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Saúde em dia

"Nada será como antes": hospital francês ajuda pacientes com Covid longa a retomar vida normal

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A RFI acompanhou pacientes com Covid longa atendidos no Hospital Foch, na região parisiense, que mais de um ano após terem contraído o vírus, lutam para conviver com os sintomas persistentes gerados pela Covid-19.

O fisioterapeuta Jean-Pierre Saleh realiza exercícios com a paciente Nadège Courilleau, que sente falta de ar mais de um ano depois de ter pego a Covid-19.
O fisioterapeuta Jean-Pierre Saleh realiza exercícios com a paciente Nadège Courilleau, que sente falta de ar mais de um ano depois de ter pego a Covid-19. © Taíssa Stivanin/RFI
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Taíssa Stivanin, da RFI

São 8h da manhã e três pacientes aguardam na sala de espera do setor de Medicina Esportiva do Hospital Foch, em Suresnes, na região parisiense. Audrey é uma delas. Desde 2021, ela convive com a Covid longa. Após sua infecção, seus sintomas se intensificaram e ela acabou paralisada, em uma cadeira de rodas. “Não conseguia andar, de tanto cansaço”, conta a francesa de 40 anos, contaminada pela variante Alfa, em 2021.

Audrey iniciou seu tratamento em maio. Hoje, seis meses depois, ela recuperou o fôlego e seu estado de saúde melhorou, após meses de reeducação com uma equipe multidisciplinar, que inclui psicóloga, nutricionista, fisioterapeuta, neurologistas e fonoaudiólogas. Vítima de uma forma severa de Covid longa, Audrey agora quer virar a página, deixar tudo para trás e pede à reportagem para não aparecer na foto.

Foi em 2020 que surgiram os primeiros casos de pacientes que, meses após contrair o vírus sem complicações, ainda sentiam falta de ar, cansaço extremo e tinham problemas cognitivos que os impediam de realizar tarefas banais do cotidiano.

Depois de pegar a Covid-19 em 2021, a francesa Nadège Courilleau, professora no ensino fundamental, foi obrigada a parar de trabalhar por conta da persistência dos sintomas.
Depois de pegar a Covid-19 em 2021, a francesa Nadège Courilleau, professora no ensino fundamental, foi obrigada a parar de trabalhar por conta da persistência dos sintomas. © Taíssa Stivanin/RFI

A professora primária Nadège Courilleau, de 51 anos, acredita ter pego o vírus, há cerca de um ano, na escola onde lecionava, perto de Paris. Desde então, ela convive com os sintomas da doença.

Durante a entrevista, Nadège perdeu o fôlego e precisou interromper a conversa algumas vezes - ela tinha, visivelmente, dificuldade para completar seu raciocínio. A professora francesa teve um declínio cognitivo confirmado pelos médicos após a infecção pela Covid-19 que, no seu caso, foi moderada, mas sem hospitalização. A memória imediata de Nadège não é a mesma de antes e esse problema a impede de trabalhar.

“Não consigo gerenciar imprevistos. Tenho problemas de planejamento e de organização. Coisas que eu fazia e ensinava antes não sou mais capaz de fazer. Não consigo mais fazer cálculos de cabeça e tenho problemas de compreensão, de leitura e de fala”, conta. “Para mim, a grande surpresa, é que nunca melhorei. O tempo passa e os sintomas continuam os mesmos”, lamenta.

Nadège contou à RFI que sente cansaço extremo, tem vertigens e taquicardia. “Antes, eu era uma atleta, corria duas vezes por semana e praticava natação.  Agora, não faço mais nada. Só caminho um pouco, não consigo fazer outra coisa”, diz. O programa pós-Covid é, para ela, a esperança de poder retomar uma vida normal e cuidar de seu filho mais velho, que é cadeirante. “Não posso mais dirigir e levá-lo às consultas.”

A Covid longa também afetou sua vida social: algumas pessoas, diz, parecem duvidar da existência de sua doença. “Às vezes insinuam que não me esforço o suficiente.” Com o tempo, ela percebeu que a Covid longa provoca recaídas - uma característica comum a muitas patologias crônicas. “Melhora um pouco e depois os sintomas voltam, como no começo", descreve.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) reconhece a existência da Covid longa ou Síndrome da Covid longa, desde 2021.  A estimativa é que entre 10 e 20% dos contaminados terão sintomas persistentes, que duram mais de quatro semanas.

O especialista Nicolas Barizien na sala de reeducação para pacientes vítimas da Covid longa.
O especialista Nicolas Barizien na sala de reeducação para pacientes vítimas da Covid longa. © Taíssa Stivanin/RFI

O programa para pacientes com Covid longa do Hospital Foch é dirigido pelo médico francês Nicolas Barizien, especialista em Medicina Esportiva, que escreveu um livro sobre o tema. Ele é uma referência para os pacientes que sofrem da doença e buscam tratamento. O setor foi um dos primeiros criados na França, em 2020, poucos meses após o aparecimento do vírus SARS-CoV-2 no país.

A doença pode se manifestar de forma benigna, moderada ou severa. “A Covid longa atinge principalmente pessoas que tiveram uma forma leve ou moderada, tratada em casa e sem hospitalização. São pacientes jovens, entre 20 e 60 anos, na sua maioria mulheres. São pessoas ativas, com família e filhos pequenos”, explica. “Alguns sofrem tanto com a doença que não conseguem continuar a trabalhar, mesmo que seja meio período, por exemplo. É um grande impacto na vida de certos pacientes”, relata.

