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Vaticano/Sínodo

Ao descartar ordenação de homens casados na Amazônia, papa indica conservadorismo

A Exortação pós-sinodal do papa Francisco intitulada Querida Amazônia e publicada nesta quarta-feira (12), não aborda a questão da ordenação de homens casados, amplamente debatida durante o Sínodo para a Amazônia. Esta ausência indica que para o papa – favorável ao celibato – as discussões sobre a possibilidade do fim desta regra, obrigatória aos sacerdotes de rito católico apostólico romano desde o século 11, ainda estão longe de alcançar um consenso dentro e fora do Vaticano.

O papa Francisco publicou nesta quarta-feira (12) a Exortação Querida Amazônia.
O papa Francisco publicou nesta quarta-feira (12) a Exortação Querida Amazônia. Vatican News
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Correspondente da RFI em Roma

O jesuíta Adelson Araújo, professor na Universidade Gregoriana em Roma, foi um dos convidados para a apresentação da Exortação Querida Amazônia aos jornalistas. Ele defende que é preciso mais discernimento sobre a questão. “É uma pergunta que teríamos que nos fazer: por que o tema do celibato nos assusta tanto? Acredito que a nossa Igreja, mesmo com todo o carisma e pensamento de Francisco, ainda precisa continuar todo um processo de reflexão, como talvez o próprio papa tenha percebido, trilhando um caminho sinodal em relação ao celibato”, disse.

O jesuíta Adelson Araújo foi um dos apresentadores da Exortação Querida Amazônia aos jornalistas.
O jesuíta Adelson Araújo foi um dos apresentadores da Exortação Querida Amazônia aos jornalistas. RFI/Rafael Belincanta

A Exortação é dividida em quatro capítulos: um sonho social, um sonho cultural, um sonho ecológico e um sonho eclesial. Na primeira parte, Francisco adverte para o “conservacionismo que se preocupa somente em preservar o meio ambiente”, esquecendo as populações originárias que, segundo o papa, estão sujeitas “aos poderes locais e externos”.

Para contrastar com as consequências da exploração econômica do território "que traz corrupção, morte e devastação", o papa incentiva a criação de “redes de solidariedade e desenvolvimento” que promovam o “diálogo social”, sobretudo em benefício dos mais pobres.

Aspectos culturais

A seguir, a Exortação aborda os aspectos culturais amazônicos, ameaçados pela “colonização pós-moderna”. Neste ponto, Francisco aposta nos jovens amazônicos e lhes pede para que “assumam as suas raízes” contra a "homogeneização cultural" provocada pelo consumismo.

Sobre os povos ameaçados ou em risco, especialmente os índios isolados, o papa afirma que todo projeto para a Amazônia deve ter como base “a perspectiva do direito dos povos”, uma vez que eles, ao verem desaparecer o ambiente no qual nasceram e vivem, dificilmente escapariam “ilesos”.

Na terceira parte da Exortação dedicada à ecologia integral, o papa defende uma maior “responsabilidade dos governos nacionais e locais” em vez da “internacionalização” da Amazônia. O texto reitera ainda que a ecologia não é uma questão meramente técnica, e sim “um aspecto educativo”.

Ameaça de “savanização” da floresta

O professor Carlos Nobre, prêmio Nobel da Paz em 2007 pelo seu trabalho no Painel intergovernamental sobre Mudanças climáticas (IPCC), também participou da apresentação da Exortação. Nobre destacou os aspectos científicos do documento, sobretudo o incentivo a novos modelos de agricultura sustentável, energias renováveis e geração de empregos dignos. Ele alertou sobre a ameaça da “savanização da floresta” que para ele é o "coração biológico do planeta".

“Estamos vendo transformações no sul da Amazônia que nos levam a uma grande preocupação, um enfraquecimento desse coração biológico do planeta. Temos que agir muito rapidamente, reduzir o desmatamento em toda Amazônia. Temos que restaurar enormes partes da floresta com árvores nativas para ver se ainda conseguimos impedir o ponto de não retorno. Talvez estejamos entre 15 e 30 anos para esse ponto de não retorno, quando teremos 50% ou 60% da floresta desmatada”, alertou.

O professor Carlos Nobre, prêmio Nobel da Paz em 2007 pelo seu trabalho no Painel intergovernamental sobre Mudanças climáticas (IPCC).
O professor Carlos Nobre, prêmio Nobel da Paz em 2007 pelo seu trabalho no Painel intergovernamental sobre Mudanças climáticas (IPCC). RFI/Rafael Belincanta

Nobre sublinha que as atividades agrícolas e a pecuária na Amazônia são muito ineficientes e que, no Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu a reflorestar 12 milhões de hectares de floresta. “Não há necessidade de se expandir o desmatamento. E esta não é só uma afirmação da ciência, os ministros da Agricultura dos países amazônicos sabem que não é mais necessário expandir e desmatar, e sim reflorestar”, recordou Nobre.

Contra a clericalização das mulheres

No último capítulo o papa expressa o seu desejo de ver uma “Igreja de rosto amazônico”, com uma “renovada inculturação do Evangelho” em que o “acesso aos Sacramentos seja para todos”. Para isso, exorta ao fortalecimento da presença e trabalho "incisivo dos leigos".

Neste contexto, Francisco exorta os bispos para que “enviem missionários” e favoreçam “o protagonismo dos leigos” na região. Além disso, o papa afirma que "os diáconos permanentes deveriam ser muito mais numerosos na Amazônia".

Sobre o espaço feminino na igreja amazônica, o papa é contrário “à clericalização das mulheres”. Por outro lado, reconhece que muitas realidades católicas se “mantiveram graças ao forte e incessante trabalho delas” e, por isso, incentiva a criação de “novos serviços femininos que não requeiram a ordem sacra e que lhes permitam expressar melhor o seu lugar próprio".

A religiosa Augusta de Oliveira da congregação Servas de Maria Reparadora.
A religiosa Augusta de Oliveira da congregação Servas de Maria Reparadora. RFI/Rafael Belincanta

A religiosa Augusta de Oliveira, cuja congregação Servas de Maria Reparadora está presente há 100 anos na Amazônia, também esteve presente na apresentação. Ela aclamou a parte dedicada às mulheres. “Queremos mais participação, sobretudo nos espaços de decisão. Sinodalidade significa caminhar juntos, homens e mulheres, em reciprocidade para construir uma igreja com rosto amazônico”, defendeu.

Clique aqui para ler a íntegra da Exortação Amazônia Querida, em português, que está disponível para consulta pública

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