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Porto de Beirute: Juiz retoma investigação sobre explosão, indicia procurador-geral e desafia classe política

O juiz encarregado da investigação sobre a explosão do porto de Beirute, em 2020, continua a desafiar o poder no Líbano, e indiciou, nesta terça-feira (24), um procurador-geral do país, isso apenas um dia depois de tomar a mesma decisão em relação a dois poderosos oficiais de Segurança.

O juiz encarregado da investigação da explosão do Porto de Beirute, ocorrida em 2020, indiciou nesta terça-feira (24) o procurador-geral Ghassan Oueidate e três magistrados pela responsabilidade no incidente.
O juiz encarregado da investigação da explosão do Porto de Beirute, ocorrida em 2020, indiciou nesta terça-feira (24) o procurador-geral Ghassan Oueidate e três magistrados pela responsabilidade no incidente. REUTERS - ISSAM ABDALLAH
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Para surpresa de todos, o juiz Tarek Bitar decidiu retomar nesta segunda-feira (23) a investigação da explosão, após uma suspensão de mais de um ano, apesar da enorme pressão política a que está submetido. O incidente deixou mais de 200 mortos, 6,5 mil feridos e destruiu setores inteiros da capital libanesa.

“Investigação portuária: Tarek Bitar enlouqueceu”, diz a manchete do diário Al-Akhbar, nesta terça-feira, próximo ao poderoso Hezbollah pró-iraniano que domina a vida política no Líbano.

Bitar acusou o procurador-geral do Tribunal de Cassação, Ghassan Oueidate, e outras sete pessoas, incluindo três magistrados, de "homicídio", o primeiro caso na história do Líbano, afirmou um funcionário judicial nesta terça-feira. Reagindo a esta acusação, a promotoria libanesa rejeitou todas as decisões do juiz encarregado da investigação.

A enorme explosão de 4 de agosto de 2020 foi causada pelo armazenamento descuidado de centenas de toneladas de nitrato de amônio em um depósito do porto. O episódio foi atribuído por grande parte da população à corrupção e à negligência da classe dominante, também acusada pelas famílias das vítimas e ONGs de atacar a investigação para evitar indiciamentos.

Hezbollah

De acordo com o funcionário judicial, Oueidate havia supervisionado, em 2019, uma investigação dos serviços de segurança sobre rachaduras no depósito onde o nitrato de amônio era armazenado sem medidas de segurança.

Nesta segunda-feira, os nomes de dois altos funcionários de segurança indiciados pelo juiz Bitar haviam vazado: o poderoso diretor da Segurança Geral, Abbas Ibrahim, considerado próximo do Hezbollah, e o chefe da Segurança do Estado, Tony Saliba, próximo do ex-presidente Michel Aoun, e cujo mandato expirou há três meses.

Ao todo, 13 pessoas estão sendo processadas, incluindo cinco responsáveis diretos que o juiz Bitar já havia indiciado no passado, incluindo o ex-primeiro-ministro Hassan Diab, além de ex-ministros.

Bitar determinou as datas para os interrogatórios entre 6 e 13 de fevereiro, ainda de acordo com informações do mesmo oficial de justiça. O ex-primeiro-ministro Hassan Diab, que liderava o governo na ocasião da explosão de 4 de agosto de 2020, já se recusou a comparecer quando intimado.

Ordens americanas

O magistrado decidiu retomar a investigação após uma tentativa das autoridades nos últimos meses de nomear um juiz substituto remunerado para contorná-lo. A tentativa falhou, mas Bitar foi impedido de realizar seu trabalho devido a cerca de 40 processos movidos contra ele por políticos, incluindo aqueles que ele queria interrogar, e por uma campanha liderada pelo Hezbollah, que o acusa de parcialidade.

O jornal Al Akhbar o acusou nesta terça-feira de agir "com base em ordens americanas e com apoio judicial europeu". Bitar encontrou, na semana passada, dois magistrados franceses que estiveram em Beirute como parte da investigação aberta por Paris, uma vez que houve cidadãos franceses entre as vítimas da explosão.

O porta-voz do Departamento de Estado americano assegurou que os Estados Unidos "apoiam as autoridades libanesas e as exortam a realizar uma investigação rápida e transparente", de acordo com um tuíte nesta terça-feira da Embaixada americana em Beirute.

Símbolo da justiça independente

Ao decidir desafiar toda a classe política, o juiz Tarek Bitar ultrapassa todos os limites no Líbano e impressiona por sua ousadia. Este discreto magistrado de 48 anos, com reputação de ser incorruptível, personifica para muitos o símbolo da justiça independente, um dos últimos pilares do Líbano à beira do colapso.

"Ele é corajoso, ousado até, a ponto de enfrentar todo o poder que obstrui a investigação há dois anos e meio", declarou Cécile Roukoz, uma das advogadas das famílias das vítimas da explosão. Ela mesma perdeu o irmão.

O juiz tem a confiança inabalável dos familiares das vítimas da tragédia, mas incomoda grande parte da classe política que, unida contra ele, provocou a interrupção de sua investigação em dezembro de 2021.

"Ele sabe que está sendo ameaçado, mas não tem medo. Quer ir até o fim porque é movido por sua consciência. É um juiz que não se submete ao poder político", acrescenta Cécile Roukoz.

Investigação politizada

Bitar desafia o poderoso Hezbollah pró-iraniano, que exige sua substituição há mais de um ano, acusando-o de parcialidade, além de tentar politizar a investigação. Em outubro de 2021, uma manifestação motivada por essa organização política e paramilitar fundamentalista islâmica xiita e o movimento Amal, seu aliado, foi organizada para exigir a saída do juiz.

“Ele repete que não vai admitir a derrota apesar da pressão e que não vai abandonar a investigação”, garante uma pessoa próxima a Bitar. O juiz enfrenta crescentes ameaças à sua segurança e parece tomar precauções ao viajar. Ele forjou ao longo dos anos uma reputação de magistrado "íntegro e incorruptível", admitem mesmo seus detratores.

(Com informações da AFP)

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