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Após quatro meses, brasileira vítima de feminicídio na França será enterrada em Paris

Quatro meses e meio após o assassinato da brasileira Franciele Alves da Silva, 29, morta por seu marido, Rodrigo Martin, em 25 de setembro do ano passado, na região parisiense, o corpo poderá finalmente sair do Instituto Médico Legal e ser enterrado em Paris nesta segunda-feira (15). Não era este o plano inicial de Jurandir Silva, 62, e Thiago Silva, 25 – respectivamente pai e irmão de Franciele –, quando vieram à capital francesa para resolver os trâmites legais relacionados à repatriação do corpo e à guarda dos dois filhos da paranaense.

Jurandir e Thiago Silva, pai e irmão de Franciele Alves da Silva, assassinada em setembro de 2020, mostram captura de tela de uma conversa da vítima com o seu pai, quando ela passava em frente à Torre Eiffel, em Paris. Na foto no celular, Franciele carregava duas rosas, uma branca e uma vermelha, e mostrava a Torre ao seu pai.
Jurandir e Thiago Silva, pai e irmão de Franciele Alves da Silva, assassinada em setembro de 2020, mostram captura de tela de uma conversa da vítima com o seu pai, quando ela passava em frente à Torre Eiffel, em Paris. Na foto no celular, Franciele carregava duas rosas, uma branca e uma vermelha, e mostrava a Torre ao seu pai. © RFI/ Paloma Varón
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“Eu queria voltar com a minha filha para o Brasil, mas, como a juíza não liberou, vamos enterrá-la temporariamente por aqui”, lamenta Jurandir, que gostaria de realizar o último desejo expresso pela filha: o de ser enterrada junto com a avó, em Maringá (PR), onde ela nasceu. Jurandir e Thiago estão em Paris desde 29 de dezembro de 2020 e voltarão ao Brasil nesta semana, logo após o sepultamento da filha e irmã, mas os processos nas varas criminal e de família continuam na Justiça francesa.

Jurandir mostra, emocionado, as muitas chamadas que Franciele fazia ao seu celular: "todos os dias, ao menos três vezes ao dia, ela me ligava". A última ligação foi algumas horas antes de ela morrer. "Ela pressentia o que iria acontecer. Ela me falou que estava com medo do marido, que ele ia chegar do trabalho e ela tinha medo. Parece que ela sentia que vinha uma tragédia. Nesta ligação, ela me disse que, se acontecesse algo com ela, que eu levasse ao menos suas cinzas de volta para Maringá", diz o pai, que, apesar dos alertas da filha, não achava que a situação fosse tão grave. 

O crime chocou a comunidade brasileira no país europeu. Logo após a morte, o coletivo Femmes de la Résistence (Mulheres da Resistência), liderado pela baiana residente na França Nellma Barreto, entrou em contato com a família da vítima no Brasil e organizou uma coleta de fundos. Foram arrecadados € 8.000 (aproximadamente R$ 52.000) em alguns dias, para financiar a ida dos familiares à França.

O plano era que eles chegassem o quanto antes para tratar da repatriação do corpo e do pedido da guarda dos filhos de Franciele, que hoje têm 5 e quase 3 anos. Entretanto, uma série de acontecimentos atrasaram a vinda da família e os processos na Justiça francesa, em plena pandemia, com restrições a viagens internacionais. “Além disso, erramos na escolha do advogado e o processo ficou parado. Nada andava”, conta Nellma, que se encarregou pessoalmente da recepção e da estadia do pai e irmão de Franciele em Paris, inteiramente financiadas pela arrecadação.

Reviravolta no caso

No primeiro encontro da família com a nova advogada, Caroline Toby, já houve uma reviravolta importante no caso: por ser amigo e confidente de Franciele – a quem ela contava inclusive que tinha medo de ser morta pelo marido –, seu pai descobriu que tinha no seu celular um documento, em francês, que mudaria os rumos do caso.

Em março de 2020, a vítima foi a um cartório em Paris e fez uma procuração passando a guarda do seu filho mais velho, Noah, ao pai dela, “caso ela morresse”. Este documento, assinado pela vítima e reconhecido em cartório, pode ajudar não só no pedido de guarda das duas crianças, como para provar que Franciele sofria ameaças de seu marido, pai biológico apenas de seu segundo filho, Liam, de quase 3 anos.

