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Saúde em dia

Retrospectiva 2021: ômicron acaba com sonho de retorno à vida normal

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O ano de 2021 começou em plena onda epidêmica da variante alpha do SARS-CoV-2 e com populações do mundo todo sendo submetidas a medidas de restrição rígidas. Com previsões pessimistas, agora 2021 termina com a chegada da variante ômicron e questionamentos sobre a eficácia das vacinas contra a nova cepa. 

Franceses se testam em stands montados em frente às farmácias, em Paris
Franceses se testam em stands montados em frente às farmácias, em Paris © AP - Michel Euler
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O primeiro Ano Novo na França após o início da epidemia, em 2020, foi celebrado com toque de recolher: as pessoas não podiam sair de casa entre oito da noite e seis da manhã. Festas também foram proibidas e, em casa, a regra era ter apenas seis convidados à mesa. O fim de 2020 marcou, desta forma, o começo da era epidêmica, que mudaria o cotidiano do mundo nos próximos anos.

Mas o surgimento das vacinas contra a Covid-19 no final de 2020 alimentou a esperança de que a vida poderia, após quase um ano de restrições, voltar ao normal. No início do ano passado, o acesso aos imunizantes era raro e, na maior parte dos países, a população aguardava com ansiedade a possibilidade de se vacinar.

Ao mesmo tempo, os pesquisadores ao redor do mundo constatavam cada vez mais casos de doentes que, meses após a contaminação, apresentavam sintomas como falta de ar e problemas de concentração e cansaço, que muitas vezes impediam as pessoas de executarem suas tarefas normalmente no cotidiano.

Mais de 20% dos pacientes contaminados ainda têm sintomas da Covid-19 três meses após a infecção.
Mais de 20% dos pacientes contaminados ainda têm sintomas da Covid-19 três meses após a infecção. © Shutterstock - Dragana Gordic

Covid longa

Os clínicos e pesquisadores passaram a se interessar mais de perto pela síndrome que ganhou um nome: Covid longa. Em Paris, o hospital Foch constatou o fenômeno após o primeiro lockdown na França, de maio de 2020, e criou um setor especial para receber os doentes.

Na época, Nicolas Barizien, especialista em Medicina Esportiva no estabelecimento, explicou que a maior parte dos pacientes tiveram versões leves da Covid-19, não foram hospitalizados, mas relataram o retorno dos sintomas, como se a doença tivesse se tornado crônica. Os resultados dos exames, entretanto, eram normais.

“Os pacientes relataram um impacto real na qualidade de vida, no cotidiano. Os sintomas muitas vezes fazem com que sejam incapazes de levar uma vida normal. Eles descrevem, por exemplo, uma sensação de falta de ar, mesmo com um esforço mínimo”, disse.

As pesquisas continuaram e, alguns meses depois, a OMS reconheceu a síndrome e criou uma definição para a Covid longa: uma doença que ocorre em pessoas que foram diagnosticadas positivas, com sintomas que não podem ser explicados por outro diagnóstico.

Vacinas a base de RNA mensageiro permitiram um controle relativo da epidemia
Vacinas a base de RNA mensageiro permitiram um controle relativo da epidemia AFP - JEFF PACHOUD

Fascínio e desconfiança

Neste início de 2021, as vacinas a base de RNA mensageiro, produzidas pela Pfizrer e a Moderna, haviam acabado de chegar ao mercado e causavam, ao mesmo tempo, fascínio e desconfiança na população. A tecnologia, ainda pouco conhecida, despertava curiosidade, mas também questionamentos.

No dia 13 de janeiro, o papa Francisco, 84 anos, foi imunizado no Vaticano. Em uma declaração simbólica, ele disse que a oposição à vacina era um “negacionismo suicidário”, incitando à imunização. Em uma mensagem em espanhol divulgada alguns meses mais tarde, em agosto, ele incitou a população a se vacinar – o que, em suas palavras, representava "um ato de amor".

Na corrida pelo estoque de vacinas, Israel se antecipou e adquiriu antecipadamente milhões de doses da Pfizer. O Reino Unido também foi um dos primeiros países a generalizar a imunização, utilizando principalmente o soro do laboratório AstraZeneca.

