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Disputa entre França e Itália pode tirar Mona Lisa do Museu do Louvre

O Conselho de Estado, a mais alta corte jurídica da França, ainda não bateu o martelo, mas a presença de Lisa Gherardini, a famosa “Mona Lisa”, no maior museu do mundo, o Louvre, se encontra ameaçada. Uma associação que alega agir em nome dos descendentes de Leonardo da Vinci apresentou um pedido buscando provar que a Mona Lisa não pertence ao Louvre, mas a herdeiros muito distantes... na Itália, é claro. Uma briga que encontra ecos também nos corredores do soft power entre os dois países.

Visitantes e turistas tiram fotos da Mona Lisa, exposta no Museu do Louvre em Paris.
Visitantes e turistas tiram fotos da Mona Lisa, exposta no Museu do Louvre em Paris. AFP/File
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Polêmica. Disputada. Desejada como uma diva. A Mona Lisa anda causando em Paris, como se o sorriso mais enigmático da história da pintura fosse um desafio para todas as interpretações, reivindicações e declarações mais loucas vindas de todo tipo de público, com objetivos variados.

Desta vez, não são os ativistas ambientais do grupo Riposte Alimentaire que a borrifaram com sopa, como fizeram no final de janeiro, mas a Associação Internacional de Restituições, que está pedindo que a obra-prima de Leonardo da Vinci seja "riscada" do inventário do museu do Louvre, declarando que a decisão do antigo rei François I de se "apropriar" do retrato de Mona Lisa é "inexistente".

A pintura não seria propriedade da França de acordo com a associação, que recorreu ao Conselho de Estado, o mais alto tribunal administrativo da França, como qualquer cidadão pode fazer para contestar uma decisão administrativa, mesmo que a entrada da Mona Lisa nas coleções reais date de cinco séculos atrás. O Conselho emitirá sua decisão em alguns dias. A obscura associação afirma estar agindo "em nome dos descendentes dos herdeiros do pintor".

Oitenta por cento dos cerca de nove milhões de visitantes por ano do Louvre vêm para ver a Mona Lisa, resultando em um número impressionante de 20 mil pessoas por dia. Para encontrá-la, é preciso seguir uma peregrinação que vagueia entre os muros repletos deste que é o maior museu do mundo, ignorando uma série de obras-primas no caminho, incluindo quatro outras pinturas de Leonardo da Vinci. Tudo isso, com o barulhento ruído de fundo da multidão e seus smartphones.

No sábado (27), a diretora do museu, Laurence Des Cars, confirmou à rádio France Inter as informações de uma reportagem do jornal Le Figaro que veio à tona alguns dias antes: a Mona Lisa será exposta em uma sala especial, e essa é uma "questão de Estado".

Louvre lança projeto para melhorar exibição da Mona Lisa

O Ministério da Cultura da França está considerando maneiras de melhorar as condições em que a Mona Lisa de Leonardo da Vinci pode ser exibida no Louvre, possivelmente em uma sala separada, anunciou Des Cars.

"No que me diz respeito, é 'sim', e acho que é 'sim' para muitas pessoas, e estamos pensando nisso", respondeu na rádio France Inter, quando perguntada se a Mona Lisa merecia "uma sala própria". "É sempre frustrante quando as condições não estão à altura, e esse é o caso da Mona Lisa, por isso estamos trabalhando com o Ministério da Cultura nessa melhoria, que acho que é necessária hoje", acrescentou a primeira diretora mulher de toda a história do museu mais visitado do planeta.

A mundialmente famosa Mona Lisa está exposta na Salle des Etats, a maior sala do museu, em frente à maior pintura do Louvre, As Bodas de Caná, de Veronese, e ao lado de pinturas dos grandes mestres venezianos do século XVI.

A capacidade máxima de 30 mil visitantes por dia será mantida durante os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Paris, destacou a diretora.

Mona Lisa está na França desde 1516

Talvez os argumentos supostamente complotistas  se devam a um advérbio gravado nos documentos do museu: no site do Louvre, consta que a pintura foi "muito provavelmente" adquirida por François I em 1518. "Provavelmente" é uma palavra que permite que algumas pessoas tentem reivindicar um possível retorno do quadro para a Itália.

O pintor, que havia ficado sem encomendas do outro lado dos Alpes, e que começou a ser perseguido pela dinastia dos Médicis na Itália, respondeu em 1516 ao convite do rei francês para se juntar à sua corte, em Amboise, no centro da França.

O jovem rei, admirador do velho mestre Leonardo da Vinci, instalou-o e a seus assistentes no castelo Le Clos Lucé, hoje aberto ao turismo de luxo, e financiou seu estilo de vida.

A volta de Mona Lisa para a Itália seria um absurdo? Para os especialistas, sim. Essa associação, criada em 2021, e que alega representar os titulares de direitos sobre bens culturais adquiridos durante a colonização francesa ou ilegalmente pelo Estado, já foi mal-sucedida em vários pedidos relativos a outras obras patrimoniais de grande valor. Sua sede declarada fica em Pollestres, um vilarejo de 5.600 habitantes perto de Perpignan, no sul da França, mas ninguém jamais ouviu falar dela, segundo informações da imprensa francesa.

