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Saúde em dia

Retrospectiva: 2022, o ano em que a Covid-19 não acabou

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Cerca de três anos depois do aparecimento do vírus SARS-CoV-2, o futuro da epidemia de Covid-19 continua sendo uma incógnita. Na China, onde a população está menos imunizada por conta de anos de restrições impostas pela política Covid zero, o número de casos aumenta diariamente. Esse contexto favorece o aparecimento de novas variantes, que podem ou não ser resistentes à vacinação e aos medicamentos existentes.

Pessoas usando máscaras em um corredor do metrô de Xangai, na China, em 8 de dezembro de 2022.
Pessoas usando máscaras em um corredor do metrô de Xangai, na China, em 8 de dezembro de 2022. REUTERS - ALY SONG
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Taíssa Stivanin, da RFI

A Covid-19 continuou sendo o principal assunto da área da saúde em 2022. O mês de janeiro começou com a explosão das contaminações pela primeira variante da ômicron, a BA.1, em boa parte do mundo. Na França, entre os dias 19 e 20, o país registrou cerca de 297 mil casos positivos. Aliada à vacinação, essa onda epidêmica permitiu imunizar parte da população e diminuir o número de casos graves provocados pela doença. As variantes ômicron do SARS-CoV-2 também são consideradas menos virulentas, como demonstraram muitos estudos.

Apesar disso, a Covid-19 ainda pode matar e causar complicações, principalmente em pessoas mais velhas e com patologias associadas. O alerta foi feito pelo virologista americano Michael Diamond, da Universidade de Washington. “A doença continuará provocando formas severas, em não vacinados, imunodeprimidos, e provocará mortes”, ressaltou.

O virologista americano lembrou que, em países desenvolvidos, como os Estados Unidos e a França, a população reticente à vacinação contribuirá para o descontrole da epidemia. “A única maneira de lutar contra transmissão é continuar imunizando as pessoas ao redor do mundo, para prevenir potenciais propagações. Caso contrário, teremos novas variantes surgindo de tempos em tempos, por um longo período”, prevê.

Enfermeiros  transportam em uma maca civil ferido em um bombardeio em uma maternidade transformada em sala de cirurgia em Mariopol, na Ucrânia.
Enfermeiros transportam em uma maca civil ferido em um bombardeio em uma maternidade transformada em sala de cirurgia em Mariopol, na Ucrânia. AP - Evgeniy Maloletka

Guerra na Ucrânia

O mês de fevereiro de 2022 foi marcado pelo início da guerra na Ucrânia. A invasão do país, no dia 24, teve um forte impacto no sistema de saúde, que já era deficiente antes da guerra. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), mais de 269 ataques atingiram hospitais, clínicas e outras estruturas.

Na época, o coordenador da Organização Médicos Sem Fronteiras na Ucrânia, Gustavo Fernandez, contou que as condições de vida da população estavam cada vez mais difíceis. “Tentamos nos manter em contato com os voluntários locais e as pessoas que conhecem bem a situação interna. Também buscamos nos manter próximos dos médicos e dos enfermeiros que continuaram nas cidades e conhecem bem a população para fornecer, no dia a dia, o material para garantir a continuidade dos cuidados médicos”, explicou à RFI.

Imagem do cérebro obtida através de ressonância magnética
Imagem do cérebro obtida através de ressonância magnética INSERM

Covid-19 altera funcionamento cerebral

Durante o ano de 2022, a Covid-19 continuou sendo o principal assunto da área da saúde. Se as consequências mais trágicas do vírus foram atenuadas com a imunização da população, seja pela vacinação ou pela infecção, seus efeitos a longo prazo ainda são alvo de vários estudos.

Um deles, divulgado no início de março pela revista Nature, sugere que o SARS-Cov-2 pode afetar o funcionamento cerebral. A pesquisa, de coautoria do cientista brasileiro Anderson Winkler, revelou que uma infecção pela Covid-19 pode afetar as funções cognitivas e o sistema límbico, que gerencia as emoções, além da memória.

As imagens de ressonância magnética dos 785 participantes, com idades entre 51 e 81 anos, foram analisadas por um grupo de pesquisadores antes e depois da contaminação pelo SARS-Cov-2. “Nessas comparações, observamos uma diminuição da espessura do córtex cerebral, em áreas relacionadas à olfação, e também uma diminuição do contraste entre a substância branca, e cinzenta, além do apagamento desse contraste", explicou Anderson à RFI. "Notamos, também, uma diminuição da maneira como as moléculas de água se difundem, o que sugere uma alteração microestrutural no tecido cerebral, mais proeminente no grupo que testou positivo para o coronavírus”.

Falta de sono pode afetar imunidade na idade adulta

Milhares de estudos científicos importantes são publicados todos os anos e alguns merecem destaque. Um deles é uma pesquisa da cientista francesa Sabine Plancoulaine, do Centro de Pesquisa em Epidemiologia e Estatísticas de Paris, do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França). De acordo com ela, os dados analisados sugerem que crianças que têm períodos de sono mais curtos estariam mais predispostas ao desenvolvimento de patologias inflamatórias.

“Podemos imaginar que, se entre dois e cinco anos, as crianças já tinham níveis mais altos de citocinas, se isso continuar na idade adulta, o efeito será cumulativo”, diz a pesquisadora. “Podemos imaginar que, se continuarem a dormir pouco, os níveis de citocina poderiam aumentar cada vez mais e na idade adulta as crianças vão desenvolver patologias associadas à inflamação.”

