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Rendez-vous cultural

Teatro Zoukak renasce das cinzas após ser destruído pelas explosões do porto de Beirute

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Nem todo mundo sabe, mas o animal que simboliza a capital libanesa é a mítica Fênix, metade pássaro, metade dragão, que, desde o culto ao Sol no Egito antigo, faz referência à capacidade de se reconstruir de suas próprias cinzas. Nenhuma outra descrição se aproximaria melhor do que encarna hoje o célebre Teatro Zoukak em Beirute. Literalmente reduzido a pó após a dupla explosão no porto, ele agora volta a acolher novas criações em sua nova sede, um trabalho que começou em 2006 com refugiados.

Omar Abi Azar é diretor e fundador da premiada companhia de teatro libanesa Zoukak, em Beirute, 17 de maio de 2022.
Omar Abi Azar é diretor e fundador da premiada companhia de teatro libanesa Zoukak, em Beirute, 17 de maio de 2022. © RFI/Marcia Bechara
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Márcia Becharaenviada especial da RFI ao Líbano

"Qual é o país no qual queremos viver", e não "qual é o país do qual queremos fugir", essa é uma das questões essenciais do Teatro Zoukak, que há mais de 15 anos trabalha com refugiados, traumatismos de guerras, grupos de vulnerabilidade social no Líbano, misturando clássicos da dramaturgia universal a suas próprias criações. "Ficar" ou "fugir" parece ser mesmo uma das questões essenciais do Líbano contemporâneo, como relatou à RFI o diretor do teatro, e um de seus fundadores, Omar Abi Azar, em Beirute.

Para pensarmos juntos qual é o país onde queremos viver, e não aquele do qual queremos ir embora...

"Hoje, como o resultado das eleições [legislativas, no Líbano] começam a nos mostrar, esse lugar vai ser reinaugurado nas próximas semanas como um recomeço, certamente sobre ruínas, mas também sobre a derrota simbólica e prática da máfia governamental libanesa", afirma o diretor. "Os primeiros resultados nos dão coragem para continuar, retomar as atividades, dar apoio aos jovens e realizar nossas próprias criações; para pensarmos juntos qual é o país onde queremos viver, e não aquele do qual queremos ir embora", diz Abi Azar.

O Teatro Zoukak fica no bairro Karantina (quarentena), a leste do porto de Beirute, uma região que recebeu seu nome da quarentena imposta aos viajantes que chegavam à capital libanesa e que tinham que se confinar em um forte durante a peste, no século 19. Além disso, o "massacre de Karantina", como ficou conhecido a matança de cristãos no local, é um dos episódios mais dramáticos da guerra civil libanesa

Trata-se de um lugar que quer lutar contra a amnésia

"Com o arquiteto e a equipe da reforma, chegamos à conclusão que queríamos mudar tudo, mas sem apagar as ‘cicatrizes’ dessa explosão", afirma Abi Azar. "Para que, de alguma forma, não nos esqueçamos que esta explosão aconteceu, porque esta amnésia é a fonte de todos os problemas atuais. Como se trata de um lugar de cultura, de reflexão, trata-se também de um lugar que quer lutar contra a amnésia, e criar um novo discurso para o amanhã", diz, esperançoso, no meio do caos da reforma na sede do Zoukak.

O novo estúdio do teatro Zoukak, que havia acabado de ser concluído em 2019 na vizinhança, foi completamente destruído em 4 de agosto de 2020, com as explosões no porto de Beirute. Os artistas estavam ensaiando no local 10 minutos antes da explosão, de acordo com Omar Abi Azar. O diretor e os atores testemunharam as explosões em um café próximo, cujo teto caiu com a força das explosões. Agora eles estão terminando o trabalho de reconstrução do local, como conta Abi Azar. 

Levamos três anos para juntar nossas forças e reunir os fundos necessários para ter o desejo de recomeçar neste país em queda livre

"Tínhamos um pequeno estúdio em 2008 e foi apenas em 2017 que conseguimos abrir esta sede aqui. Foram anos até que este lugar acontecesse na cidade, e apenas num piscar de olhos, no 4 de agosto de 2020, o trabalho de 15 anos desapareceu. Foi apenas mais um absurdo pela qual o país passava", avalia o diretor. "Levamos três anos para juntar nossas forças e reunir os fundos necessários para ter o desejo de recomeçar neste país em queda livre. Mas, espelhando o resultado das eleições, vamos reinaugurar o teatro abrindo uma nova era, certamente sobre as ruínas, mas também sobre a derrota simbólica e concreta da máfia governamental. O resultado dessas eleições nos dá coragem para continuar", diz. 

O Zoukak vem trabalhando desde 2006 com refugiados de guerra e populações traumatizadas por conflitos e violência. Em 2013, os artistas libaneses do Zoukak se mudaram para a Europa (Áustria, Alemanha e depois Calais, na França) para trabalhar com a onda de refugiados da Síria e de outros países. Suas criações são exibidas em vários teatros europeus. 

"Começamos a trabalhar em 2006 em nossa primeira criação, e aconteceram os ataques israelenses sobre o Líbano", lembra Omar Abi Azar. "Confrontados com a realidade, ao invés de dizer que nossos sonhos iriam se evaporar, decidimos ir para os campos e escolas para onde se dirigiram os refugiados que vinham do sul, e começamos a fazer teatro com as crianças, os jovens, as mulheres, os mais velhos. Essa se tornou nossa base de trabalho, fazer intervenções de teatro em situações de crise. E, sobretudo, começamos a encenar na Europa a partir de 2013 com os refugiados na Sérvia, na Alemanha e em Calais, esta é uma grande parte do nosso trabalho", relata o diretor.

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