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Francisco/Egito

Francisco dribla segurança e riscos durante visita ao Egito

Organizações egípcias criticaram o pontífice por evitar assuntos que precisam ser discutidos​. Para especialistas, vivência do papa é o maior exemplo a ser deixado​.

Papa Francisco chega para missa no Cairo.
Papa Francisco chega para missa no Cairo. Osservatore Romano/Handout via REUTERS
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Colaboração especial de Richard Furst, do Cairo​

Na visita de apenas 27 horas ao Cairo, Francisco deixou a mensagem de que o Egito também faz parte da Terra Santa e que diferentes religiões podem viver no mesmo lugar.

"Desde Moisés e Cristo, ainda menino acompanhado pela Virgem Maria e José, fugindo das mãos de Herodes, o Egito recebeu a família que escapou da morte", frisou diversas vezes o papa, durante a viagem.

Esses lugares são conservados em mesquitas e igrejas por todo o país, mas manter os espaços têm gerado dificuldades, principalmente para os cristãos.

"Sabemos que a presença do Papa vai ajudar, e muito, a desenvolver novos diálogos e melhorar a nossa situação. Entretanto, ainda temos dificuldades enormes para conseguir construir até mesmo uma nova pequena igreja ou manter as que já existem”, conta um advogado de 43 anos, que, por segurança, prefere ser identificado pelo nome típico de um cristão no Egito: Michael.

Preconceito e discriminação

Apesar do sol forte, o advogado acompanhou de perto os detalhes da visita do papa, em frente à Catedral Copta de São Marcos, no centro do Cairo. O assunto é muitas vezes evitado devido ao preconceito e discriminação contra cristãos no país.

Mesmo sendo a nação com a maior quantidade de cristãos no Oriente Médio e norte da África, os cristãos egípcios formam menos de 10% da população, de 92 milhões de habitantes. Eles enfrentam problemas que duram quase cem anos e se intensificaram nas últimas décadas.

No Egito, uma lei severa ainda é posta em prática: todas as igrejas devem ter uma permissão concedida pelo governo egípcio.

Porém, na prática, a autorização está sujeita a regulamentações rigorosas e, muitas vezes, depende da iniciativa das autoridades locais - na maioria muçulmanos. Para contornar a discriminação, os cristãos construíram igrejas ilegais. Templos escondidos, que são ainda um grande fator para a violência sectária em algumas áreas fora dos centros das grandes cidades como Cairo e Alexandria, no norte do país.

Visita traz esperanças de mudanças

A esperança é que os efeitos da visita do papa tragam transformações ao país. Mudanças que vão além das questões religiosas. "Ações que seriam de responsabilidade do governo, mas a Igreja está ajudando a exercer são praticamente proibidas. Os projetos levam muito tempo para se concretizarem. Por exemplo, para abrir uma creche que colabora na educação de nossas crianças. Isso tem um viés social muito importante, mas estamos com obras paradas ou apenas no papel", lamenta Michael.

Grupos de ajuda humanitária e de ação social no Cairo lamentaram em comunicados que o papa deixou de reforçar mais fortemente os apelos contra as violações aos direitos humanos no Egito, apontadas contra o governo do militar el-Sisi.

Um grupo de defesa das mulheres da Praça Tahrir e o Centro Egípcio de Defesa das Mulheres frisaram o sofrimento das egípcias num país com um dos mais altos índices do mundo de mutilação genital, perdendo apenas para os países subsaarianos. O número de estupros também cresce a cada ano.

Uma nota divulgada pela Associação das Mulheres do Cairo, dizia: "Nós, mulheres, precisamos mais que segurança básica, queremos o nosso papel, mesmo numa sociedade patriarcal, onde os líderes são dominantemente homens".

Papa evita assuntos delicados

Na sala de imprensa, montada em um hotel no centro do Cairo, a discussão entre jornalistas e especialistas era sobre o papa não ter tocado diretamente em assuntos delicados que precisam ser esclarecidos.

O regime do presidente Abdel-Fatah El-Sisi é acusado de violar os direitos humanos, segundo organizações não-governamentais e peritos internacionais. O militar perseguiu e condenou opositores, além de ter proibido a Irmandade Muçulmana, considerada como uma organização terrorista.

"O que o papa quer demonstrar para o mundo é um sinal de encorajamento, de vivência própria, de viver na pele", afirma à RFI Stefania Falasca, editora da Conferência Nacional dos Bispos da Itália.

"Só podemos olhar para o que vimos aqui no Egito como uma manifestação de fraternidade em benefício a um ecumenismo de toda a sociedade. Tudo o que o papa fez aqui no Egito é um sinal claro, tanto espiritual, quanto histórico, de um gesto que não vai deixar margem para erros de interpretação dos encontros e discursos", completa a italiana, que é próxima do papa no dia-a-dia e acompanhou Jorge Bergoglio ao Egito no voo papal.

Vários credos

A missa celebrada por Francisco e o papa copta ortodoxo Teodoro II foi sob um esquema de segurança extrema para reunir diferentes pessoas com diferentes tipos de crença.

Num verdadeiro cordão de segurança, militares e agentes de inteligência egípcios foram posicionados nas avenidas e viadutos por onde o papa passou. Eles foram colocados a apenas cada 10 metros um do outro, num grande percurso de para garantir a segurança do papa e dos participantes da missa. Foi um trecho de mais de 20 km entre o centro do Cairo e o local da missa, um estádio da Aeronáutica. Nem o sol forte e a baixa umidade do ar tiraram os militares do lugar. Tanques de guerra e dezenas de helicópteros também foram usados para assegurar que tudo saísse como planejado.

Longa espera e segurança reforçada

Dentro do estádio, cânticos em árabe e participação de diversas nacionalidades durante a celebração, colocaram diferentes credos lado a lado. Os participantes e o público tiveram de chegar às 5h30 da manhã para a missa que começava às 10h. Um controle e três revistas pessoais foram feitas no percurso do portão até a arquibancada. O exército tomou conta da porta que ficou fechada impossibilitando a entrada de atrasados ou de quem já estivesse em frente ao altar gigante que foi montando.

Devido ao sol forte, perto dos 40 graus no deserto, bonés brancos foram distribuídos aos participantes, criando uma imagem de que todos presentes levavam roupas brancas, enfatizando a paz. Músicas em latim conhecida entre os locais foram entoadas pelo coral feminino da Catedral de São Marcos.

"Estamos tão felizes pelo destaque ao nosso trabalho que fazemos todos os dias e hoje ganhou ainda mais visibilidade", disse emocionada, uma senhora egípcia com a pasta de músicas nas mãos.

O local da missa foi alterado na última hora para o estádio militar local, que já apresenta segurança durante qualquer época do ano e foi fortemente reestruturado.
 

 

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