Uma outra pesquisa publicada em agosto de 2022 na revista Nature identificou uma maneira de aumentar a capacidade de memorização dos idosos sem patologias. A equipe do professor Robert Reinhardt selecionou 60 pessoas entre 65 e 88 anos, sem doenças cerebrais que comprometessem a cognição. Elas foram submetidas a sessões diárias de 20 minutos, durante quatro dias consecutivos, de estimulação transcraniana de corrente alternada, TACS (Transcranial alternating current stimulation), em inglês. .

Segundo o médico e neurocientista Antoni Valero Cabré, diretor de pesquisa no Instituto do Cérebro do Hospital francês Pitié La Salpetrière, em Paris, os cientistas conseguiram mostrar que a estimulação do lobo parietal, a baixa frequência, a 4 Hz, melhora a chamada memória de trabalho.

“O objetivo geral dessas intervenções não é apenas gerar um efeito transitório, que dure poucos minutos, mas torná-lo permanente, de forma a integrar o aumento da memória ao nosso cotidiano, de forma perene. É por essa razão que os autores repetiram o procedimento durante quatro dias, para saber se esse ganho de memória se consolidava no tempo ou não. Além disso, para confirmar a hipóteses, eles testaram novamente os participantes um mês depois”, explicou.

Covid longa

Uma das reportagens feitas pelo programa Saúde em Dia neste ano de 2022 mostrou como é a vida de pacientes com covid longa. Ela foi realizada no hospital Foch, em Suresnes, na região parisiense, em outubro. A OMS (Organização Mundial da Saúde) reconhece a existência da doença desde 2021. A estimativa é que entre 10 e 20% dos contaminados terão sintomas persistentes, que duram mais de quatro semanas. De acordo com o especialista francês Nicolas Barizien, três pistas podem explicar o aparecimento da doença.

 “A primeira é: será que o vírus fica no organismo e por isso continua gerando sintomas? A segunda é: será que o vírus provoca uma reação inflamatória? Terceiro: será que desencadeou um processo autoimune, levando o corpo a fabricar anticorpos contra si mesmo? Essas são algumas das pistas da pesquisa fundamental para explicar por que os pacientes continuam tendo os mesmos sintomas tanto tempo após a infecção. Praticamente todo mundo já pegou a Covid hoje, pelo menos uma vez. Podemos ficar mal de 2 a 15 dias, mas na maioria das vezes, passa. Há pessoas que vão continuar tendo sintomas durante anos. Tenho pacientes que já estão entrando no terceiro ano de Covid longa.”

O hospital Foch, em Suresnes, na região parisiense, é um dos pioneiros no tratamento do Covid longo.
O hospital Foch, em Suresnes, na região parisiense, é um dos pioneiros no tratamento do Covid longo. © Taíssa Stivanin/RFI

Luta contra o câncer

O ano de 2022 também foi marcado pela descoberta de novas armas contra o câncer. Entre elas, o surgimento de testes diagnósticos que detectam as células cancerosas no DNA do sangue e o aperfeiçoamento das terapias que permitirão melhorar o prognóstico do paciente. Entre as novidades, também se destacam alguns medicamentos, como os anti-KRAS, um gene que sofre mutação em aproximadamente 90% dos cânceres do pâncreas e 30% dos cânceres do cólon e do pulmão.

A individualização dos tratamentos também é uma outra pista desenvolvida nas pesquisas, com a criação de cânceres orgânicos, feitos a partir das células do paciente, e virtuais, processados em programas específicos de bioinformática. “São testes clínicos técnicos e comparativos que avaliam se, quando utilizamos essas novas terapias, temos resultados melhores do que em relação à Quimioterapia, por exemplo”, explicou Fabrice André.

Neste final de ano, a Covid-19 é responsável por uma nova onda epidêmica na França. Com o fim das restrições, o país, aliás, vive a tripla epidemia, com hospitais lotados de pacientes com gripe, Covid, e setores pediátricos saturados com crianças com bronquiolite. A rede SOS Médécin, formada por médicos disponíveis 24 horas, que atendem pacientes em domicílio em Paris, informou que nunca recebeu tantas chamadas nos últimos anos 15 anos.

Para evitar o caos nos hospitais neste início de  2023, o governo francês faz um apelo para que as pessoas se vacinem contra a gripe e a Covid-19. Bruno Lina, professor de Virologia do Hospital Universitário de Lyon e membro do COVARS, o Comitê de Acompanhamento e Antecipação de Riscos Sanitários do ministério da Saúde Francês, lembra que a única maneira de controlar a epidemia é a vacinação periódica.

"Temos a impressão que esse vírus, BQ.1.1, não é responsável por uma retomada epidêmica. Ele parece ser um vírus de transição. Estamos otimistas em relação à epidemia, mas a próxima fase está condicionada ao uso de todas as ferramentas que existem para lutar contra o coronavírus. Se interrompermos a vacinação, se não aderirmos à imunização e às medidas de proteção nos períodos em que o vírus está circulando, estamos expostos à retomada epidêmica. Isso é claro."

A explosão dos casos na China neste final de ano, com a diminuição das restrições relacionadas à política Covid Zero, é outro fator que pode gerar o aparecimento de novas variantes e dificulta as previsões em relação à epidemia. Os próximos meses serão decisivos, mas ainda serão necessários muitos anos para afirmar que a Covid-19 se tornou, de fato, uma doença respiratória benigna para a maior parte das pessoas, a exemplo da gripe.

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