Esta imagem tirada de um vídeo da AFPTV mostra duas ativistas ambientais do coletivo chamado "Riposte Alimentaire" (Retaliação Alimentar) jogando sopa na pintura "Mona Lisa" de Leonardo Da Vinci, no museu do Louvre em Paris, em 28 de janeiro de 2024.
Esta imagem tirada de um vídeo da AFPTV mostra duas ativistas ambientais do coletivo chamado "Riposte Alimentaire" (Retaliação Alimentar) jogando sopa na pintura "Mona Lisa" de Leonardo Da Vinci, no museu do Louvre em Paris, em 28 de janeiro de 2024. AFP - DAVID CANTINIAUX

Ícone nacionalista?

O fato é que, na Itália, a Mona Lisa sempre funcionou como uma espécie de ícone nacionalista para líderes políticos populistas, como Georgia Meloni, premiê italiana eleita por um partido herdeiro de Mussolini. Há muito tempo, escritos e canções clamam por seu retorno ao país. Na época de Leonardo, a Itália moderna não existia, mas o artista, nascido perto de Florença, trabalhou para todas as grandes cortes italianas, de Florença a Roma, passando por Milão.

E não é mesmo de hoje que a diva causa polêmica. Recentemente, a grande retrospectiva no Louvre em 2019 para marcar o 500º aniversário da morte de Leonardo da Vinci também foi marcada por tensões diplomáticas entre a França e a Itália, em um contexto de empréstimos de pinturas da Itália adiados e disputas sobre que país deveria celebrar melhor o gênio da pintura.

Quando a Mona Lisa foi roubada do Louvre

Em 22 de agosto de 1911, a famosa pintura de Leonardo da Vinci desapareceu de seu lugar no Louvre. Tudo o que havia entre a Santa Catarina de Correggio e a alegoria de Ticiano era um buraco aberto e quatro pregos na parede. 

A história do roubo da Mona Lisa é, na verdade, um caso de amor entre um certo Vincenzo Peruggia e a misteriosa Mona Lisa. O ladrão era um vidraceiro italiano que havia trabalhado no Louvre quando a pintura foi emoldurada e conhecia o local como a palma de sua mão. Aproveitando o fato de que o museu estava fechado, ele se aproximou da Mona Lisa com facilidade. 

Eram 7h da manhã de segunda-feira, 21 de agosto de 1911. Em questão de minutos, ele pegou o quadro, escondeu-o sob o jaleco de seu estagiário e voltou para sua casa no 10º distrito de Paris. A obra-prima de Leonardo da Vinci permaneceu escondida sob a cama de Vincenzo por mais de dois anos. 

Brasileira foi 1ª pessoa a rever Mona Lisa depois da pandemia

Juliana Coelho foi a primeira pessoa a rever a Mona Lisa, e teve a sorte de ficar sozinha cara-a-cara com a famosa pintura de Leonardo da Vinci.
Juliana Coelho foi a primeira pessoa a rever a Mona Lisa, e teve a sorte de ficar sozinha cara-a-cara com a famosa pintura de Leonardo da Vinci. © Arquivo pessoal

Para quem não se lembra, a primeira visita que Lisa Gherardini, a famosa pintura “Mona Lisa” teve, depois de quase quatro meses trancada em quarentena no Museu do Louvre, fechado por causa da pandemia, foi a de uma jovem brasileira, Juliana Coelho, 31, que na época era bolsista na área de Música, em Nice, no sul da França. 

Em entrevista à RFI, já no Brasil, para onde regressou ao fim de sua bolsa de estudos, Juliana Coelho contou que foi pega de surpresa pela pandemia ao chegar em Nice, na famosa região da Côte d'Azur, no sul da França. "Passei um semestre lá e logo veio o confinamento. Não consegui viajar para lugar nenhum, fiquei só em Nice. Com a flexibilização do confinamento, tive vontade de ir a Paris, que não conhecia, era a minha primeira vez na Europa”, explica.

A estudante relatou que notou que os museus estavam sendo reabertos, assim como a Biblioteca Nacional da França, onde desejava fazer uma pesquisa. “Eu poderia ter ido conhecer Paris em junho, mas decidi adiar por causa da insegurança, ninguém sabia direito ainda o que ia acontecer. Decidi então marcar para o começo de julho, para pegar a reabertura do Louvre, no dia 6. Quando a bilheteria do museu reabriu, entrei correndo no site e comprei meu ingresso para o dia da reabertura, no primeiro horário”, lembra.

Vilarejo onde nasceu Leonardo da Vinci

Quem vai bater o martelo sobre a questão agora será a mais alta corte de Paris, o Conselho de Estado, que vai decidir se a  Mona Lisa, continua habitando uma sala especial para onde deve se mudar no Louvre, ou se volta para a Itália, onde um crítico de arte italiano, Alessandro Vezzosi, fundador e diretor do Museo Ideale Leonardo da Vinci em Vinci, local de nascimento do pintor perto de Florença, trabalhou após a exumação de ossos no DNA de um meio-irmão de Leonardo, nascido do mesmo pai. Ele afirma ter descoberto 14 descendentes atuais que ainda vivem no vilarejo e que teriam direito a reivindicar a volta do quadro para a Itália.

A Mona Lisa é uma das obras mais valiosas do mundo e o seguro da obra é estimado em cerca de US$ 1 bilhão.

(Com AFP, RFI e imprensa francesa)

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