A vacina da AstraZeneca foi relegada a segundo plano nas campanhas de vacinação na Europa
A vacina da AstraZeneca foi relegada a segundo plano nas campanhas de vacinação na Europa Saeed KHAN AFP/File

A tática utilizada pelo primeiro-ministro Boris Johnson, ele mesmo vítima da Covid-19, foi a de aplicar uma dose do imunizante e esperar alguns meses antes do reforço – nessa época, uma dose já combatia com eficácia a cepa alpha. Desta forma, mais pessoas poderia ser imunizadas.

O efeito da vacinação se tornou visível rapidamente. O Reino Unido reabriu escolas em março e a vida aos poucos foi voltando ao normal. Invejado no início por muitos, o imunizante da AstraZeneca passou a gerar desconfiança após o aparecimento de casos de trombose. Alguns países, como a França, só autorizaram seu uso para maiores de 55 anos. Aos poucos a vacina foi perdendo espaço para os imunizantes a base de RNA na Europa.

Despreparo

A União Europeia se mostrou despreparada no início da campanha da vacinação e as doses eram raras, reservadas no início apenas para os mais idosos com patologias pré-existentes.

A Covid-19 também revelou a falta de coordenação das autoridades mundiais para gerenciar pandemias, como lembrou o virologista Christian Brechot, professor de Medicina da Universidade da Flórida, ex-diretor do Inserm (Instituto Nacional francês de Saúde e Pesquisa Médica) e do Instituto Pasteur.

“Penso que o controle de uma pandemia passa pela vacina, por novos tratamentos, mas também pela capacidade de usar melhor os progressos tecnológicos que foram feitos na área diagnóstica", declarou. Um dos erros da epidemia, diz, foi justamente a lentidão dos diagnósticos. É preciso ter uma maior reatividade, lembra. “Isso permite manter uma vida econômica, apesar da pandemia."

Epidemia de doenças mentais

Em 2021, uma outra epidemia surgiu, paralelamente à da Covid-19. As dificuldades provocadas pelo vírus geraram uma explosão de casos de depressão e outras doenças mentais, provocadas pelo distanciamento social, o isolamento e outras restrições.

A Covid-19 gerou, paralelamente, uma epidemia de doenças mentais
A Covid-19 gerou, paralelamente, uma epidemia de doenças mentais Getty Images/iStockphoto - FollowTheFlow

Em alguns casos, o medo de pegar a doença se transformou em fobia, como explicou o psiquiatra francês Eric Malbos à RFI. Encostar na maçaneta de uma porta, por exemplo, tornou-se um desafio para alguns pacientes. Alguns deles já tinham fobias e o quadro foi agravado pela epidemia. Em outros casos, as pessoas desenvolveram o temor de ficarem doentes, um transtorno ansioso.

Eric Malbos criou um método para ajudar os pacientes a se desvencilhar desses medos, utilizando a realidade virtual. Eles são confrontados a seus temores em ambientes que simulam, por exemplo, uma exposição ao vírus. 

As preocupações com a epidemia também afetaram o sono da população mundial e de muitos franceses. Um estudo realizado após primeiro lockdown na França, entre março e maio de 2020, concluiu 47% dos 2.000 mil entrevistados tinham problemas de sono – quase 17% mais que nos períodos anteriores à epidemia.

Para a psiquiatra Sylvie Roland Parola, o problema é que, durante o lockdown, as pessoas dormiam e acordavam cada vez mais tarde. Esse tipo de comportamento, explica, é observado em períodos de isolamento. “O tempo passado diante das telas também aumentou de forma dramática, em todas as faixas etárias, e principalmente à noite, o que atrapalha o sono”, recorda.

O passaporte sanitário europeu
O passaporte sanitário europeu © 网络

Passaporte sanitário

A partir de abril de 2021, com o avanço da vacinação, os países europeus começaram a avaliar a possibilidade de criar documento para vacinados, que facilitaria a circulação entre fronteiras. Em junho, surgiria o certificado europeu de vacinação.

