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“Vamos continuar no Mercosul”, diz vice do candidato a presidente da Argentina Javier Milei

Em entrevista à RFI, Victoria Villarruel, candidata a vice-presidente de Javier Milei, explicou sua postura a favor das vítimas das guerrilhas de esquerda durante o regime militar e sua reivindicação do papel das Forças Armadas. Apesar das declarações de Milei, a favor de “acabar com o Mercosul”, ela afirmou que quer rediscutir a dinâmica do bloco. “Vamos continuar, mas queremos eficiência", disse.

Victoria Villarruel candidata a vice-presidente pelo partido A Liberdade Avança, de Javier Milei, espera pelo início do debate dos candidatos para eleição presidencial na Argentina, em Santiago del Estero, Argentina, em 1° de outubro de 2023.
Victoria Villarruel candidata a vice-presidente pelo partido A Liberdade Avança, de Javier Milei, espera pelo início do debate dos candidatos para eleição presidencial na Argentina, em Santiago del Estero, Argentina, em 1° de outubro de 2023. via REUTERS - POOL
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

“Sou Victoria Villarruel. Sou advogada. Sou técnica em segurança urbana e portuária. Presido a associação civil Celtyv, que solicita o reconhecimento de direitos humanos para as vítimas do terrorismo.” Assim se apresentou a candidata a vice-presidente do ultraliberal conservador Javier Milei (A Liberdade Avança) num debate no canal de notícias TN, em 20 de setembro.

Javier Milei, conhecido como o Bolsonaro argentino,é favorito na corrida para as eleições de 22 de outubro. Se ganhar, Villarruel, de 48 anos, provavelmente será ministra da Defesa e da Segurança, responsável pela Agência de Inteligência, além de presidente do Senado

A advogada, filha e sobrinha de militares que tiveram um papel importante durante o regime militar argentino (1976-1983), é conhecida por defender a chamada “memória completa”. Isto é, não apenas condenar militares e policiais pelos crimes durante a ditadura – para ela, parte da história – mas também julgar os guerrilheiros de esquerda – que chama de terroristas – pelos atentados cometidos antes e durante o período militar, sob o entendimento de que houve uma "guerra interna". Para isso, fundou, em 2006, o Centro de Estudos Legais sobre o Terrorismo e suas Vítimas (Celtyv, na sigla em espanhol).

Os organismos de direitos humanos da Argentina, no entanto, veem no discurso humanitário de Villarruel uma reivindicação da ditadura, em sintonia com as conhecidas defesas de aliados na região, como o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro ou o chileno Antonio Katz. Mais do que uma reivindicação, consideram que o objetivo da candidata é o de reescrever o passado.

Relação com o Brasil do presidente Lula

Logo após a vitória nas eleições primárias por 30,4%, em 13 de agosto, Javier Milei tornou-se o favorito para as eleições gerais de 22 de outubro, descartando manter a aliança estratégica da Argentina com o Brasil, governado pelo presidente Lula. “Não tenho parceiros socialistas”, disse. Seria diferente se o Brasil fosse governado pelo aliado ex-presidente Jair Bolsonaro, com quem disse ter uma relação “excelente”.

No mês passado, Milei voltou a insistir sobre sua rejeição a Lula, caso seja eleito. “Não vou fazer negócios com nenhum comunista. Eu sou um defensor da liberdade, da paz e da democracia. Os chineses não entram nisso. Putin não entra nisso. Lula não entra nisso”, listou Milei, esclarecendo que não haverá proximidade entre governos nem Estados, mas que o setor privado é livre para ter comércio com o país que quiser.

Para ele, Lula é um “esquerdista selvagem que apoia ditaduras que violam os direitos humanos” e um “socialista com vocação totalitária”.

Villarruel minimizou as declarações do candidato e afirmou à RFI que “são os principais interessados em resolver a polarização do passado”.

“O Brasil é um país sumamente importante para a Argentina. Somos sócios e temos muitos pontos em comum. Alguns dos nossos irmãos latino-americanos estão no Brasil. Qual relação vamos ter? A melhor. Porque nós queremos realmente ter uma boa relação. Somos os principais interessados em que a polarização do passado, em que os conflitos do passado sejam resolvidos”, disse.

Victoria Villarruel durante o debate entre candidatos a vice-Presidência da Argentina.
Victoria Villarruel durante o debate entre candidatos a vice-Presidência da Argentina. © Foto Márcio Resende

Futuro do Mercosul

Para Javier Milei, o Mercosul é “um fracasso comercial”. Após as primárias, o candidato disse que pretende retirar a Argentina do bloco, formado ainda por Brasil, Paraguai e Uruguai.

“Vamos terminar com o Mercosul. É uma união alfandegária de má qualidade, que gera desvios comerciais e danos para todos os seus membros. O Mercosul é um fracasso que serviu apenas para negócios entre políticos e empresários”, acusou Milei.

