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China usa celular para espionar uigures e considera leitura do Alcorão como extremismo, denuncia ONG

Na Região Autônoma de Xinjiang, a China levou a vigilância em massa a seu extremo. Em uma nova investigação publicada nesta quinta-feira (4), a ONG Human Rights Watch (HRW) mostra como a polícia espiona smartphones para rastrear todas as ações de uigures e outras minorias muçulmanas em nome da luta contra o terrorismo. Conforme o relatório, ter trechos do Alcorão em seu celular é razão suficiente para que as autoridades chinesas levem um uigur para interrogatório policial.

Uma mulher da comunidade uigur que vive na Turquia usa máscara com mão pintada com as cores da bandeira da China,  em protesto contra a repressão chinesa.
Uma mulher da comunidade uigur que vive na Turquia usa máscara com mão pintada com as cores da bandeira da China, em protesto contra a repressão chinesa. AP - Markus Schreiber
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Com informações de Heike Schmidt, da RFI

A investigação mostra que a polícia chinesa tem um banco de dados com 50 mil arquivos considerados extremistas, usado no que a China chama de combate ao terrorismo. Esses arquivos são procurados nos smartphones de uigures e cidadãos de outras minorias muçulmanas em Xinjiang em um sistema de vigilância em massa.

A investigação revelou que, entre 2017 e 2018, a polícia realizou buscas em 1,2 milhão de telefones celulares em Urumqi - a capital de Xinjiang. Entre o material considerado "extremista" aparecem trechos do Alcorão

Em entrevista à RFIMaya Wang, pesquisadora da Human Rights Watch na China, explica os métodos utilizados pelas autoridades chinesas nesta repressão em massa.

RFI - A nova investigação mostra que, em Xinjiang, ouvir capítulos do Alcorão no celular é o suficiente para alguém ser preso?

Maya Wang: Sim. Analisamos cientificamente um banco de dados que a polícia usa. Estamos documentando crimes contra a humanidade cometidos em Xinjiang desde 2017, sabíamos que as pessoas eram detidas e presas apenas porque seus telefones continham pregações islâmicas. Mas essa nova investigação mostra que as autoridades consideram a gravação de pregação e recitação do Alcorão perigosa e extremista. Nós a identificamos em um de seus bancos de dados oficiais e agora entendemos melhor como a vigilância funciona.

O que há nesse banco de dados das autoridades chinesas que vocês conseguiram acessar?

Analisamos uma lista de 50.000 arquivos classificados como violentos ou extremistas pela polícia. 9% desses arquivos incluem conteúdo violento, cenas sangrentas como decapitações. 4% contêm incitação à violência. Mas essa é uma proporção muito pequena dos arquivos. Mais da metade, 57% para ser exata, são textos religiosos simples, incluindo recitações do Alcorão, que não são extremistas ou violentos.

O que a polícia chinesa quer dizer com os termos "violento" ou "extremista"?

Esse é exatamente o problema na China e particularmente em Xinjiang: o governo chinês diz que está combatendo o terrorismo e o extremismo, mas esses termos são definidos de forma muito vaga. Muitas vezes, não se trata de divulgar conteúdo violento, extremista, ou de incitar a violência. Se você criticar o governo, pode ser acusado de ser extremista. As leis antiterrorismo são redigidas de forma extremamente vaga na China. Mas em Xinjiang, as autoridades vão além dessas leis e muitas vezes agem ilegalmente. Sob a bandeira do antiterrorismo, quase tudo é considerado terrorismo. 

Podemos dizer que o smartphone se tornou a melhor maneira de vigiar a população?

É isso que nosso estudo demonstra. O que é chocante em nossa pesquisa é a extensão e a velocidade com que a polícia consegue analisar todo o conteúdo dos telefones. Em Urumqi, a capital (que tem 3,5 milhões de habitantes), eles examinaram 1,2 milhão de telefones nada menos que 11 milhões de vezes em apenas nove meses. Imagine quantos agentes seriam necessários se isso tivesse que ser feito manualmente. Seria quase impossível. Mas a tecnologia permite verificar o conteúdo do seu celular muito rapidamente. A história de Xinjiang mostra por que a vigilância é problemática. É possível reprimir uma sociedade com meios técnicos simples e sofisticados. A cada dia, o Estado dá um passo a mais. E a cada passo, a liberdade é ainda mais violada de forma muito intrusiva.

A Human Rights Watch pede uma investigação internacional e independente em Xinjiang. Mas como pressionar a China a aceitá-la?

Em outubro passado, o Conselho de Direitos Humanos da ONU queria aprovar uma resolução para discutir a situação em Xinjiang. Mas ela fracassou porque muitos países se opuseram a ela. Esperamos que nas próximas sessões, a partir de junho, governos como o da França assumam a liderança na solicitação de uma resolução, na discussão e no estabelecimento de um mecanismo para examinar as violações de direitos humanos da China, especialmente em Xinjiang.

Isso é viável, é apenas uma questão de saber se há vontade política de fazê-lo no Conselho de Direitos Humanos.

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