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Arte indígena brasileira é destaque em exposição na França

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Os quadros de figuras multicoloridas expressam os saberes tradicionais do povo Huni Kuin, do Acre. O brasileiro Txana Bane é um dos artistas indígenas contemporâneos convidados para a exposição Utopia, que acontece em Lille, no Norte da França. Nesse momento de crise ambiental, o evento abre espaço para os testemunhos ancestrais dos povos originários, que trazem uma nova relação de paridade entre todos os seres vivos do planeta.

Bane é um artista contemporâneo brasileiro. Ele pertence ao povo Huni Kuin, do Acre.
Bane é um artista contemporâneo brasileiro. Ele pertence ao povo Huni Kuin, do Acre. © RFI / Maria Paula Carvalho
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Maria Paula Carvalho, enviada especial a Lille

Bruno Novelli também bebe na fonte do conhecimento indígena e começa a ter o seu trabalho reconhecido na Europa. A RFI Brasil conversou com ambos na exposição “Le Vivants”, organizada pela Fundação Cartier.

A sexta edição do Lille 3.000, um evento multidisciplinar que se espalha por toda a cidade, lança aos artistas convidados o desafio de apaziguar as relações entre o homem e a natureza. A exposição “Les Vivants” (Os Vivos, em tradução livre) tem como ponto central a participação de indígenas da América do Sul.

Realizada no Tripostal, uma sala de eventos localizada ao lado da estação de trem de Saint-Sauveur, a mostra reúne 250 obras do acervo da Fundação Cartier para a arte contemporânea. Os trabalhos selecionados propõem “transportar a nossa imaginação para além do antropocentrismo, a fim de reinventar, com empatia e humildade, uma nova coabitação terrestre com as plantas e os animais”.  É um convite a “considerarmos os não humanos como iguais no seio de um vasto mundo comum”, explica o curador, Bruce Albert.

Artistas como o chinês Cai Guo-Qiang, o francês Fabrice Hyber, o norte-americano Tony Oursler e a cineasta armênia Artavazd Pelechian dividem espaço com nomes da cena indígena contemporânea brasileira, como Bruno Novelli e Bane, estreantes nos museus europeus.

Representante do coletivo MAHKU (Movimento dos Artistas Huni Kuin), Bane ilustra em seus quadros canções que descrevem os símbolos sagrados de seu povo, uma tradição imemorial cujo valor é resgatado diante da ameaça climática. “A relação com a natureza, nós do povo Huni Kuim aprendemos com a jiboia encantada”, diz. “Os conhecimentos da bebida sagrada, da medicina da floresta, do artesanato. É por isso que, até hoje, vivemos de acordo com o que aprendemos na natureza”, acrescenta.

Bane não deixa de apontar parte da responsabilidade ao homem branco pela destruição da natureza. Porém, sem jamais expressar rancor ou desesperança. “Os povos indígenas cuidam mais da Amazônia, mas o povo branco é quem está mais destruindo”, denuncia em entrevista à RFI. “Nós, do povo Huni Kuim, até o final, não vamos desistir. O conhecimento da gente tem valor. Se não tivesse valor, eu não estaria aqui na Europa”, diz. “É importante compartilhar com os outros artistas europeus e valorizar os povos originários. Sem natureza, sem floresta, não é bom para nós. Com a natureza, conectado com a floresta, eu sinto muita paz”, ensina.

 

Arte indígena brasileira na França
Bane é um artista contemporâneo brasileiro. Ele pertence ao povo Huni Kuin, do Acre.
Bane é um artista contemporâneo brasileiro. Ele pertence ao povo Huni Kuin, do Acre. © RFI / Maria Paula Carvalho

Medicina da floresta

Filho e neto de pesquisadores do conhecimento indígena, Bane decidiu traduzir em suas pinturas o que aprendeu desde a infância. “Hoje em dia, nós temos a medicina tradicional como se fosse uma farmácia, um laboratório. E temos que cuidar da terra, para plantar legumes para sobreviver. Isso é muito importante para nós. A importância de preservar a natureza”, afirma.

