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Saúde em dia

Cientista explica como doping genético é possível; atletas poderão ser testados nos Jogos de Paris

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A poucos meses dos Jogos Olímpicos de Paris, o doping genético se tornou uma preocupação concreta dos organizadores, apesar de, até hoje, nenhum caso ter sido oficialmente detectado. A RFI Brasil esteve no laboratório do pesquisador francês Bruno Pitard, em Nantes, no oeste da França, que explicou como as técnicas de manipulação genética tornam essa prática possível.

O cientista francês Bruno Pitard, diretor do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas), dirige um laboratório em Nantes, no oeste da França, e explica como o doping genético é possível.
O cientista francês Bruno Pitard, diretor do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas), dirige um laboratório em Nantes, no oeste da França, e explica como o doping genético é possível. © Taíssa Stivanin/RFI
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Taíssa Stivanin, da RFI

Em abril do ano passado, o Parlamento da França adotou um projeto de lei que autoriza o Laboratório Francês de Antidoping, na região parisiense, a recolher amostras de sangue e realizar testes genéticos mais sofisticados, que poderiam detectar mutações naturais ou outras manipulações genéticas em atletas.

Elas incluem as técnicas do uso RNA mensageiro, um tipo de ácido nucleico que sintetiza proteínas e leva a informação para o citoplasma – uma região da célula localizada entre o núcleo e a membrana plasmática. 

O RNA mensageiro funciona como um manual de instruções que vai ensinar à célula como as sequências de proteínas devem se organizar para exercer uma determinada função orgânica.

O termo se tornou conhecido do público durante a epidemia de Covid-19 e o advento das vacinas da Pfizer ou da Moderna, que usam esse modelo para gerar a resposta imunitária em seus imunizantes.

Mas, neste contexto, como o doping genético é possível? O engenheiro e biologista francês Bruno Pitard, diretor do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França), estuda vetores sintéticos para terapias gênicas e as técnicas de RNA mensageiro há mais de 30 anos. 

Segundo ele, os avanços dessa tecnologia durante a epidemia, que acelerou pesquisas em todo o mundo, tornaram possível a produção natural do EPO, ou eritropoetina. O EPO é um hormônio formado na medula óssea e produzido principalmente nos rins, em resposta à detecção de baixos níveis de oxigênio no sangue. Como ele oxigena os tecidos, poderia, desta forma, também melhorar o desempenho dos atletas.  

A molécula isolada de EPO sintética é comercializada há anos e usada principalmente para tratar pacientes com insuficiência renal e anemia, aumentando a taxa de glóbulos vermelhos no sangue.

Segundo o especialista francês, a diferença é que, agora, há maneiras de ensinar ao próprio corpo como produzir naturalmente essa substância, graças às novas técnicas de RNA mensageiro, sem necessidade de tomar um medicamento.

Mas, esse uso ainda é teórico, já que nunca foram feitos testes clínicos validados em humanos, lembra o cientista francês. Ainda não se sabe também quais seriam os efeitos colaterais no organismo de um atleta que tivesse acesso às ferramentas em laboratório para produzir o EPO utilizando a terapia gênica ou outras técnicas.

O pesquisador francês Bruno Pitard em seu laboratório na Universidade de Nantes
O pesquisador francês Bruno Pitard em seu laboratório na Universidade de Nantes © Taíssa Stivanin/RFI

Experiência em laboratório

Há 15 anos, Bruno Pitard conseguiu fazer com que camundongos passassem a produzir naturalmente o hormônio em seu laboratório na Universidade de Nantes, injetando diretamente o gene do EPO no músculo dos animais. Na época, ele recebeu e-mails do mundo todo interessados na pesquisa, inclusive de uma equipe de ciclistas, “interessados”, na experiência.

“Pegamos a sequência de aminoácidos do EPO, fabricamos o RNA correspondente e administramos em animais, injetando-o no tecido muscular”, explica. “Ele começou então a produzir o hormônio, que foi secretado pela fibra e entrou em seguida na corrente sanguínea, chegando à medula óssea e atuando no aumento da produção de glóbulos vermelhos", acrescenta.

Bruno Pitard explicou que como o EPO oxigena os tecidos, poderia, desta forma, também melhorar o desempenho dos atletas.
Bruno Pitard explicou que como o EPO oxigena os tecidos, poderia, desta forma, também melhorar o desempenho dos atletas. © Taíssa Stivanin/RFI

Acesso difícil

Concretamente, como as experiências são restritas aos laboratórios, seria difícil para os atletas ter acesso a essa tecnologia. Uma possibilidade, diz o cientista francês, seria tentar utilizar a mesma plataforma de RNA mensageiro produzida para fabricar as vacinas da Covid-19 para produzir EPO. 

Mas, neste caso, os atletas colocariam a própria saúde em risco. Um deles seria o desenvolvimento de uma anemia autoimune, por exemplo, já que as vacinas à base de RNA mensageiro foram produzidas para gerar uma reação do sistema imunitário.

Para Bruno Pitard, todos esses aspectos tornam o doping genético difícil de ser colocado em prática. Mas ele é possível e, através do uso da terapia gênica, praticamente indetectável. “No caso da terapia gênica, poderíamos ter uma expressão do EPO a médio ou longo prazo. Isso permitiria ao atleta injetar a substância bem antes das competições", observa.

Testes em primatas

A equipe de Bruno testa, há cerca de dois anos, a injeção do EPO utilizando o RNA mensageiro em primatas, para tratar a insuficiência renal e a anemia. Ele lembra que o artigo ainda não foi publicado e que são necessárias todas as etapas clínicas em humanos para validar o estudo. 

Mas, nesse caso, a quantidade de EPO poderá ser controlada, não expondo os pacientes a outros riscos de saúde. “Inventamos um vetor que não é similar ao utilizado na vacinação contra a Covid-19, que é formado por partículas de lipídios”, descreve.

“Inventamos uma outra classe de vetores sintéticos, que não causam inflamação. E é por isso que, nesse caso, através de um RNA mensageiro que codifica o EPO, conseguimos controlar o número de injeções, a quantidade de hormônio que vai ser expressada e as sequências necessárias. Quando não for mais necessária, a gente pode ou não continuar injetando, evitando a anemia autoimune." Ele reitera que as pesquisas ainda devem passar por testes clínicos em humanos.

Para o cientista francês, graças aos avanços da Ciência, o doping genético deixou de ser ficção científica e tornou-se viável. “Há alguns anos isso me parecia futurista, mas é normal que os laboratórios antidoping se interessem pela questão. Aos poucos, nos aproximamos cada vez mais de coisas possíveis e realizáveis nos humanos”, conclui.

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