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Vigiados pela polícia de Assad, mais de 3 milhões de refugiados sírios temem ser expulsos da Turquia após eleições

Eles são hoje, segundo dados oficiais, cerca de 3,3 milhões de refugiados sírios com residência temporária na Turquia, embora a extrema direita local evoque cerca de 10 milhões de vizinhos fugindo da guerra. Destes, cerca de 230 mil são sírios que obtiveram a nacionalidade turca e podem votar no pleito decisivo deste domingo (28). A RFI conversou com dois refugiados que mobilizam sua comunidade sob o fogo cruzado do discurso antimigrante de ambos os candidatos: Erdogan e Kiliçdaroglu.

A pesquisadora Seba Aboullatif, 28, refugiada síria na Turquia, em entrevista à RFI na sede da associação Forum Syria no bairro de Fatih, em Istambul, 26 de maio de 2023.
A pesquisadora Seba Aboullatif, 28, refugiada síria na Turquia, em entrevista à RFI na sede da associação Forum Syria no bairro de Fatih, em Istambul, 26 de maio de 2023. © RFI / Marcia Bechara
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Marcia Bechara, enviada especial da RFI a Istambul

Para se ter uma ideia de como a narrativa sobre migrantes mobiliza votos nesta eleição presidencial turca de 2023, até mesmo o candidato de tendência progressista e democrática, o turco de origem alevita Kemal Kiliçdaroglu, aderiu recentemente ao discurso antirrefugiados, na busca desesperada pelo voto nacionalista, um dos setores da sociedade turca contemporânea que deve ser decisivo para a eleição deste domingo (28) na Turquia.

Kiliçdaroglu, candidato de uma aliança histórica de seis partidos de oposição, ficou atrás de Erdogan no primeiro turno da eleição presidencial realizada em 14 de maio, frustrando as expectativas das pesquisas de opinião de que ele sairia na frente e poderia até mesmo vencer o pleito por antecipação. O susto eleitoral teve efeito de um verdadeiro backlash, com um alvo preciso: a população migrante síria, agora instrumentalizada por ambos os candidatos para tentar mobilizar o voto dos ultranacionalistas turcos.

Candidato da legenda laica CHP, o Partido Republicano do Povo, Kiliçdaroglu parece ter abandonado a postura moderada e mergulhado de vez na narrativa antimigrante, chegando a dizer, na quarta-feira (24), em seu Twitter, que não abandonaria a "pátria a essa mentalidade que permitiu que milhões de migrantes irregulares viessem para o nosso país". "Aqueles que amam sua pátria, compareçam às urnas", convoca Kiliçdaroglu nas redes sociais. A estratégia é bater de frente com o candidato vencedor do primeiro turno, Recep Tayyip Erdogan (AKP), acusado de autorizar a entrada dos refugiados na Turquia. 

No entanto, dados do ministério do Interior turco reportam que as autoridades capturaram "cerca de 50.600 migrantes irregulares" este ano, até o dia 11 de maio, depois de prenderem 285.000 refugiados clandestinos em 2022. Segundo especialistas, o gesto de Kiliçdaroglu também pode ser visto como um apelo aos apoiadores do terceiro homem na disputa, Sinan Ogan, que fez campanha para mandar de volta os migrantes, incluindo os cerca de 3,3 milhões de sírios deslocados pela guerra.

 

Refugiados sírios no distrito de Ondergazi, em Ancara, capital da Turquia, em 2017.
Refugiados sírios no distrito de Ondergazi, em Ancara, capital da Turquia, em 2017. © ADEM ALTAN / AFP

 

"Não sabemos se a Síria nos quer de volta"

Para Seba Aboullatif, 28, pesquisadora síria do centro de estudos estratégicos da OMRAN, refugiada na Turquia, "ainda não sabemos se teremos que voltar para a Síria, e mais do que isso, se a Síria nos quer de volta", diz, em entrevista à RFI na sede do Forum Syria, associação de ajuda à comunidade de refugiados no bairro popular de Fatih, em Istambul, famoso pela presença de fundamentalistas religiosos de diversos credos.

Segundo ela, "o discurso de ódio sempre existiu, mas não tão forte. Após a crise econômica, esse discurso se fortaleceu. A sociedade turca tentou encontrar alguém para culpar, encontrar um bode expiatório. E então escolheram aqueles que eram os mais fracos, os refugiados", afirma Aboullatif, que mora no país há 11 anos. 

