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“Não tenho escrúpulos”, diz francês que utiliza certificado falso de vacinação anticovid

O jovem Paul* (nome fictício) conta que pagou € 30 (cerca de R$ 189) em seu documento falsificado, que atesta a imunização com as duas doses da vacina contra a Covid-19. O certificado, comprado de um colega de trabalho, tem nome, data e até o número do lote do imunizante utilizado, além de estar vinculado à Seguridade Social francesa. Como Paul, a polícia francesa estima que existam outras 200 mil pessoas no país com certificados de vacinação falsos.

Garçom verifica passaporte sanitário em um restaurante francês, no sul da França.
Garçom verifica passaporte sanitário em um restaurante francês, no sul da França. AP - Bob Edme
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“Já testei várias vezes, inclusive em aeroportos, na fronteira e nos bares, e nunca tive problemas”, diz Paul*, que pediu para preservar sua identidade, em entrevista à RFI. O jovem francês conta que conseguiu inserir seu documento falso no aplicativo TousAntiCovid (Todos contra a Covid em tradução livre), ferramenta criada em 2020 pelo governo francês para facilitar a identificação dos casos positivos de Covid-19 e de seus contatos.

A população também utiliza o aplicativo para carregar o certificado de vacinação, identificado por um QR Code (código de barras digitalizado) e o apresentar nos locais onde o documento é exigido. “É como se fosse um certificado de verdade. Durante um tempo eu usei passaportes sanitários de outras pessoas, mas quando começaram a pedir a carteira de identidade nos estabelecimentos tive que arrumar um ‘de verdade’”, explicou Paul*.

O francês também afirma não ter medo da prisão, apesar do novo projeto de lei do governo endurecer as sanções contra os fraudadores: estar em posse de um certificado falso pode resultar em uma pena de 5 anos de prisão e de uma multa que pode chegar a € 75 mil (o equivalente a R$ 474.292). Em caso de empréstimo do documento, a sanção será de € 1000 (cerca de R$ 6.325), mas pode ser cancelada se o usurpador da identidade se vacinar no prazo de um mês.

Aplicativo francÊs TousAntiCovis (Todos Contra a Covid) reúne informações sobre a vacinação
Aplicativo francÊs TousAntiCovis (Todos Contra a Covid) reúne informações sobre a vacinação AFP - PASCAL GUYOT

"Pago a multa se for preciso"

As medidas não intimidam o jovem francês, que garante que continuará usando certificado falso e inclusive incluirá a terceira dose de vacina, sem precisar injetá-la. Para obter a inserção do reforço no documento, ele apenas pedirá aos falsificadores uma atualização dos dados.

“Não tenho nenhum escrúpulo e isso não me incomoda nem um pouco. Vou pagar a multa se for preciso. Não estresso, conheço muitas pessoas que têm certificados falsos, e acho que se forem atrás de alguém, vão atrás de quem falsificou”, acredita. Paul* conta que só realiza testes para saber se está contaminado antes de reuniões profissionais ou para visitar seus pais. Na França, os testes são gratuitos para quem foi vacinado ou, como ele, tem um passaporte sanitário válido. 

No início do ano, a polícia francesa identificou 200 mil fraudadores de certificados de vacinação no país. Os documentos podem ser comprados pela internet, com preços que variam entre cerca de € 30 e € 600 (cerca de R$ 3.795). Mais de 400 inquéritos foram abertos para investigar os casos, segundo as autoridades francesas.

Na França, o passaporte sanitário é exigido em restaurantes, teatros, museus, cinemas, clubes, academias e também no transporte público.
Na França, o passaporte sanitário é exigido em restaurantes, teatros, museus, cinemas, clubes, academias e também no transporte público. GEOFFROY VAN DER HASSELT AFP/Archives

"Brincadeira de criança"

Nesse novo circuito ilegal, os cibercriminosos se apropriaram do filão e utilizam métodos sofisticados, como explicou à rádio francesa France Inter Thomas de Ricolfis, da Direção Central da Polícia Judiciária. Na internet, relata, é simples comprar um certificado de cura da Covid-19 ou um teste negativo. Segundo ele, o dinheiro obtido com a venda é usado rapidamente para não deixar vestígios.

De acordo com o advogado Christophe Bruschi, que representa uma jovem francesa indiciada pela criação de centenas de certificados falsos, muitas vezes os cibercriminosos pirateiam dados de consultórios médicos ou clínicas. O método, explicou, é simples. Ao acessar o aplicativo Doctolib, plataforma privada utilizada na França para agendar consultas, eles tomam conhecimento do número de registro dos médicos. “Com esse número, os fraudadores conseguem entrar diretamente em contato com a Seguridade Social, é uma brincadeira de criança”, explica.

Mas há casos de profissionais da saúde envolvidos na fraude. É o caso de um médico francês de 75 anos que tinha um consultório em Cantal, no sul do país. Ele foi condenado a seis meses de prisão com suspensão condicional da pena, interdição de exercer a profissão durante cinco anos e o pagamento de € 40 mil de multa, após validar  35 passaportes falsos.

Em entrevista à imprensa francesa, o médico declarou que não concordava em vacinar pessoas jovens e saudáveis para quem o imunizante, em sua opinião, representava um risco maior do que a própria doença.

Senado aprova nova lei

Para aumentar a pressão sobre os cerca de 5 milhões de franceses que ainda não se imunizaram e fechar o cerco aos usuários de passaportes sanitários falsos, o Senado francês adotou, nesta quarta-feira (12), em primeira sessão, o projeto de lei que instaura o passaporte vacinal.  

O texto determina que a apresentação de um teste negativo não será mais suficiente para poder frequentar bares, ir ao cinema ou pegar o trem. O projeto será novamente submetido nesta quinta-feira (13) ao voto do Senado e deve ser adotado definitivamente pela Assembleia nesta sexta-feira (14).

Se não obtiver o quórum necessário, o projeto de lei do governo francês deverá ser votado novamente nas duas casas. O projeto sofreu diversas modificações e institui o critério do nível de propagação do vírus e impacto nos hospitais para ser aplicado. O governo espera que a lei entre em vigor rapidamente. De acordo com o ministro da Saúde francês, OIivier Véran, 5% dos pacientes hospitalizados por Covid-19 têm documentos falsos.

(Com informações de Marine de la Mossonière, da RFI)

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