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Reportagem

Guerra entre Israel e o Hamas completa um mês com um saldo de mais de 11 mil mortos

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Faz exatamente um mês neste 7 de novembro que o Hamas lançou a operação “Tempestade de al-Aqsa” contra Israel. A iniciativa de guerra, que teve seu nome inspirado de uma das maiores mesquitas de Jerusalém, havia sido promovida pela organização extremista islâmica, que controla a estreita Faixa de Gaza.

Equipes de resgate palestinas tentam retirar uma menina dos escombros de um prédio destruído por um bombardeio em Jabaliya, no norte de Gaza, em 1º de novembro de 2023.
Equipes de resgate palestinas tentam retirar uma menina dos escombros de um prédio destruído por um bombardeio em Jabaliya, no norte de Gaza, em 1º de novembro de 2023. AP - Abed Khaled
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Hoje, um mês depois do início da guerra, a contabilidade segue macabra: são nada menos do que 10 mil mortos reportados pelo Hamas do lado palestino, entre eles 4.000 crianças, uma tragédia sem precedentes, segundo a Unicef.

Do lado israelense, autoridades confirmaram que o número de mortos já passou de 1.400.

Além disso, 242 reféns israelenses ainda se encontram em poder dos extremistas. E Israel já reiterou que não haverá cessar-fogo em Gaza sem a libertação dos prisioneiros israelenses, entre os quais cerca de 30 menores. Do lado israelense, cerca de 1,4 mil mortes foram reportadas, depois do ataque-surpresa do Hamas.

Parentes e conhecidos seguram fotos de pessoas desaparecidas ou mantidas como reféns, como Tamir Adar, Noam Avigdori, Tamar, Elia Toldano, Yafa Adar e Sahar Dan Kalderon, durante uma reunião com um grupo de famílias de reféns e pessoas desaparecidas do Hamas na Assembleia Nacional Francesa, em Paris, em 31 de outubro de 2023. (Foto de Emmanuel Dunand / AFP)
Parentes e conhecidos seguram fotos de pessoas desaparecidas ou mantidas como reféns, como Tamir Adar, Noam Avigdori, Tamar, Elia Toldano, Yafa Adar e Sahar Dan Kalderon, durante uma reunião com um grupo de famílias de reféns e pessoas desaparecidas do Hamas na Assembleia Nacional Francesa, em Paris, em 31 de outubro de 2023. (Foto de Emmanuel Dunand / AFP) AFP - EMMANUEL DUNAND

A Faixa de Gaza continua sem acesso a rede de telefones ou internet. O território palestino de apenas 40 km de comprimento e 11 km de largura, com acesso ao mar Mediterrâneo, foi cortado ao meio pelo conflito, e estrangeiros e cidadãos com dupla nacionalidade tentam desesperadamente sair em direção ao Egito pela passagem de Rafah, ao sul.

Entre eles, muitos brasileiros, que se amontoam em abrigos numa espera angustiante pela permissão de sair do enclave palestino, bombardeado intensivamente por Israel. Segundo o Itamaraty, ao todo cerca de 14 mil brasileiros vivem em Israel, e outros 6 mil na Palestina.

Hospital Al-Shifa, Cidade de Gaza, 5 de novembro de 2023.
Hospital Al-Shifa, Cidade de Gaza, 5 de novembro de 2023. AFP - BASHAR TALEB

A surpresa

Em 7 de outubro, o Hamas atacou por terra, mar e ar e a mídia estrangeira repercutiu a estupefação do exército israelense. No dia anterior, o Estado judeu havia comemorado o 50º aniversário da Guerra do Yom Kippur. Era Shabat, o dia de descanso dos judeus, e o fim do festival de Sukkot, que celebra o êxodo do povo hebreu do Egito. 

Foi também um dia de caos sem precedentes, o mais fatal nos 75 anos do país e o mais mortal para os judeus desde o Holocausto. Os observadores internacionais já falavam então de um "ponto de virada" histórico. Segundo Jean-Paul Palomeros, general e ex-chefe de Estado maior da Aeronáutica francesa, a amplitude da reação de Israel em Gaza era esperada.

"Israel mobiliza suas forças onde pensa que elas podem ser úteis para dissuadir eventuais adversários... Sabemos que houve tiros que foram lançados à partir do Iêmen, drones, às vezes mísseis. Trata-se de um país que se coloca rapidamente em pé de guerra, porque ele é preparado para isso, e porque a História o obrigou a desenvolver essa capacidade ao enfrentamento e à escalada. Fica claro que Israel não vai negligenciar a partir de agora nenhum sinal e nenhuma ameaça", afirmou Palomeros.