 

Medo de deportação

"Eu acabei me acostumando um pouco a esse tipo de atitude e agora os turcos não têm mais vergonha de expressar esse sentimento", relata. "Comecei a me isolar graças a este fórum e a essas associações, porque ficar exposto a esse tipo de atitude o tempo todo é desgastante", diz. 

"É claro que também há turcos que nos amam e nos protegem. Eles não querem nos mandar de volta para a Síria, mas em uma atmosfera tão nacionalista, não é possível encontrar maneiras de nos livrarmos desse tipo de medo", considera Aboullatif.

"Em primeiro lugar, tenho medo do que vai acontecer com minha família, do que vai acontecer com meu emprego, minha fonte de renda. Mas, acima de tudo, tenho medo do que vai acontecer conosco se voltarmos para a Síria, porque aqui estou em um ambiente de oposição ao regime de [Bashar al, ditador sírio] Assad, e toda a agência de inteligência de sua polícia está nos vigiando neste momento. Se voltarmos para a Síria, certamente pagaremos o preço pelo que fizemos", sublinha a pesquisadora. 

O ativista Taha El-Gazi, fundador de uma grande plataforma pelos direitos dos refugiados sírios na Turquia, em entrevista à RFI na sede da associação Forum Syria em Istambul, 26 de maio de 2023.
O ativista Taha El-Gazi, fundador de uma grande plataforma pelos direitos dos refugiados sírios na Turquia, em entrevista à RFI na sede da associação Forum Syria em Istambul, 26 de maio de 2023. © RFI / Marcia Bechara

Refugiados da Ucrânia sim, mas não da Síria

Taha El-Gazi, fundador de uma grande plataforma pelos direitos dos refugiados sírios na Turquia, considerou, em entrevista à RFI, na sede da associação Forum Syria, que, "infelizmente na Turquia e em aguns países da Europa, como a França de Marine Le Pen e a Itália de Georgia Meloni, existem políticos que exprimem esse tipo de sentimento antimigrante”. “Por que os refugiados da Ucrânia são bem acolhidos na Europa, e os da Síria não? ”, questiona o ativista.

 

“Por que os refugiados da Ucrânia são bem acolhidos na Europa, e os da Síria não? ”, questiona Taha El-Gazi.

 

"Esta situação não é nova na Turquia, há anos que os políticos locais tentam culpabilizar os migrantes pelos problemas econômicos", explica El-Gazi. "A discriminação e esse discurso de ódio já custaram a vida a diversos migrantes na Turquia, como em 23 de junho de 2021, quando houve um incêndio no centro de detenção Harmandali para estrangeiros em Izmir, no oeste da Turquia e três refugiados morreram neste incêndio criminoso”, precisa o ativista.

Para ele, a responsabilidade dessa situação tem que ser assumida também pelo continente europeu. "Os países europeus não receberam os cerca de um milhão de migrantes que prometeram. A violência da agência de controle Frontex, nas fronteiras europeias, que recusa os refugiados sírios, pressiona fortemente a sociedade turca a acolhê-los", afirma.

Nos muros das escolas e nos parques há hoje cartazes e pichações fascistas contra os refugiados sírios, dizendo que o país vai deportar essa população, e é por essa razão que as mães sírias não querem mais enviar seus filhos à escola pública por aqui”, atesta El-Gazi à RFI“As crianças refugiadas sofrem discriminação até de seus jovens colegas turcos”, diz.

Negociações com Assad  estariam em curso

“Além disso, muitos operários sírios desistiram de ir ao trabalho nesse período eleitoral, porque, em alguns bairros, eles foram atacados por grupos de quatro ou cinco pessoas de gangues locais antimigrantes”, testemunhou Taha El-Gazi.

“Sabemos que alguns países árabes e algumas nações europeias já começaram a realizar negociações nos bastidores com Bashar al-Assad com o objetivo de deportar refugiados sírios de volta a seu país de origem, é disso que temos medo”, denunciou.  “Um dos itens da negociação com Assad inclui a deportação de migrantes sírios e, segundo relatórios do Human Rights Watch e da Anistia Internacional, o ditador sírio assassina seu próprio povo com armas químicas”, afirma o militante.

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