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Linha Direta

Atrás de investimentos, presidente de Argentina vai à Rússia em plena tensão militar com Ucrânia

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O presidente argentino chega à Rússia nesta quarta-feira (2) e terá um encontro com o líder russo Vladimir Putin na quinta-feira (3). No mesmo dia parte à China, para a festa de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim e para uma reunião com o presidente chinês Xi Jinping.

O presidente argentino Alberto Fernandez durante uma coletiva de imprensa em Buenos Aires, em 28 de janeiro de 2022.
O presidente argentino Alberto Fernandez durante uma coletiva de imprensa em Buenos Aires, em 28 de janeiro de 2022. AFP - ESTEBAN COLLAZO
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O momento escolhido para viajar, especialmente à Rússia, não podia ser pior devido à tensão na fronteira da Rússia com a Ucrânia.

"A visita de um presidente é a expressão de maior proximidade que um Estado pode fazer perante outro. Não existe maior gesto de importância em termos de apoio e de reafirmação da amizade. No caso da demonstração da amizade argentino-russa, é algo positivo, mas provavelmente este não seja o melhor momento devido à disputa com o país mais importante do mundo, os Estados Unidos", explica à RFI o analista internacional e ex-embaixador argentino na Costa Rica e em Israel, Mariano Causino.

Objetivo: créditos e investimentos

O presidente Alberto Fernández chega à Rússia e à China atrás de acordos comerciais, investimentos e créditos.

O governo argentino está fechando um acordo financeiro com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que refinancia a dívida de US$ 44,5 bilhões, mas que não implica nenhum novo crédito.

A Argentina precisa de investimentos para dinamizar sua economia, de créditos para financiar projetos de infraestrutura e de fundos para aumentar as reservas do Banco Central com apenas 400 milhões de dólares de liquidez.

O próprio FMI incentiva a Argentina a procurar fontes de crédito para a sua economia de forma bilateral com outros países.

Na nota do dia 28 de janeiro, na qual comunica um princípio de acordo com a Argentina, o FMI informa que "o apoio financeiro adicional de sócios internacionais ajudaria a Argentina a reforçar sua resiliência externa e os seus esforços para um crescimento econômico".

Os parceiros internacionais que a Argentina encontrou neste momento são justamente os países inimigos dos Estados Unidos. Alberto Fernández vai se reunir com o líder russo Vladimir Putin na quinta-feira (3) e com o líder chinês Xi Jinping no domingo (6).

O presidente argentino chegará a Moscou nesta quarta-feira às 20 horas locais (14 horas em Brasília). A reunião no Kremlin com Vladimir Putin, seguida de um almoço de trabalho, acontece na quinta-feira. Apenas cinco horas e meia depois, Alberto Fernández parte a Pequim.

Equilíbrio entre Washington e Moscou

Argentina e Rússia têm intensificado as suas relações, especialmente depois de a Argentina ter sido o primeiro país na América Latina e o segundo no mundo a vacinar com a russa Sputnik V ainda em dezembro de 2020.

Por um lado, o momento é oportuno porque a Argentina e o FMI estão a ponto de formalizar um acordo, condição para que a Rússia e a China executem projetos com a Argentina. Por outro, a visita é uma consequência natural dessa aproximação, mas o problema é o contexto do momento de tensão com a OTAN em torno da Ucrânia.

"A viagem de Alberto Fernández à Rússia e à China deveria ser algo positivo porque são duas potências importantes, mas o 'timing' provavelmente não seja o mais adequado devido à situação tensa entre a Rússia e os Estados Unidos que sempre pode gerar um incidente", pondera Mariano Causino, autor de dois livros sobre a Rússia ("Rússia, ator global. O renascer de um gigante e a inquietação do Ocidente" e "A Rússia de Putin. Mito e realidade da liderança pós-soviética") que prepara outro sobre a China.

Para conseguir um delicado equilíbrio entre Moscou e Washington, e ficar afastado desse conflito, o presidente argentino vai permanecer menos de 24 horas em solo russo.

Política interna e geopolítica entre Rússia, Argentina e Brasil

Vladimir Putin vai usar a visita argentina de Alberto Fernández agora e a prevista visita brasileira de Jair Bolsonaro dentro de alguns dias para mostrar internamente que tem apoio dos dois países mais importantes da América do Sul.

Enquanto a Argentina quer sair do seu isolamento econômico e o Brasil do seu isolamento internacional, Vladimir Putin quer posar como um chefe de Estado que tem aliados, ainda que nem Brasil nem Argentina tomem partido na crise com a Ucrânia.

"Os russos vão aproveitar a presença do presidente argentino e depois a do brasileiro para dizerem que não estão isolados. São dois presidentes de dois países importantes do Ocidente", indica Causino, ressaltando que Alberto Fernández está na Presidência rotativa da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC).

"Para os russos é importante ter um presidente da CELAC. É como um representante de toda a região num momento em que a relação com os Estados Unidos está muito complicada", destaca.

Alberto Fernández quer obter recursos financeiros da Rússia e da China agora para reativar a economia argentina, visando 2023, um ano eleitoral, considerando que os investimentos levam tempo para mostrar resultados.

Outro ponto sensível da viagem de Alberto Fernández é a escala chinesa. O presidente argentino vai participar da abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim enquanto os Estados Unidos promovem um boicote diplomático aos Jogos.

Argentina buscará também dinheiro chinês

O acordo financeiro entre a Argentina e o FMI ainda está em negociação, mas há alguns balizamentos fechados. A Argentina não se compromete a fazer nenhuma das reformas necessárias, mas também não recebe fundos novos.

O desafio imediato de Alberto Fernández é conseguir financiamento com outros organismos multilaterais de crédito como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Corporação Andina de Fomento e com créditos bilaterais de outros países.

Da Rússia, a Argentina quer um contrato para renovar material ferroviário e investimentos em energia eólica.

Durante a visita à China, de sexta a domingo, a Argentina vai aderir à chamada "Nova Rota da Seda", um programa de pesados investimentos chineses em obras de infraestrutura ao redor do mundo.

Vários países já aderiram a esse programa (Bolívia, Venezuela, Chile, Costa Rica, Cuba, Equador, Panamá e Uruguai). Na América do Sul, o Brasil é um dos poucos que ainda não.

O presidente argentino também vai visitar o Centro Tecnológico da Huawei no contexto da implementação da tecnologia 5G. E esse é outro ponto sensível com os Estados Unidos. "Essa visita será mal lida pelos Estados Unidos. A disputa tecnológica é um dos pontos de confrontação na rivalidade estratégica entre a China e os Estados Unidos", aponta Mariano Causino.

Da China, Alberto Fernández vai a Barbados, onde passa o dia 8 com a primeira-ministra Mia Mottley.

A recente independência de Barbados da Coroa Britânica acrescenta um novo país na lista da CELAC, mas a autodeterminação dos povos pode não ser o melhor exemplo para uma Argentina que pretende recuperar as Ilhas Malvinas, cuja guerra está a dois meses de completar 40 anos.

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