Fogos aumentam após um ataque aéreo israelense na Faixa de Gaza, visto do sul de Israel, sábado, 14 de outubro de 2023.
Fogos aumentam após um ataque aéreo israelense na Faixa de Gaza, visto do sul de Israel, sábado, 14 de outubro de 2023. © AP/Ariel Schalit

Os comandos do Hamas superaram todos os obstáculos e entraram no território judeu sem dificuldade. Vídeos circulando nas redes sociais mostravam escavadeiras palestinas forçando a abertura do muro de separação para permitir a livre circulação entre os dois lados.

Os soldados árabes se infiltraram usando parapentes motorizados para realizar um ataque relâmpago em três frentes: em terra, pelo mar, onde os combatentes pousaram nas praias israelenses, e pelo ar, por meio de foguetes, de acordo com a célula de comunicação de guerra das Brigadas Azzedine Al-Qassam, o braço armado do Hamas.

Em Israel, o medo imperava em cada esquina. Imagens sangrentas foram divulgadas nas redes sociais, assim como depoimentos de moradores confinados em suas casas, em total oposição à versão oficial das autoridades israelenses. 

"Estamos em guerra", declarou Benjamin Netanyahu, "o inimigo pagará um preço sem precedentes". O exército israelense anunciou então a convocação de milhares de reservistas. No dia seguinte, o estado judeu descobre aterrorizado as reais dimensões do ataque e, em 9 de outubro, o ministro da Defesa ordena o cerco completo à Faixa de Gaza.

Hamas é "resultado da política de Netanyahu" na região

Três dias após o início do ataque do Hamas, o exército israelense afirmou ter recuperado o controle de seu território e das comunidades atacadas perto da Faixa de Gaza. O saldo da manobra, no entanto, mobiliza a atenção da comunidade internacional. Vozes se levantam contra o bloqueio total de Gaza, contrário ao direito internacional. Uma delas foi a do general francês Dominique Trinquand, ex-chefe da delegação francesa na ONU.

"É preciso lembrar que tudo isso é resultado da politica do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que, de uma certa maneira, apoiou o Hamas durante anos em detrimento da Cisjordânia. O Hamas pôde então se equipar graças ao dinheiro fornecido pelo Catar e às armas proporcionadas por Teerã", afirma Trinquand.

No dia 13 de outubro, Israel ordena que "todos os civis" no norte da Faixa de Gaza se dirijam para o sul e evacuem a Cidade de Gaza em 24 horas. Cerca de 1,1 milhão de pessoas são afetadas pela ordem do mrimeiro-ministro israelense, de acordo com a ONU. No entanto, os cerca de 20 profissionais da organização Médicos Sem Fronteiras presentes no local afirmam que não existe mais água potável e que o deslocamento para o sul é quase impossível.

Muitas crianças são mortas pelos ataques israelenses em Gaza. Aqui, uma jovem vítima é levada para o necrotério em Beit Lahiya, no norte do enclave palestino.
Muitas crianças são mortas pelos ataques israelenses em Gaza. Aqui, uma jovem vítima é levada para o necrotério em Beit Lahiya, no norte do enclave palestino. REUTERS/Finbarr O'Reilly

Especialista em medicina de guerra, o ex-presidente da ONG Médicos Sem Fronteiras, e atual diretor do Mehad France, associação especializada em prestar socorro em situações em conflito, Terzian Mego conta que tenta sem sucesso enviar médicos humanitários para a região.

"Hoje em dia é preciso ter o aval das autoridades israelenses e egípcias, e também do grupo Hamas, e até que não haja um acordo de todos esses atores governamentais e não-governamentais nós não teremos acesso a Gaza", explica o especialista. 

"Além disso, as organizações que operam no enclave há mais de 30 anos têm atualmente muitas dificuldades para trabalhar; a maioria dos médicos estrangeiros deixaram o território palestino há alguns dias por causa da insegurança extrema, e, em paralelo, segundo nossas informações, nenhuma organização internacional conseguiu ainda enviar profissionais médicos até o interior de Gaza", diz Mego.

A voz de Guterres

No dia 14, António Guterres, diretor da ONU, pronuncia sua primeira reprimenda oficial à conduta israelense no conflito contra o Hamas: "Até mesmo as guerras têm regras", alerta.

