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Argentina e FMI fecham acordo financeiro final que precisa ser aprovado pelo Congresso

A Argentina precisa que o texto seja aprovado pelo Congresso antes de 22 de março, quando vence uma parcela de US$ 2,8 bilhões. Analistas avaliam que se trata de um acordo "light', apenas para evitar a quebra do país. A guerra na Ucrânia e as eleições na Argentina, no ano que vem, podem complicar o cumprimento do novo programa.

As negociações com o FMI foram marcadas por protestos, como o ocorrido em 8 de fevereiro passado em Buenos Aires.
As negociações com o FMI foram marcadas por protestos, como o ocorrido em 8 de fevereiro passado em Buenos Aires. AP - Rodrigo Abd
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O governo argentino e o Fundo Monetário Internacional (FMI) chegaram a um acordo final para o refinanciamento da dívida de US$ 45 bilhões, cuja implementação ainda precisa ser aprovada pela diretoria do organismo financeiro e pelo Congresso, onde o panorama é incerto para o governo.

"Depois de intensas negociações, o governo nacional conseguiu fechar com o FMI um acordo que permitirá ao país refinanciar os compromissos assumidos no falido programa Stand By, de 2018, que acumulava vencimentos principalmente em 2022 e 2023", anunciou o Ministério da Economia da Argentina em uma nota.

O chefe da missão do FMI para a Argentina, Luis Cubeddu, emitiu simultaneamente um comunicado sobre o entendimento. “O FMI e as autoridades (argentinas) chegaram a um acordo sobre um programa pragmático e realista, com políticas econômicas críveis para fortalecer a estabilidade macroeconômica e para abordar os desafios profundamente arraigados da Argentina com o crescimento sustentável", diz Cubeddu.

O FMI enviou o texto final para aprovação de sua diretoria. O Executivo argentino encaminhou, por sua vez, um projeto de lei, com o teor negociado, para aprovação do Congresso. O exame do acordo pelos parlamentares começa na semana que vem.

A Argentina precisa que a tramitação esteja encerrada antes de 22 de março, quando vence uma parcela de US$ 2,8 bilhões, montante com o qual o Tesouro não conta para poder pagar. Sem uma solução até esse prazo, o país entrará em moratória. Caso o acordo seja aprovado pelos congressistas antes da data prevista, o vencimento será refinanciado.

Impacto da guerra na Ucrânia

O projeto de lei inclui a totalidade dos documentos que compõem o acordo: o Memorando de Políticas Econômicas e Financeiras e o Memorando de Entendimento Técnico, definidos ao longo dos últimos 34 dias, depois daquele 28 de janeiro, quando a Argentina e o FMI anunciaram um pré-acordo.

Durante esse período, a discussão central girou em torno dos fortes aumentos nas tarifas de energia elétrica e de gás para que o Estado diminua os subsídios energéticos que mantinham as tarifas congeladas, apesar da inflação galopante que chegou a 50,9% em 2021 e que se projeta em torno de 60% em 2022.

A deflagração da guerra na Ucrânia interferiu nas negociações, pois a Argentina é importadora de gás. O aumento previsto nos preços do produto terá impacto nas despesas, desafiando a meta de redução do déficit fiscal.

Embora a Argentina seja beneficiada com o aumento das commodities agrícolas como trigo, milho e, sobretudo, soja, principais produtos de exportação, a importação de gás deve levar o país a gastar mais do que tende a receber.

"A Argentina será afetada pelo aumento dos preços das commodities energéticas. Se o conflito se mantiver, calcula-se que as importações de energia representem um aumento de US$ 3 a 4 bilhões acima do gasto previsto com base nas despesas do ano passado", explica à RFI o consultor de negócios internacionais Marcelo Elizondo.

"É verdade que também aumentam as commodities agrícolas, das quais a Argentina é exportadora. Mas o impacto positivo sobre o setor agropecuário é menor do que o impacto negativo sobre o setor energético", afirma.

Forte aumento na contas de luz e gás

O critério acertado para os reajustes, pelos próximos dois anos, terá como base o coeficiente de variação salarial na Argentina (CVS) que, em 2021, foi de 53,4%. Haverá três níveis de aumentos, de acordo com o segmento social.