Desde que os primeiros casos de Covid longa foram detectados, a estimativa é de que cerca de 2000 estudos científicos sobre o tema já tenham sido publicados, que buscam detectar fatores de propensão à doença.

Hoje, existem três pistas que podem explicar o aparecimento da Covid longa, explica o médico francês. “A primeira é: será que o vírus fica no organismo e por isso continua gerando sintomas? A segunda é: será que o vírus provoca uma reação inflamatória? Terceiro: será que desencadeou um processo autoimune, levando o corpo a fabricar anticorpos contra si mesmo?", diz.

O hospital Foch, em Suresnes, na região parisiense, é um dos pioneiros no tratamento da Covid longa.
O hospital Foch, em Suresnes, na região parisiense, é um dos pioneiros no tratamento da Covid longa. © Taíssa Stivanin/RFI

 

“Essas são algumas das pistas da pesquisa fundamental para explicar por que os pacientes continuam tendo os mesmos sintomas tanto tempo após a infecção. Praticamente todo mundo já pegou a Covid hoje, pelo menos uma vez. Podemos ficar mal de 2 a 15 dias, mas na maioria das vezes, passa. Há pessoas que vão continuar tendo sintomas durante anos. Tenho pacientes que já estão entrando no terceiro ano de Covid longa”, observa.

Um novo estudo publicado em agosto deste ano levanta novas hipóteses sobre a predisposição à Covid longa .A pesquisa feita por cientistas da universidade de Yale e da Icahn School of Medicine, de Nova York, analisou o sangue de 215 pessoas. A conclusão é que o vírus parece afetar e diminuir a secreção do cortisol, o hormônio de adaptação ao estresse em alguns indivíduos.

O SARS-CoV-2 geraria uma resposta autoimune e inflamatória, com produção de anticorpos e proteínas imunológicas anormais. “Temos a confirmação de que é uma doença com repercussões biológicas. O sintoma que sempre está presente é um cansaço anormal. É normal se sentir cansado depois de ir a uma festa ou correr uma maratona. Não estou falando desse cansaço. Todos dizem, literalmente: minha bateria acabou”, declara.

Há também suspeitas de que exista uma predisposição genética à Covid longa, mas ainda não há provas científicas. Além disso, é impossível saber se os sintomas podem piorar caso o paciente seja contaminado novamente.

Segundo o médico francês, o reforço da vacinação também age de maneira heterogênea e pode ou não melhorar a condição do paciente. Em contrapartida, pegar o vírus depois de tomar a vacina diminui o risco de ter uma Covid longa. Isso explica, segundo o especialista, por que os casos mais severos, em geral, surgiram no início da epidemia.

 

O especialista em Medicina esportiva, Nicolas Barizien, escreveu um livro que dá dicas aos pacientes sobre como se recuperar da Covid longa.
O especialista em Medicina esportiva, Nicolas Barizien, escreveu um livro que dá dicas aos pacientes sobre como se recuperar da Covid longa. © Taíssa Stivanin/RFI

 

De acordo com ele, há três categorias de sintomas. Entre eles, os respiratórios, que provocam falta de fôlego, por exemplo. Em seguida, há sequelas cardíacas, que causam taquicardia em repouso, queda da pressão e vertigens, além de outros problemas. Por fim, muitos pacientes se queixam de deficiências neurocognitivas, que causam dificuldades de concentração, atenção ou memória. Sintomas digestivos e cutâneos também são possíveis, mas menos frequentes.

Atualmente, não existem medicamentos para tratar a Covid longa e o objetivo do tratamento é limitar o impacto dos efeitos colaterais no dia a dia. O programa criado pelo médico francês inclui, por exemplo, exercícios cognitivos, respiratórios e recondicionamento físico. Ele lembra que, por isso, também é importante diagnosticar cedo a doença para dar início rapidamente ao tratamento e interromper sua progressão.

O aposentado Phlippe Bodelot passou um mês internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e, depois de curado, desenvolveu uma Covid longa.
O aposentado Phlippe Bodelot passou um mês internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e, depois de curado, desenvolveu uma Covid longa. © Taíssa Stivanin/RFI

 

Casos graves também podem desencadear Covid longa

A Covid longa também pode atingir pacientes que tiveram uma forma grave. É o caso do aposentado Philippe Baudelot, 70 anos, que também é atendido no Hospital Foch. Depois de passar um mês na UTI, ele trata as múltiplas sequelas que surgiram após a infecção e a sua internação.

Mas, apesar de ter tido uma Covid grave, contraída em 2021, ele consegue levar uma vida relativamente normal, embora tome muitos medicamentos, contou à RFI durante a consulta com o especialista francês. “Desde que tive a Covid-19, tento tomar o menor número de remédios possível. Para mim, ter que tomar todo dia alguma coisa, é bem difícil. Remédio para o estômago, para isso, para aquilo, para suportar tudo”, diz referindo-se às moléculas que o ajudam a dormir e a driblar a ansiedade.

Apesar disso, Philippe mantém o bom humor e é com entusiasmo que ele se levanta para realizar o teste de esforço na sala ao lado. “Vamos pedalar agora? ”, sugere o especialista francês, Nicolas Barizien. “Vamos, vamos fazer a volta da França! ”

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