O Irã advertiu Israel. "Se os crimes do regime sionista contra o povo de Gaza não cessarem, a situação se tornará mais complicada e o campo de batalha se expandirá", diz o regime de Teerã.

O resto do mundo começa a temer de fato uma escalada regional. Em 18 de outubro, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, aterrissa em Israel em um cenário caótico, e manifestou, como era esperado, seu apoio incondicional ao estado Hebreu, além de o eximir de responsabilidade pelo ataque a um hospital de Gaza no dia anterior:

"Nunca há justificativa para ataques terroristas. Deixe-me dizer isso da maneira mais clara possível: que ninguém tente se aproveitar desses eventos, o mundo está olhando", disse o presidente americano. 

Em 20 de outubro, o Hamas libera as primeiras reféns, duas norte-americanas, mãe e filha, depois de uma mediação feita pelo Catar. No dia seguinte, um primeiro comboio de alimentos e ajuda médica entra em Gaza por Rafah.

Mas uma nova contagem aponta que pelo menos 4.651 palestinos, a maioria civis, incluindo mais de 1.500 crianças, foram mortos nos implacáveis bombardeios de retaliação israelenses, de acordo com o Ministério da Saúde do Hamas.

Israel pede a cabeça do chefe da ONU

O chefe da ONU afirma numa declaração sem precedentes que "o ataque terrorista do Hamas não veio do nada", mas "de 56 anos de política de ocupação" na Palestina. Israel pede a cabeça de Guterres através de seu embaixador na organização, Gilad Erdan. 

O pesquisador em Relações Internacionais da Unicamp Gustavo Blum avaliou que, mesmo com a derrota da resolução brasileira sobre o conflito em Gaza no Conselho de Segurança da ONU, durante sua presidência rotativa, a movimentação brasileira representa uma vitória para a diplomacia do país

"Se pensarmos que, nos últimos anos, o país foi tido como um pária internacional e agora apresentou sobretudo uma preocupação com o desastre humanitário, com a vida de crianças, mulheres, idosos que estão sofrendo na região, isso pode ser considerado um grande resultado, mesmo que a resolução não tenha passado – até mesmo pelo placar, com um único voto contra”, salienta. “E não foi um voto contra o Brasil, mas a postura dos Estados Unidos como representante, por procuração dos interesses de Israel no Conselho”

No dia 31, números da ONU anunciam um Halloween macabro na Faixa de Gaza. A mensagem da organização comparava o território palestino a um "cemitério de crianças" e contabilizava mais de 3.450 menores mortos desde o início do conflito. O Unicef pede um cessar-fogo humanitário imediato, com todas as passagens para Gaza abertas para permitir o acesso seguro à ajuda humanitária.

"Crimes de guerra"

O mês de novembro começa com dezenas de estrangeiros e palestinos feridos deixando finalmente a Faixa de Gaza com destino ao Egito através da passagem fronteiriça de Rafah, aberta pela primeira vez à população.

No dia 2, a ONU se posiciona e afirma que os ataques de Israel a campo de refugiados de Labalyia, em Gaza, são possíveis “crime de guerra”. Os ataques deixaram 195 mortos, 777 feridos e 120 desaparecidos, segundo o Hamas. De acordo com as equipes de resgate, "famílias inteiras" foram dizimadas. 

O governo brasileiro trouxe até agora cerca de 1.445 pessoas das regiões em conflito para o Brasil. Foram oito voos vindos de Israel e um da Jordânia nos aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) que são utilizados pelo presidente da República e outras autoridades.

Ataque a campo de refugiados 

O fim de semana que antecede o aniversário do primeiro mês de guerra entre Israel e o Hamas palestino é um dos mais sangrentos do conflito. No domingo (5), bombardeios israelenses atingiram uma casa perto de uma escola no campo de refugiados de Bureij, no centro da Faixa de Gaza, onde estima-se que cerca de 46 mil deslocados estejam abrigados.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) na Palestina revelou no sábado (4), um balanço de 102 unidades de Saúde atacadas por Israel na Faixa de Gaza desde o dia 7 de outubro.

Nesta momento da guerra, aumenta a preocupação de países árabes de que o conflito entre Israel e o Hamas se espalhe pela região.

Israel insiste que só haverá cessar-fogo se os reféns forem liberados pelo Hamas. Enquanto isso, o mundo prende a respiração, nesta que já faz história como uma das guerras mais sangrentas do terceiro milênio.

 

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