A RFI quis saber se o Mercosul corre mesmo perigo caso Javier Milei seja eleito. Para Villarruel, a Argentina vai continuar no Mercosul, mas o bloco precisa se modernizar.

“Infelizmente, o Mercosul não tem sido uma estrutura que redunde em benefício para as nossas nações. Com maiores ou com menores diferenças, todos nós temos objeções contra o Mercosul. Independentemente disso, estamos dentro desse bloco. Vamos continuar. Mas acho que é necessário expor algum tipo de política que dê, não apenas continuidade, mas principalmente eficiência. Para que estamos no Mercosul se a única coisa que fazemos é sustentar uma casca vazia?”, questionou.

Valorização do papel histórico dos militares

Victoria Villarruel é filha do tenente-coronel Eduardo Villarruel, um militar que teve papel importante durante a última ditadura, incluindo participação de comando na Guerra das Malvinas (1982). “Um herói das Malvinas”, exalta ela. Em 1987, o pai se amotinou contra o presidente democrático Raúl Alfonsín, negando-se a fazer juramento à Constituição argentina e orgulhando-se de “ter lutado contra a subversão”.

Seu tio, Ernesto Villarruel, chegou a ser preso em 2015 por crimes cometidos num centro clandestino de prisão, tortura e morte, mas a Justiça o declarou incapaz de afrontar o processo. Já seu avô, o contra-almirante Laurio Hedelvio Destéfani, é considerado um dos maiores historiadores da Marinha argentina.

“Na Argentina, chegamos ao ponto discutir o papel das Forças Armadas, as políticas militares e, inclusive, o passado. Durante as últimas quatro décadas de democracia, a classe política escolheu demonizar as Forças Armadas. O que eu faço é reconhecer o papel das Forças Armadas, das forças policiais e de Segurança. É reconhecer que nós estamos pedindo a outros argentinos uniformizados que deem a vida pela pátria, contra a delinquência, em proteção dos cidadãos, mas depois não podemos demonizar as Forças Armadas e responsabilizá-las, como um bode expiatório, por tudo. A sociedade está cansada desse discurso do passado”, explicou à RFI.

Javier Milei, candidato a presidente da Argentina pelo partido A Liberdade Avança, e a candidata a vice-presidente Victoria Villarruel durante comício, em Buenos Aires, em 13 de agosto de 2023.
Javier Milei, candidato a presidente da Argentina pelo partido A Liberdade Avança, e a candidata a vice-presidente Victoria Villarruel durante comício, em Buenos Aires, em 13 de agosto de 2023. AP - Natacha Pisarenko

A impronunciável “ditadura”

A candidata nunca menciona a palavra “ditadura”, preferindo a expressão “governo de fato”. Não repudia a ação militar daquele período, optando por questionar a atual política de direitos humanos.

Considera que houve uma guerra e que, assim como os militares foram julgados e condenados, também devem ser julgados os guerrilheiros que tantas vítimas fizeram. Para isso, concentra-se nos parentes das vítimas dos atentados cometidos pela guerrilha desde 1969, mas, sobretudo, a partir de 1973, três anos antes do começo formal do regime militar.

Villarruel também critica que as condenações aos militares sejam classificadas como “crimes de lesa humanidade”, uma classificação que os torna imprescritíveis. Ela Considera que os “abusos” foram delitos comuns e, por isso, já prescritos.

Os organismos de direitos humanos acusam Victoria Villarruel de “reivindicar a ditadura” e alertam para o risco que a democracia corre caso Javier Milei seja eleito.

“Eu não reivindico nenhum governo de fato. O que eu vou reivindicar sempre é que as vítimas do terrorismo tenham direitos humanos”, argumenta, apontando contra os governos que, desde a recuperação da democracia em 1983, tiveram entre os seus integrantes ex-membros de grupos que promoviam a luta armada contra os militares.

“Nesses governos, desde 1983, houve terroristas e parentes desses terroristas que reivindicam essa violência. Foram funcionários que conduziram os destinos da nossa nação. Isso deveria ser repudiado por todos. Na Argentina, temos terroristas decidindo o destino da nossa nação democrática”, rebate Victoria Villarruel.

Desde que a dupla Milei - Villarruel ganhou as primárias, indicando um favoritismo para as eleições gerais, apontado por todas as pesquisas de opinião, o centro da corrida eleitoral passou a ser a chapa do partido A Liberdade Avança, foco de todas as análises, mas também de todos os ataques opositores.

“Isso está acontecendo porque A Liberdade Avança, Javier Milei e eu, realmente representamos a mudança. Os demais candidatos e as demais coalizões políticas são o passado. Os argentinos querem uma mudança porque o desmoronamento deste país é responsabilidade deles, dos demais candidatos”, conclui.

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