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RFI Convida

"É um presente ocupar o pavilhão de artes aplicadas na Bienal de Veneza", diz Beatriz Milhazes

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A convite do brasileiro Adriano Pedrosa, curador da 60ª Bienal de Veneza, e do Victoria and Albert Museum (V&A) de Londres, a artista carioca Beatriz Milhazes expõe até novembro obras monumentais no Arsenale, o pavilhão dedicado às artes aplicadas na mostra internacional mais antiga do mundo. Vinte e um anos depois de estrear em Veneza, que representou para ela "um divisor de águas" na carreira, a pintora contou em entrevista à RFI como é estar de volta ao evento italiano. 

A artista carioca Beatriz Milhazes ao lado de uma de suas pinturas expostas na Bienal de Veneza.
A artista carioca Beatriz Milhazes ao lado de uma de suas pinturas expostas na Bienal de Veneza. © Vicente de Paulo
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"Eu chamaria de um 'presente' o convite para essa participação", diz a carioca, uma das artistas brasileiras de maior projeção internacional na atualidade. Quando representou o Brasil na Bienal de Veneza de 2003, ao lado de Rosângela Rennó, cada uma em uma sala, Beatriz não imaginava que viveria novamente um momento tão intenso. 

"Esse convite em 2024 reúne duas coisas muito significativas na minha vida: o Adriano Pedrosa [diretor artístico do Masp], com quem tenho parcerias diversas há pelo menos 20 anos, e é o primeiro curador não americano e não europeu escolhido para ser o curador-geral da Bienal, e o pavilhão de artes aplicadas, que é uma colaboração entre o Victoria and Albert, um dos meus museus favoritos", relata Beatriz. O V&A tem a maior coleção de arte artesanal do mundo e sempre serviu de referência ao trabalho da brasileira. "É a união de duas situações muito fortes em termos da minha vivência artística", destaca. 

O universo do design, de tecidos, bordados, crochês e rendas sempre interessaram à pintora e gravadora. Para compor a seleção de obras apresentada em Veneza, o curador Adriano Pedrosa propôs a ela que focasse em tecidos para desenvolver as pinturas murais. A artista selecionou alguns que já tinha em sua coleção pessoal e, com uma verba do museu de Londres, comprou outros tecidos antigos artesanais.

"Eu pude estudar especificamente a questão cromática, a construção dos tecidos e estruturas, o cruzamento, os elementos e motivos que você encontra, olhar para isso e trazer para o universo da minha pintura de forma mais objetiva", explica. "Foi um desafio, porque uma coisa é você ter essas referências e elas estarem livres no seu universo, outra coisa é você realmente ter aquele material 'x'". Em seguida, o resultado dessa observação foi transposto para os desenhos preparatórios, que foram o ponto de partida para a construção de cada uma das cinco pinturas monumentais que exibe em Veneza – todas inéditas para o público.

 

Obras monumentais de Beatriz Milhazes expostas no Arsenale, na Bienal de Veneza.
Obras monumentais de Beatriz Milhazes expostas no Arsenale, na Bienal de Veneza. © Lorenzo Palmieri

História, arquitetura e pintura

O visitante que entrar no pavilhão do Arsenale irá se deparar com a tela "Memórias do futuro 1", pintada por Beatriz Milhazes em 2022. "A ideia é realmente de você trabalhar ou vivenciar essa história para construir as memórias do futuro", avisa.

Na passagem para a sala principal, vê-se um grupo de colagens de papel que serviu no processo de trabalhos em gravura e serigrafias recentes, mas anteriores à pandemia. Ao entrar na sala principal desse prédio histórico, carregado da memória de Veneza, construído com tijolos aparentes vermelhos e colunas imensas, aparecem as cinco pinturas monumentais sobre painéis, em um ambiente em que o público é envolvido entre a arquitetura e as pinturas. 

"No centro do pavilhão, tem uma mesa, onde eu fiz uma composição com tecidos de vários países – Filipinas, Vietnã, Japão, África, Brasil, Guatemala, México – que praticamente virou uma instalação", conta a pintora carioca. 

Tapeçaria irá decorar embaixada dos EUA em Brasília

No painel principal, o maior deles, em frente às pinturas, a artista instalou uma tapeçaria desenhada por ela, mas executada na célebre Manufacture Pinton, instalada na região de Aubusson, no centro da França. A peça, de 8 metros de largura por 3,20 de altura, será instalada na nova sede da embaixada dos Estados Unidos em Brasília. 

Em sua pesquisa de preparação das obras, Beatriz Milhazes diz buscar "a poesia" e "lidar com a alma". "Esse tipo de 'fazer', que são parte de rituais, que demonstram uma preservação da cultura de diversos lugares no mundo, é uma busca por algo que é espiritual, belo, humano", exalta.

"Isso, para mim, sempre foi uma fonte extremamente rica para o meu trabalho. Eu sempre tentei unir os conceitos, vamos dizer, da pintura, que vieram do modernismo europeu. No meu caso, a minha referência mais forte foi o modernismo europeu e o nosso brasileiro, que já revisitaram todas essas práticas de arte popular, arte naif, outras artes, que hoje finalmente estão sendo reconhecidas simplesmente como arte", observa. A busca de regularidade, a ordem e a cor, como elemento principal nessa construção, sempre a interessou. "A mim, me fascina desenvolver complexos sistemas de ordem que são baseados num fazer humano", reflete. 

"Uma felicidade estar ao lado de artistas indígenas"

O curador Adriano Pedrosa trouxe para a Bienal de Veneza vários artistas indígenas brasileiros. Conviver com eles na preparação da exposição foi "uma felicidade", afirma a pintora carioca, que sempre se interessou por esse universo.

"Os meus arabescos, por exemplo, foram inspirados nos desenhos faciais das tribos Kadiwéu, que são desenhos que as mulheres faziam no corpo", aponta. "Eu acho o Carnaval no Rio de Janeiro, o desfile carioca, extraordinário na maneira como a liberdade existe na relação cromática, junto com a questão das formas e o desenvolvimento dos temas. É um momento extremamente feliz que nós estamos vivendo", afirma Beatriz Milhazes. 

Na avaliação dela, não é só a questão do curador Adriano Pedrosa ser brasileiro, mas a leitura renovada e "possível" que ele faz de toda a arte construída até agora, "um universo que nunca fez parte". "Para mim, é uma felicidade tudo isso", conclui.

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