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Brasil-Mundo

Em Lisboa, catarinense apresenta estudo sobre representação negra nos museus brasileiros

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A estudante Letícia Damazio de Jesus falou sobre seu trabalho em uma sessão online organizada pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. 

A estudante Letícia Damazio de Jesus, de 21 anos.
A estudante Letícia Damazio de Jesus, de 21 anos. © Mara Regina Souza Bento
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Fábia Belém, correspondente da RFI  em Lisboa

A representação dos negros nos museus brasileiros é o tema da pesquisa da estudante brasileira Letícia Damazio de Jesus, 21 anos. Natural de Criciúma, em Santa Catarina, um estado onde a população branca é predominante, a estudante deu início ao estudo em outubro do ano passado, no âmbito do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Estado.

Ela tem analisado documentos e obras do acervo de diversos museus, como o Masp, a Pinacoteca e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

“Nós temos negros representados em alguns quadros por artistas brancos, as mulheres negras como objeto sexualizado ou a imagem do negro ligado ao trabalho servil, ligado ao ser escravizado. Falta nas paredes dos museus trazer outras imagens do negro como ele realmente é, não pela visão do colonizador, enfim, do artista branco”, reforça.

O Mestiço

Dentre as obras já analisadas, Letícia cita a tela “O Mestiço”, pintada em 1934 por Candido Portinari. Considerado um dos mais importantes trabalhos do artista, o quadro integra o conjunto de obras da Pinacoteca do Estado de São Paulo.   

O Mestiço (1934) 81 cm x 65 cm

Acervo Pinacoteca do Estado
O Mestiço (1934) 81 cm x 65 cm Acervo Pinacoteca do Estado © Captura de tela/arteref

“O quadro mostra um homem, que está claramente em uma zona rural. Ele está com os braços cruzados olhando para o observador. É uma figura extremamente forte. Ele está se referindo a essa figura, automaticamente, pelo poder da mão-de-obra que ela traz”, analisa a estudante. “Essa figura nunca é retratada com poder de intelecto ou fazendo algo que não seja trabalho servil”, completa.

Letícia ressalta que, no Brasil, “essa mestiçagem, que é tão romantizada pela arte moderna, é fruto de muita violência sexual sofrida pelas mulheres negras e indígenas”.

Samba

Destruída em 2012, a obra modernista “Samba”, criada em 1925 pelo artista Di Cavalcanti, também foi objeto de estudo de Letícia.

“Nesse quadro, temos duas mulheres voltadas para o observador com os seios de fora. Nós temos à esquerda um homem agachado com as mãos no rosto, quase que dormindo. As outras figuras, que são homens, estão em volta delas, dançando ou olhando para elas ou tocando algum instrumento”, descreve.

Samba (Di Cavalcanti)
Samba (Di Cavalcanti) © Captura de tela

Na opinião de Letícia, na obra, Di Cavalcanti pinta a mulher negra como objeto sexualizado. Ao se referir aos homens que compõem a cena, ela sublinha que são retratados como preguiçosos e não só: “quando não é preguiçoso, é aquele ser que é festeiro, que é voltado pra malandragem.”

Interesse internacional

A pesquisa ainda está em andamento, mas já despertou o interesse da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, que fez a estudante brasileira ser selecionada para participar pela segunda vez de um evento internacional. Ela deve apresentar os resultados preliminares no Congresso da instituição portuguesa intitulado “O Retrato. Teoria, prática e ficção. De Francisco de Holanda a Susan Sontag”, que deve ocorrer entre os dias 26 e 28 de abril.

Letícia, que não tem professores negros na Universidade do Estado de Santa Catarina, classifica a pesquisa como um ato de resistência. 

“Pessoas negras como eu têm um difícil acesso à universidade. Como eu consegui esse acesso, sinto que tenho que falar sobre as minhas origens. Conseguir levar essa pesquisa para fora do Brasil já é uma grande vitória para o povo negro. Quando eu estou apresentando, falando algo que envolve o negro, todas as pessoas pretas estão conquistando aquilo comigo”.

Invisibilidade

A estudante de Arquitetura salienta que a sua pesquisa também é uma forma de mostrar às pessoas que, nos museus, o Brasil “não apresenta essa diversidade” pela qual é tão conhecido internacionalmente.

“Essa população é invisibilizada em campos que hoje são elitizados, e a arte é um desses campos”, apesar dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrarem que 54% da população brasileira são pessoas negras, lembra.

“Está aí a importância de eu estar levando essa temática para um evento internacional porque nós não falamos sobre isso”, enfatiza.

 

 

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