que impedem você de estar bem", tradução livre). Na obra, a nutricionista desmistifica informações sobre alimentação e saúde, como os perigos do glúten, a inocuidade das bebidas light, a necessidade dos esportistas de consumir carboidratos, e, claro, a perda de peso saudável com a prática do jejum.
“Claro que, se você não comer durante vários dias vai emagrecer. Mas também vai perder músculo, eliminar a água e os sais minerais do organismo. E, depois, quando você voltar a se alimentar, tudo vai voltar ao normal ou até mesmo piorar. Afinal, todos nós conhecemos hoje o efeito ioiô das dietas radicais”, ressalta.
Para a nutricionista, a melhor fórmula para entrar em forma de maneira saudável é comer menos e melhor. Para quem deseja fazer um detox, ela aconselha, por exemplo, um regime hipocalórico, com refeições baseadas na ingestão de proteínas e vitaminas - basicamente frutas, legumes e peixe magro – tudo em pequenas quantidades, especialmente durante a noite, além de muita água e nada de açúcar.
Alexandra Dalu é abertamente contra o jejum total. “Se você não comer nada, seu corpo vai entrar em estado de estresse, com liberação de adrenalina, produção de toxinas, aumento da pressão arterial e da tensão muscular – exatamente o contrário do que se busca com o detox”. Por isso, para a especialista, seja para emagrecer ou limpar o corpo, é fundamental “não perder a razão e, principalmente, respeitar seu organismo”.
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