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Por que as Olimpíadas davam medalhas à arte e à literatura antes da 2ª Guerra Mundial

Eventos artísticos e literários nos Jogos Olímpicos? Embora eles sempre tenham existido entre 1912 e 1948, ninguém mais se lembra dessas modalidades. Três meses antes de Paris 2024, a RFI rememora essa história esquecida.

"Salto com barreiras - a corrida": a segunda tela de um tríptico sobre a modalidade esportiva do pintor luxemburguês Jean Jacoby, um dos artistas mais premiados nos Jogos Olímpicos.
"Salto com barreiras - a corrida": a segunda tela de um tríptico sobre a modalidade esportiva do pintor luxemburguês Jean Jacoby, um dos artistas mais premiados nos Jogos Olímpicos. © Wikimedia Commons
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“Finalmente, um último elemento: a beleza, por meio da participação das Artes e do Pensamento nos Jogos. Podemos celebrar o festival desta primavera humana sem convocar o Espírito?”, questionava o pioneiro Pierre de Coubertin em 1935, ao definir sua concepção filosófica dos Jogos Olímpicos modernos, uma visão que influenciou e formatou a maior disputa esportiva do planeta nos moldes em que a concebemos hoje.

“Não há dúvida de que o Espírito domina; o músculo deve permanecer seu vassalo, mas com a condição de que sejam as formas mais elevadas de criação artística e literária, e não aquelas formas inferiores (sic) que uma permissividade cada vez maior permitiu que se multiplicassem hoje em dia, em grande detrimento da civilização, da verdade e da dignidade humanas, e das relações internacionais”, continuou Coubertin, uma espécie de conservador visionário de sua época.

Competições inspiradas no esporte

O fato é que, entre 1912 e 1948, houve competições de literatura, pintura, escultura, arquitetura e música, todas com criações inspiradas no esporte. As competições artísticas olímpicas evoluíram, e o número de participantes em busca de uma medalha de ouro aumentou.

Hoje, todos nós já nos esquecemos disso. Louis Chevallier, autor do livro Les Jeux Olympiques de littérature (Os Jogos Olímpicos da Literatura, publicado pela editora Grasset na França), explicou em entrevista à RFI que “Coubertin não via os Jogos Olímpicos como meros eventos atléticos, mas queria transformá-los em algo sagrado, no estilo da Antiguidade, e para ele era essencial envolver escritores e artistas no processo”. Embora Coubertin fosse um atleta campeão de tiro, ele também gostava de escrever.

O Estádio Olímpico de Amsterdã em 1928, projetado pelo arquiteto holandês Jan Wils.
O Estádio Olímpico de Amsterdã em 1928, projetado pelo arquiteto holandês Jan Wils. © Wikimedia Commons

Em seu livro, Chevallier fala especialmente das Olimpíadas de Paris de 1924, quando “foi decidido que as coisas deveriam ser extremamente bem feitas e que era preciso, portanto, recrutar júris de grande prestígio para todas as competições”, lembra.

Por exemplo, para as competições literárias, havia nomes como Jean Giraudoux, Paul Claudel, Gabriele d'Annunzio, Paul Valéry, Edith Wharton, os ganhadores do Prêmio Nobel Maurice Maeterlinck e Selma Lagerlöf.... Entre os concorrentes figuravam ainda Henry de Montherlant e Robert Graves.

Campanha contra as artes

Muitos artistas viam esses eventos com desconfiança, por medo de prejudicar sua reputação ou porque tinham que se basear exclusivamente em temas esportivos.

Mesmo assim, o público apreciou as obras de arte deste tipo de evento por vários anos. Em 1928, o escultor francês Paul Landowski levou a medalha de ouro com “The Boxer”, o luxemburguês Jean Jacoby ganhou o ouro pela segunda vez na "modalidade" pintura e derivados, e o arquiteto holandês Jan Wils ganhou o ouro por seu estádio olímpico em Amsterdã.

E quando nenhuma obra merecia o ouro, apenas a prata e/ou o bronze eram concedidos, como em Los Angeles, em 1932, quando o compositor e violinista tchecoslovaco Josef Suk se viu sozinho no pódio com uma medalha de prata por sua obra “Towards a New Life”.

O esvaziamento causado pela guerra

Em 1940 e 1944, os Jogos Olímpicos foram suspensos quando quase todos os países participantes se envolveram na Segunda Guerra Mundial.

Quando retornaram, os eventos artísticos enfrentaram um grande problema: a obsessão do novo presidente do COI, Avery Brundage, com o amadorismo absoluto e a falta de dinheiro, como explica Richard Stanton, autor de The Forgotten Olympic Art Competitions (As competições olímpicas de arte esquecidas), na Smithsonian Magazine.

Como os artistas dependiam da venda de suas obras para ganhar a vida e como a conquista de uma medalha olímpica poderia servir como publicidade, Brundage, apesar de ter inscrito uma obra literária nos Jogos de 1932, liderou uma campanha contra as artes depois de 1948.

Após um debate acalorado, foi decidido que as competições de arte deixariam de existir. Elas foram substituídas por uma exposição não competitiva a ser realizada durante os Jogos, conhecida como "Olimpíada Cultural", que se repete agora 100 anos depois, em Paris 2024.

As 151 medalhas que haviam sido concedidas foram oficialmente removidas do registro olímpico e não contam mais para a contagem geral de medalhas de qualquer país.

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