Os 10% da população com maior poder aquisitivo perderão por completo o subsídio. Para esse segmento, os aumentos nas contas de eletricidade e gás ficarão entre 95% e 130%. Os usuários de classe baixa, que se beneficiam de uma tarifa social, terão uma alta equivalente a 40% do CVS, isto é, 21,3% de reajuste nas contas de luz e gás. O restante dos usuários de classe média terão aumentos equivalentes a 80% do CVS; o que se traduz num incremento de 42,7% nas faturas de energia.

A redução do déficit fiscal será gradual até 2025. Em 2022, o déficit primário deverá cair dos atuais 2,9% do PIB para 2,5%. Em 2023, o déficit primário deverá diminuir a 1,9% e chegar a 0,9% em 2024. O déficit deverá ser zero em 2025, tarefa que ficará para o próximo governo que vai assumir em dezembro de 2023.

Sem créditos novos

O acordo financeiro não implica novos créditos, mas o refinanciamento em 10 anos, com um período de graça de 4 anos e meio; o que significa começar a pagar a dívida entre 2026 e 2034.

Para o refinanciamento de US$ 45 bilhões, o FMI vai desembolsar, gradualmente, o montante de cada vencimento, para que a Argentina pague a dívida antiga, assumindo um novo débito equivalente, mas com 10 anos de prazo.

O maior desafio é o combate a uma das maiores taxas de inflação do mundo, que tende a aumentar com o conflito armado na Ucrânia. Haverá impacto nas commodities energéticas e agrícolas. Além disso, sem acesso ao mercado de capitais, a Argentina tem emitido dinheiro sem respaldo, acelerando a inflação. Essa emissão será agora limitada.

Ao não precisar pagar a dívida até 2026, a Argentina terá mais margem para acumular reservas. Atualmente, as reservas brutas internacionais do Banco Central argentino chegam a US$ 37 bilhões, mas as reservas líquidas, aquelas que podem ser usadas para intervir no mercado financeiro, estão praticamente zeradas. O país está sem dinheiro para qualquer pagamento e sem capacidade de intervir no mercado, apelando a estritos controles de câmbio, de preços e de movimento de capitais.

Sem ajustes nem reformas

O acordo não prevê ajustes nem reformas de qualquer tipo, seja previdenciária, trabalhista ou tributária, motivo pelo qual é considerado um acordo "light", que apenas evita o colapso da economia.

Mesmo assim, economistas e analistas de mercado acreditam que o governo não vai conseguir cumprir com as metas fixadas a partir do ano que vem, um ano eleitoral, no qual pode privilegiar o gasto público.

"Este não é um acordo normal. O FMI é a parte mais fraca na negociação, porque ficou exposto ao país que mais lhe deve e que não pretende pagar. O acordo é apenas para a Argentina não quebrar. Por isso, não inclui reformas estruturais. Mesmo 'light', o novo programa terá uma série de objetivos que a Argentina não vai cumprir", aposta o economista Juan Carlos de Pablo, uma referência no país.

"A realidade argentina não vai mudar. Continuaremos com um governo totalmente enfraquecido no qual ninguém acredita. E essa falta de credibilidade significa que o objetivo será apenas terminar o mandato sem que o país quebre", conclui.

O acordo será tratado pela Câmara de Deputados a partir de segunda-feira (7) com a intenção de um debate em plenário na quinta-feira (10), antes de seguir para o Senado. O resultado da votação é incerto.

O governo ainda não conta com votos suficientes para uma aprovação, tanto pelo lado da própria coligação de governo quanto pelo lado da oposição. Uma ala governista vê a redução do déficit fiscal e o aumento de tarifas como um problema para ganhar as eleições de outubro do ano que vem. Já a oposição oscila entre não querer que o país entre em moratória e um acordo que ataque os problemas estruturais do país, em vez de somente adiá-los, o que poderia ser uma "bomba-relógio" para o próximo presidente.

Questionada sobre a forma como o governo fará para conseguir os votos, a porta-voz da Presidência, Gabriela Cerruti, apenas respondeu que "o governo tem a obrigação de ser otimista".

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