A França adotou o passaporte sanitário, que autoriza, desde julho, o acesso a bares, restaurantes, museus, cinemas, academias e outros locais públicos. No início do verão europeu, a população europeia estava otimista em relação ao futuro pandêmico. As vacinas funcionavam, estavam disponíveis no continente e havia esperanças concretas de que, aos poucos, a vida poderia voltar ao normal.

Mas, uma nova variante jogaria um balde de água fria no mundo: a aparição da delta, uma cepa mais contagiosa e mais resistente aos imunizantes, gerou dúvidas sobre a possibilidade de obtenção de uma imunidade coletiva e o fim das restrições, com o avanço da imunização. Havia ainda outros problemas: o acesso desigual aos imunizantes nos países mais pobres, o que poderia facilitar a emergência de novas cepas, mais contagiosas e com escape imunitário.

A esses fatores, somou-se o fato de que os menores de 12 anos ainda não podiam ser imunizados, mas as escolas, em muitos países, continuaram abertas, como foi o caso francês. Por isso, em setembro de 2021, início do ano letivo no hemisfério norte, uma das principais preocupações era como o vírus iria circular entre não vacinados e crianças – dois redutos epidêmicos.

Na época, a especialista francesa em Saúde Pública Hélène Rossinot lembrou que a circulação do ar nas salas de aula, com sensores de CO2, seria essencial para lutar contra a propagação – um equipamento raro na maior parte das escolas públicas francesas. "Para mim, é uma aberração que as crianças não sejam mais protegidas", ressaltou.

Enfermeira verifica temperatura de menina que acabou de ser vacinada contra a Covid-19 na Alemanha
Enfermeira verifica temperatura de menina que acabou de ser vacinada contra a Covid-19 na Alemanha AP - Jean-Francois Badias

Nova onda epidêmica

Neste mês de setembro, a euforia que antecedeu o verão cedeu espaço à preocupação. Os casos cresceram com a chegada do outono, apesar da alta taxa de vacinação no continente europeu, e os países começaram a enfrentar novas ondas epidêmicas. Na Alemanha, o número de contaminações superou os ínidices da primeira onda, em 2020.

Na França, a situação nas escolas foi um prenúncio do que o inverno reservaria para a população. Um número cada vez maior de classes fechou as portas, e muitos cientistas questionaram se o controle da epidemia seria possível sem a vacinação infantil. A resposta foi não: no final de outubro, a FDA, a agência americana de medicamentos, aprovou o imunizante da Pfizer para crianças entre 5 e 11 anos.

Os Estados Unidos começam a vacinar os menores dessa faixa etária em novembro, apesar das reticências em muitos países, como é o caso na França. A presidente da Sociedade Francesa de Pediatria, Christèle Gras-Le Guen, afirma que a doença nunca foi perigosa para essa faixa etária. "Não me preocupo com a saúde das crianças, que não são, de forma nenhuma, alvo das formas graves da Covid-19", disse.

Variante ômicron parece ter taxa de reinfecção maior, mas sintomas leves, diz OMS
Variante ômicron parece ter taxa de reinfecção maior, mas sintomas leves, diz OMS AP - Jerome Delay

Ômicron: o retorno à estaca zero

Neste fim de novembro de 2021, o aparecimento da ômicron, a variante detectada na África do Sul, colocou fim à esperança de que o mundo poderia voltar a ser como antes em 2022. Mais contagiosa, a cepa parece se propagar tão rapidamente que as ondas epidêmicas se transformam em tsunamis, como rapidamente mostrou a situação no Reino Unido.

As mutações da ômicron na proteína Spike, que o coronavírus utiliza para entrar na célua, a tornam menos sensível às vacinas. Atualmente, já se sabe que, sem uma terceira dose, a proteção seria insuficiente contra infecções sintomáticas – mas os dados preliminares não permitem ainda afirmar se o esquema vacinal com duas doses protege completamente de formas graves, nem por quanto tempo. A Pfizer já anunciou que prepara um imunizante específico para a cepa.

Neste contexto, o ano de 2022 começa na expectativa de como a Europa, a França e o mundo vão enfrentar essa nova ameaça, e se ela servirá de lição para uma distibuição mais igualitária dos imunizantes.

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