Jurandir e Thiago prestaram depoimento à polícia francesa e foram reconhecidos oficialmente como testemunhas do crime. Como eram muito próximos de Franciele, eles serão ouvidos também no dia do julgamento, com acareação com o acusado. “Nós já demos a nossa versão à polícia. Voltaremos para o julgamento e vamos lutar por prisão perpétua”, dizem.

A repatriação do corpo foi negada pela juíza da vara criminal. A família decidiu entrar com um recurso, mas vai aguardar o resultado no Brasil, já que o veredicto pode levar anos. “Soubemos que o assassino deve ser julgado até 2023, então não tem como prever uma data. Enquanto isso, é possível que tenha de fazer uma outra autópsia no corpo [que já passou por três autópsias, das quais duas a pedido da defesa de Rodrigo] e ele precisa estar em território francês”, explica Thiago.

Franciele Alves da Silva gostava de morar na França pois queria dar um futuro melhor para os filhos.
Franciele Alves da Silva gostava de morar na França pois queria dar um futuro melhor para os filhos. © Arquivo Pessoal/ FB

“O meu desejo e o da Fran era poder voltar para o Brasil e enterrá-la lá, mas, como isso não é possível por ora, assinei um termo no cemitério para ela poder ficar aqui por até dez anos. Mas, um dia, eu a levarei para o Brasil, nem que sejam suas cinzas”, diz o pai.

Reencontro com as crianças

Já o processo pela guarda das crianças corre na vara de família, com outra juíza. A primeira audiência está marcada para 30 de junho, quando a família deve estar de volta a Paris. Sob a tutela do Estado francês desde quando Rodrigo confessou o crime, as crianças vivem agora com uma família designada pelos serviços sociais e frequentam escola e creche, enquanto as autoridades decidem o seu destino.

Não foi tão fácil para os familiares brasileiros conseguir uma autorização para visitar as crianças presencialmente. “Passamos por uma série de entrevistas com psicólogos franceses, que nos orientaram, entre outras coisas, a não mencionar o nome dos pais das crianças, nem falar do crime. As crianças também estavam sendo preparadas para nos ver”, conta Jurandir.

O encontro finalmente aconteceu em 29 de janeiro, um mês após a chegada deles à França. “Eles haviam nos orientado a ficar a uns 10 metros das crianças e deixá-las se aproximar aos poucos. Mas quando Noah me viu, ele veio correndo me abraçar”, conta Jurandir, emocionado. Liam também reconheceu o avô – as fotos que ele guarda em seu celular mostram as crianças sorridentes. Os meninos não falam mais português, mas o avó tem certeza de que eles entendiam tudo.

Após verem que as crianças estão bem cuidadas e se desenvolvendo bem, Jurandir e Thiago contam que voltam ao Brasil "um pouco mais aliviados e sobretudo confiantes" de que conseguirão a guarda de Noah e Liam, além de um dia poderem atender ao último pedido de Franciele.

Eles dizem que, apesar das circunstâncias, se sentiram "muito bem acolhidos" pelo Estado francês e o coletivo Femmes de la Résistence, “que deu apoio material, psicológico e esteve ao nosso lado o tempo todo”. “Eu só lamento que tenha escrito dois e-mails ao consulado do Brasil em Paris e nunca obtive resposta”, revela Thiago.

Vida em família

Franciele e Thiago cresceram numa casa em que o pai criava sozinho a sua prole e Franciele, por ser mais velha, não só era muito próxima de Thiago, como chegou a trocar suas fraldas e a ajudar o pai a cuidar do irmão. "Fran era mais que uma irmã, ela era como uma mãe para mim, uma companheira com quem eu dividia tudo", conta Thiago.

Em meio a esse drama, um momento de alegria: a filha mais nova de Thiago, Mariana, nasceu em 18 janeiro, em Maringá, quando ele estava envolvido em depoimentos e audiências em Paris. “Eu perdi uma irmã, mas ganhei uma filha, que vai ser minha companheira, como Fran sempre foi”, diz o irmão, emocionado.

 

 

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