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“Exortação da Amazônia deixou claro que papa está do lado dos pobres”, diz padre francês

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Intitulada “Querida Amazônia”, a exortação pós-sinodal publicada na quarta-feira (12) pelo papa mostrou que o líder da Igreja Católica se posicionou claramente em favor da preservação da floresta e da proteção dos povos amazônicos e dos pobres, de acordo com a análise do padre francês François Glory. O religioso, que viveu 30 anos na região, também ressaltou a habilidade política do papa Francisco ao rejeitar expressamente a ideia de uma “internacionalização” da Amazônia.

O padre François Glory nos estúdios da Rádio França Internacional.
O padre François Glory nos estúdios da Rádio França Internacional. Foto: RFI Brasil/ Elcio Ramalho
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“O que mais me chamou a atenção foi o amor que o papa demonstrou pela Amazônia. Ele escutou especialistas, antropólogos, sociólogos, bispos. Ele tem uma aproximação mais social e humanista pela poesia”, afirmou François Glory, que durante seu período no Brasil ficou conhecido como padre Chico. 

“Ele está olhando com carinho cada aspecto, o sofrimento do povo, e ele se pergunta como deve ser a atuação da Igreja Católica na Amazônia. Ele faz isso de maneira muito poética, ninguém podia esperar isso de um papa”, acrescenta, em referência às citações do sumo pontífice a poetas e escritores latino-americanos na exortação.

No longo texto, o papa Francisco revela quatro sonhos para a região: cultural, social, ecológico e eclesiástico. O documento é uma reflexão do papa sobre as propostas e assuntos discutidos e apresentados durante o Sínodo da Amazônia, que reuniu durante três semanas no Vaticano líderes religiosos, povos amazônicos e representantes da comunidade científica.

Na entrevista à RFI, o padre François Glory analisou os diferentes pontos abordados pelo sumo pontífice.

“Na parte social, o papa diz: ‘estou vendo o que está acontecendo, o sofrimento, as injustiças, o passado e o presente e a invasão da Amazônia’. Ele olha de maneira crítica, denunciando os crimes e as injustiças”, opina.

No aspecto cultural, o padre francês lembra que 105 povos indígenas convivem na vasta região amazônica e eles representam uma riqueza ainda muito desconhecida para os ‘brancos’, que “quando chegam a esses locais, ainda tentam impor sua visão e modelo de desenvolvimento”. O sumo pontífice, segundo padre Glory, faz questão de respeitar as comunidades autóctones e lança um questionamento: “Como podemos reconhecer essas culturas?”, indaga. 

Do ponto de vista de seu “sonho ecológico”, o papa faz um apelo pela preservação da Amazônia respeitando o conhecimento e as tradições e dos povos que durante muito tempo vivem no local e garantiram sua preservação.

"Não" à ordenação de homens casados

Mas é sobre o papel da Igreja no futuro amazônico que o papa revelou sua pouca margem de manobra para propor reformas profundas. Propostas de ordenação dos homens casados e novos ministérios para mulheres para contornar o grande problema da falta de padres em regiões remotas da Amazônia não foram temas que avançaram na agenda reformista.

Segundo o padre Glory, o papa Francisco não fechou as portas para uma reflexão mais aprofundada de temas que encontram muita resistência, principalmente entre os setores mais conservadores da Igreja. “Ele não cai nesta polêmica e não aceita que o Sínodo dos Bispos seja um órgão sindical ou de manifestação. Isso ele não aceita”, opina.

Padre Chico esclarece que o papa Francisco não fecha as portas para os temas: “Ele continua estudando e diz: ‘não aceito e por enquanto eu não abro para a ordenação de homens casados. Ou de ordenação de mulheres. Não está maduro. Ele não quis responder a uma questão tão difícil de maneira apressada. Será preciso uma reflexão mais aprofundada”.

O religioso descarta a ideia de uma pressão da ala conservadora da Santa Sé sobre as opiniões expressas pelo papa na exortação. “Com a Igreja, ele (papa) não pode sonhar muito. A Igreja é dividida, conflituosa, mas ao mesmo tempo tem a responsabilidade de anunciar o Cristo. E anunciar o Cristo é uma mensagem libertadora. De certa maneira, ele retoma a teologia da libertação, retomando essa inspiração profética, ligando a fé com a vida e mostrando acima de tudo que está do lado dos pobres”, diz. “Nesta exortação ficou bem claro que ele é o papa dos pobres porque é uma exigência de sua fé”, prossegue.

Não à “internacionalização” da Amazônia

Padre François admite que o sumo pontífice mostrou habilidade política ao defender o papel e responsabilidade dos governos nacionais sobre a preservação da Amazônia, rejeitando expressamente a não “internacionalização” da região, como chegou a ser sugerida pelo presidente francês Emmanuel Macron. 

“Ele é argentino, conhece a realidade e sabe que cada governo é preocupado com as fronteiras e a territorialidade e não vai entrar em conflito, mesmo se ele pensa que seria bom, mas não seria a solução”, afirma.

“Ele quer responsabilizar cada governo, cada entidade política a se responsabilizar por cuidar de sua própria terra, mas em sintonia com os outros, isso é importante”.

Segundo o padre francês, qualquer iniciativa de apontar a incapacidade dos governos locais de cuidar de suas terras e apelar para a intervenção de uma entidade internacional poderia repercutir negativamente no papel da própria Igreja. “Isso iria provocar uma “guerra e a Igreja ficaria desacreditada porque a proposta seria absurda” conclui.

Veja a entrevista em vídeo na íntegra

 

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