“A pintura, eu aprendi dentro da força da Ayahuasca, que é uma das medicinas que a gente faz o preparo, bebe... e a força chega”, descreve sobre o ritual que usa a infusão da Chacrona (folha) com o Jagube (cipó), duas plantas amazônicas que hoje atraem a curiosidade de pesquisadores do mundo inteiro. No Brasil, ao contrário de outros países, o seu uso é legalizado para pesquisa e para rituais religiosos.

A Ayahuasca abre a consciência para novas perspectivas da realidade, conforme já comprovado cientificamente. “Daí temos a visão desse tipo, com várias cores, amarelo, vermelho, azul, branco. Depois que eu vi no meu sonho, eu comecei a pintar o significado das músicas”, explica o indígena sobre a inspiração para seus trabalhos. “Eu só traduzo o que as músicas falam, então não é qualquer desenho. É o desenho da música do espírito, que traz a força, que traz a conexão do espírito, mais amizade, mais alegria mais saúde para todos nós”, conclui.

Animais fantásticos

No mesmo andar da exposição, os acrílicos sobre tela do brasileiro Bruno Novelli chamam a atenção do visitante. Os quadros misturam animais fantásticos e mundos tropicais oníricos, banhados por um verde dominante. “Eu tenho interesse por figuras fortes, eu vou buscar em diversos imaginários. Imagens que me impulsionam a pintar”, explica. “Para eu ter o primeiro impulso, tenho que estar conectado com algo que carregue uma força, imagens de animais. Isso me realiza mais”, diz. “Eu busco minhas referências na vida, observando um animal pela pelagem, os movimentos, um olhar atento para a natureza é muito enriquecedor, é fantástico”, completa.

Filho de mãe cearense, Bruno Novelli se mudou ainda criança para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde deu os primeiros passos nas artes plásticas. Primeiro no desenho, depois nas telas de grandes dimensões e profusão de cores. “Eu tenho uma relação muito forte com a arte indígena, que começou há muito tempo, desde que eu era mais novo, com um interesse muito forte pelo grafismo indígena, usado tanto no corpo quanto nos objetos dos povos amazônicos”, contextualiza Novelli.

O artista, que vive em São Paulo há 14 anos, conta que a relação com o povo Huni Kuim se estabeleceu através do contato com Daniel Dinato, curador e antropólogo. Lille é a terceira exposição de Novelli com o coletivo MAHKU, a primeira colaboração internacional e a sua maior mostra fora do Brasil. Para o artista brasileiro, expor na Europa é uma grande oportunidade, além de um sinal de reconhecimento da arte indígena contemporânea. “Eu acredito que se reconhece algo muito intenso e magnífico do que vem do Brasil pela nossa riqueza cultural e força”, analisa.

“Desde os viajantes que iam para o Brasil registrar a flora e a fauna, eu acredito que existe essa fascinação pelo que há no Brasil, essa força da floresta, essa força natural, a paisagem tão diferente, uma riqueza absurda”, diz. Porém, “havia muita resistência, inclusive no Brasil, para essa relação e uma vez que uma instituição de porte internacional, como a Fundação Cartier, aqui na França, faz este movimento, eu creio que abre muitos caminhos”, analisa.

“Eu acredito que essa ideia de Utopia esteja ligada a uma expressão muito subjetiva, que acaba entregando para o mundo algo que vá servir para outras pessoas. Como um impulso de vida, um impulso de reflexão”, desafia. “Minha utopia é um mundo muito melhor, com uma humanidade mais consciente e mais conectada com o planeta e com o ser humano em si”, conclui. Pois “quando o ser humano está degradando aquilo que lhe é natural e que lhe serve plenamente, ele está se degradando”.

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