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Relatório da Anistia sobre perseguição de mulheres do Afeganistão denuncia crimes contra a humanidade

Apesar das promessas do Talibã de respeitar os direitos das mulheres e das meninas ao assumir o poder, em agosto de 2021, a situação dos direitos humanos em relação às afegãs piorou drasticamente desde que o grupo radical islâmico assumiu o controle de Cabul. É o que aponta um relatório da Anistia Internacional publicado nesta sexta-feira (26), denunciando que os talibãs tem aplicado cada vez mais restrições, com o aparente objetivo de “apagar completamente a presença de mulheres e das meninas da vida pública” do país.

Anistia Internacional denuncia que a situação dos direitos das mulheres piorou drasticamente no Afeganistão desde que o Talibã assumiu o controle, em agosto de 2021.
Anistia Internacional denuncia que a situação dos direitos das mulheres piorou drasticamente no Afeganistão desde que o Talibã assumiu o controle, em agosto de 2021. AP - Ebrahim Noroozi
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De acordo com o documento, agora qualquer forma significativa de participação pública ou política de mulheres e meninas é proibida no Afeganistão. Elas são impedidas de se movimentar livremente e de se vestir como querem. As mulheres também estão banidas da educação depois da escola primária e não podem exercer uma ampla gama de profissões, que inclui empregos ligados à ONGs e ao escritório da ONU no país. Elas também dificilmente recebem nomeações para cargos públicos.

O relatório abrange o período de agosto de 2021 a janeiro de 2023 e baseia sua análise em um crescente escopo de provas recolhidas por fontes fiáveis que incluem a Anistia Internacional, organizações da sociedade civil e autoridades da ONU.

Para os pesquisadores da Anistia Internacional, “as restrições discriminatórias que o Talibã impôs a mulheres e meninas violam direitos humanos e suas garantias, que estão em inúmeros tratados internacionais dos quais o Afeganistão faz parte”, incluindo o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher e a Convenção sobre os Direitos da Criança.

Ao mesmo tempo, a entidade observa que as mulheres que ousaram criar “resistência contra essas políticas foram intimidadas, sofreram perseguição e violência” por parte das autoridades talibãs. Aquelas que participaram de protestos, por exemplo, foram “submetidas a detenções arbitrárias, desaparecimento forçado, tortura e outros atos cruéis e desumanos”, ou tratamento ou punição degradantes.

“Demonstramos que essa perseguição baseada em gênero, por sua amplitude e caráter organizado sistemático, constitui possíveis crimes contra a humanidade. Porque há restrições drásticas a que são submetidas as mulheres na vida cotidiana, incluindo proibição de deslocamentos e o isolando da vida pública”, cita Nathalie Godard, diretora do escritório de ações da Anistia Internacional da França, em entrevista à RFI.

“Em segundo lugar, porque há uma repressão feroz contra as mulheres. Por protestarem ou se deslocarem sem a supervisão de um homem, elas são presas, torturadas e violentadas de forma sistemática”, completa. “Por isso falamos em uma guerra contra as mulheres. Pedimos que os responsáveis por esses crimes sejam julgados pela justiça internacional, na Corte Penal Internacional, e que não sejam protegidos em nenhum lugar do mundo”, completa Godard. Por fim, “também pedimos que as mulheres e jovens afegãs obtenham automaticamente o status de refugiadas”, conclui.

Menos proteção

A Anistia Internacional relata que “as proteções disponíveis para mulheres e meninas foram essencialmente removidas por decisão do Talibã de dissolver o quadro institucional de apoio para sobreviventes de violência de gênero que existia anteriormente”.

De acordo com o relatório, “as políticas adotadas pelas autoridades de fato do Talibã restringem severamente os direitos humanos, incluindo os direitos à educação e ao trabalho, e à liberdade de movimento, expressão, associação e reunião pacífica, bem como os direitos à igualdade e à não discriminação”.

A Anistia Internacional segue dizendo que “o tratamento de mulheres manifestantes viola uma série de direitos, incluindo, em alguns casos, o direito de estar livre de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes; o direito à liberdade e segurança e a proibição de desaparecimentos forçados”.

Além disso, a exigência do Talibã de que as mulheres viajem com um acompanhante masculino, para trajetos de longa distância, um decreto estipulando que elas devem ficar em casa - a menos que seja necessário - e o rígido código de vestimenta do Talibã viola a liberdade de movimento das mulheres e a liberdade de escolher o que vestir em público.

Essas políticas “são impostas por meio de uma série de atos opressivos, incluindo o uso sistemático de prisão, tortura e outros maus-tratos e desaparecimento forçado, atos praticados pelas autoridades talibãs, que usam o aparato de segurança do antigo governo, incluindo estruturas que foram dedicadas ao policiamento e instalações públicas, como centros de detenção”, descreve a denúncia.

Como ainda explica o relatório, “o peso da evidência sugere que esses flagrantes direitos humanos e violações podem equivaler ao crime contra a humanidade de perseguição de gênero”, denuncia a Anistia Internacional.

Em abril deste ano, os 15 membros do Conselho de Segurança da ONU adotaram, por unanimidade, uma resolução condenando a decisão tomada, no início do mesmo mês, pelas autoridades do Talibã, de estender às Nações Unidas a proibição de ONGs de empregar mulheres afegãs. De acordo com a ONU, isso "prejudica os direitos humanos e os princípios humanitários ".

O Talibã já baniu as mulheres dos parques e jardins do Afeganistão, uma das últimas áreas de liberdade que lhes era permitida desde que o regime fundamentalista islâmico impôs severas restrições.
O Talibã já baniu as mulheres dos parques e jardins do Afeganistão, uma das últimas áreas de liberdade que lhes era permitida desde que o regime fundamentalista islâmico impôs severas restrições. AP - Petros Giannakouris

Status de refugiadas

O relatório da Anistia Internacional publicado nesta sexta-feira “fornece uma avaliação legal de por que mulheres e meninas que fogem da perseguição no Afeganistão devem ser presumivelmente consideradas refugiadas, com necessidade de proteção internacional”.

A partir dos fatos relatados, a Comissão Internacional de Juristas e a Anistia Internacional recomendam que os “Estados, individual e coletivamente, incluindo os países ao redor do Afeganistão, devem exercer jurisdição universal ou jurisdição extraterritorial similar em relação à liderança talibã e outros responsáveis por suas políticas discriminatórias em relação às mulheres e meninas, que se qualificam como crimes, de acordo com a lei internacional, sempre que viajam para fora do Afeganistão”.

O objetivo é enviar uma mensagem clara aos líderes e membros do Talibã de que suas políticas discriminatórias contra mulheres e meninas não são e nunca serão toleradas.

“A terrível situação no Afeganistão e os crimes que afetam mulheres e meninas justificam uma forte resposta envolvendo investigações completas, independentes e eficazes para estabelecer as bases para a justiça e responsabilidade”, diz o documento.

Os Estados devem considerar todas as mulheres e meninas afegãs que fogem do Afeganistão como refugiadas, de acordo com a Convenção de Refugiados de 1951, devido à perseguição que sofrem por causa de seu gênero.

Por fim, o relatório sugere que as autoridades do Talibã no Afeganistão “devem respeitar, proteger, promover e cumprir todos os direitos humanos das mulheres e meninas, incluindo não discriminação e igual proteção, liberdade de expressão, associação, religião, reunião pacífica, privacidade, educação e participação pública”.

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