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Pesquisador brasileiro segue passos de Di Cavalcanti na França para biografia sobre o pintor modernista

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Em 2022, serão celebrados os cem anos da Semana de Arte Moderna de São Paulo. A RFI entrevistou Marcelo Bortoloti, pesquisador junto à Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais da França que prepara uma biografia do pintor Emiliano Di Cavalcanti, um dos nomes mais importantes do modernismo brasileiro e que teve várias passagens por Paris.

Marcelo Bortoloti, pós-doutorando do Museu de Arte Contemporânea da USP.
Marcelo Bortoloti, pós-doutorando do Museu de Arte Contemporânea da USP. © RFI
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Carioca, desenhista e ilustrador, Di Cavalcanti ficaria conhecido ao organizar e participar da semana de Arte Moderna de 1922, realizada na capital paulista pouco antes da primeira viagem dele à França.

“O Di Cavalcanti sempre teve uma aproximação muito grande com a França, a família dele valorizava muito a cultura francesa. E ele sempre viajou ao país quando tinha oportunidade, mas com algumas limitações financeiras,” explica o pós-doutorando do Museu de Arte Contemporânea da USP. Bortoloti seguiu os passos do pintor por Paris entre 1923 e 1924, entre 1936 e 1939 e de 1964 a 1970.

“Na primeira viagem, que foi logo depois da Semana de Arte Moderna de 1922, ele veio junto com os modernistas e aqui teve influência da Escola de Paris”, explica. “A falta de recursos fez com que ele tivesse que ir para Saint-Denis [subúrbio] pintar cartazes. Ou seja, ele era um artista e foi trabalhar como pintor de paredes”, relembra. “Na época ele era correspondente do Correio da Manhã, mas o jornal fechou e ele teve que encontrar uma solução”.

Foi nesse período que Di Cavalcanti conheceu nomes como Picasso, Matisse e outros intelectuais franceses.  

Di Cavalcanti radialista

Na segunda temporada europeia, o pintor modernista trabalhou na rádio Paris Mondial fazendo emissões em português, juntamente com outros artistas brasileiros, como a própria esposa, Noêmia Mourão, e o pintor Cícero Dias. Marcelo Bortoloti destaca que, naquela época, as emissões de rádio eram muito importantes para a luta geopolítica.

“Era uma época de pré-guerra, havia uma disputa de vários países fazendo emissões aqui da Europa para o resto do mundo, especialmente Alemanha, Inglaterra e França. O Di Cavalcanti trabalhou nas emissões da França em português, traduzindo o noticiário francês, claro que com algum viés de interesse político”, observa. “Essas emissões eram captadas no Brasil. Ele fazia uma crônica semanal de Paris, mas era um trabalho massacrante que ele tinha que dividir com a sua produção artística”, completa.  

Obras perdidas por 20 anos

Di Cavalcanti fugiu da França em junho de 1939, quando o exército alemão invadiu o norte do país durante a Segunda Guerra Mundial. Na fuga, deixou para trás todas as suas obras, que ele só veio a encontrar duas décadas mais tarde, perdidas no porão da Embaixada Brasileira.

“Na véspera da invasão de Paris, o Di Cavalcanti fugiu, juntamente com muitos parisienses que foram embora. Na época, havia caravanas, gente viajando de bicicleta, de caminhão ou mesmo a pé, para escapar dessa aproximação dos alemães”, diz Bortoloti. “Só que o Di Cavalcanti tinha mais de 20 quadros, assim como a esposa dele, Noêmia Mourão, também tinha várias pinturas, que eles deixaram com uma empresa de transportes. Porém, a transportadora disse que não podia mandar nada para o Brasil porque as fronteiras estavam fechadas. As obras se perderam durante duas décadas. E, por sorte, ele acabou recuperando tudo depois, no porão da Embaixada do Brasil,” relata.

Pintor nacional

A obra de Di Cavalcanti é marcada por cores vibrantes, formas sinuosas, personagens tipicamente brasileiros e tropicais. “Ele é um pintor nacional que trouxe para a pintura brasileira a experiência da Escola de Paris. É o pintor dos subúrbios, das mulheres brasileiras, até o fim da vida ele foi um pintor nacional”, afirma o pesquisador.

Cassado pela ditadura

Em 1964, Emiliano Di Cavalcanti foi nomeado Adido Cultural em Paris, cargo que ocupou por apenas uma semana, até ser cassado pela ditadura militar. “Ele teve uma fase de envolvimento com o Partido Comunista, em que se dedicava à questão dos trabalhadores, a denunciar desigualdades sociais, como fica muito visível nos desenhos dele”, contextualiza.

“A militância comunista o levou para a cadeia algumas vezes. Nessa época, o presidente era João Goulart, que o nomeou Adido Cultural na França. Ele veio com toda a empolgação, chegou aqui no dia 30 e no dia 1° houve o golpe militar. Di Cavalcanti chegou a tomar posse, mas, uma semana depois, veio a carta de demissão. Ele foi exonerado e acabou ficando exilado na França”, acrescenta.  

Livro sobre Guignard

Jornalista, Marcelo Bortoloti também acaba de lançar um livro sobre outro pintor do modernismo brasileiro: Alberto da Veiga Guignard, que também passou por Paris, nos anos 1920.

Guignard passou a infância e a juventude na França, onde viveu em cidades como Nice, Grasse e a capital Paris. A publicação é a primeira pesquisa que resgata toda a trajetória do artista, que passou grande parte da vida na Europa. “Este é um livro que eu acabei de lançar pela editora Companhia das Letras Guignard, Anjo Mutilado, que reconstitui, pela primeira vez, a história do pintor Guignard, que passou um terço da vida na Europa. Ele morou com a família em várias cidades”, relata.

“Na época, ele era herdeiro de uma fortuna que a família acabou dispersando e ele viveu todo esse período de glória aqui na Europa. Depois estudou na Escola de Belas Artes de Munique e acabou voltando, miserável, para o Brasil. Ele foi um pintor modernista muito importante, menos conhecido do que o Di Cavalcanti, mas é uma figura muito expressiva das nossas artes”, conclui.   

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