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Brasil-Mundo

Pintora brasileira mostra ateliê em usina do século XIX, onde realiza encomenda para colecionador internacional

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É no meio das montanhas da Ardèche, no sudeste da França, que a pintora brasileira Dalva Duarte fez o seu refúgio. Em 2005, ela transformou uma antiga fábrica de fio de seda, do século XIX, num ateliê e residência de 5.000 metros quadrados onde realiza trabalhos de grandes dimensões. ARFI visitou este espaço e conversou com a artista sobre a virada na carreira para a arte abstrata, após receber encomenda de um grande colecionador.

A pintora Dalva Duarte
A pintora Dalva Duarte © Captura de tela
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Foi em Paris, onde ela mantém outro pequeno ateliê, que Dalva conheceu o renomado arquiteto francês Jacques Garcia. Designer de interiores e jardins reconhecido internacionalmente, ele é o proprietário do castelo Champs-de-Bataille, uma obra da arquitetura do século XVII, localizada a uma hora e meia ao norte de Paris. Não por acaso, a construção é conhecida como Versalhes da Normandia. Garcia restaurou a edificação como na época.

“Sentimentos não têm cara”

Um dos maiores colecionadores de arte da França, ele agora desafia Dalva Duarte a trocar a arte figurativa pela abstrata. “Eu tive o privilégio de ele gostar do meu trabalho, especialmente os trabalhos abstratos e vamos atuar juntos. Então, a minha vida está mudando outra vez, a cada dez anos eu começo alguma coisa nova na minha vida”, destaca a pintora.

“Antes deste encontro com o Jacques, eu não me permitia ser uma pintora abstrata. Quando ele viu o meu trabalho, ele disse: ‘Dalva você é uma pintora fantástica abstrata. Eu nunca vi um trabalho tão forte desse’. E eu voltei para o ateliê e comecei a olhar o meu trabalho e gostar e passei a pintar tentando traduzir algum sentimento, porque os sentimentos não têm cara. O medo, o ódio, a frustração, a alegria, tudo isso pode ser traduzido num trabalho abstrato”, observa.

Sonho realizado

Dalva trabalha no lugar que escolheu para viver com a família e para pintar, atividade que exerce desde os 12 anos. “Este ateliê foi uma fábrica de seda de 1850. Eu estava morando nos Estados Unidos e eu queria voltar para a França e um amigo disse: ‘você tem que vir à Ardèche’ e ele, então, me trouxe aqui. Quando eu vi este lugar, eu não tive dúvidas. Então, passei cinco anos reformando e, sobretudo, abrindo todas as janelas porque havia máquinas aqui dentro, era escuro”, conta a artista.

“Toda a minha bagagem de vida está neste lugar, perto de Privas, em Saint-Priest, cheio de montanhas, de verde, tem o rio que passa embaixo, a floresta e isso me inspira muito. Aqui tem uma luz muito boa”, completa.

Com obras espalhadas em vários continentes em coleções de personalidades como o empresário Bill Gates, que tem quatro trabalhos da artista, Dalva diz que o sucesso é um estado de bem estar consigo mesma.  “Eu me permiti ter um ateliê de quase mil metros quadrados, o sonho para qualquer pintor. Uma coisa que eu sempre quis e eu consegui. Isso para mim é chegar lá. De me permitir trabalhar uma tela de 14 metros dentro do meu ateliê com toda a liberdade”.

Alerta para a Amazônia

As telas de grandes dimensões foram necessárias para pintar a floresta Amazônica, uma série de trabalhos que ela realizou apenas de lembranças de infância. “Esses são os curumins tomando banho no rio, brincando no rio Amazonas. O rio é verde, um pouco marrom e as crianças têm este corte de cabelo tradicional de algumas tribos”, conta, ao mostrar um de seus quadros. “Eu não quis fazer um trabalho muito realista, só as silhuetas deles misturadas com a água”, descreve.

“Isso não é um retrato do índio, porque a fotografia do índio quem faz bem é o Sebastião Salgado [fotógrafo]. Isso aqui é um produto da minha imaginação e também das memórias que eu guardei do tempo que eu fui à Amazônia com o meu pai, quando eu tinha 21 anos”, diz.

“Este trabalho tem que ser visto de muito longe. Porque a gente vê as manchas, as cores a textura. Quando se fica a seis metros, aí você vê a floresta e sente a umidade, as cores”, aponta ela, diante da tela de 14 metros de comprimento em que se vê grandes árvores e alguns indígenas.

“Quando eu vi como está queimando, como está sendo destruída e a falta de respeito com os seres que habitam na Amazônia, eu pensei: eu vou fazer o meu pedacinho, o que eu posso para mostrar o que é a Amazônia e como a gente tem que salvar o planeta, o pulmão da humanidade”, alerta.

Saudades do Brasil

Quando perguntada se tem saudade do Brasil, Dalva Duarte revela um misto de emoções. “A minha relação com o Brasil é muito estranha, porque eu tenho saudade, mas daquele Brasil que eu conheci nos anos 1970. Aquele Brasil que tinha uma energia, mesmo que estivéssemos na ditadura, tinha uma esperança e uma coisa muito forte”, relembra. “Agora, quando eu volto, a música mudou. Naquela época, tinha Caetano, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, aquela música doce e gostosa. Hoje, é uma música que eu não gosto e não entendo mais. Eu tenho saudade das feiras, dos cheiros das frutas, das cores”, diz.

“Hoje, quando eu chego no Brasil, eu fico insegura, eu tenho medo da violência. Eu não gosto de viajar porque tudo é difícil. Tudo é diferente. Eu acho que quando eu volto, eu fico procurando a minha juventude que não existe mais”, conclui.

A maranhense, que também tem cidadania americana e é casada com um arquiteto dos Estados Unidos, conta que é na França que ela se sente em casa. “A França é minha mãe. Eu amo tudo na França: a cultura, a língua, o povo, a maneira de viver, a facilidade, a segurança, a beleza. Eu me sinto acolhida aqui, valorizada. No Brasil eu não me sinto valorizada. No Brasil parece que eu tenho que justificar o que eu sou. Aqui não”, conclui.

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