Acessar o conteúdo principal

Argentina evita moratória, mas desvalorização do peso é quase inevitável depois das primárias

Sem dinheiro disponível nas reservas do Banco Central, a Argentina recorreu a um empréstimo transitório com o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e a um novo crédito salvador da China para pagar parcelas da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Entretanto, na opinião de analistas ouvidos pela RFI, dificilmente o governo poderá evitar uma desvalorização do peso depois das primárias de 13 de agosto.

O ministro da Economia e pré-candidato à eleição presidencial, Sergio Massa, precisava evitar uma moratória da dívida para enfrentar as eleições primárias de 13 de agosto.
O ministro da Economia e pré-candidato à eleição presidencial, Sergio Massa, precisava evitar uma moratória da dívida para enfrentar as eleições primárias de 13 de agosto. © AFP - HANDOUT
Publicidade

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Apenas uma hora antes da abertura dos mercados na segunda-feira (31), data em que vencia o prazo de reembolso de US$ 2,7 bilhões ao FMI, o ministro da Economia da Argentina e candidato à Presidência, Sergio Massa, anunciou uma operação financeira de emergência, fechada contra o relógio, para evitar uma nova moratória da dívida: o vencimento seria pago por meio de um inédito empréstimo-ponte da Corporação Andina de Fomento (CAF) e de um novo crédito da China, cujos juros e prazos são mantidos sob sigilo, a pedido dos chineses.

“A Argentina não vai usar nenhum dólar das suas reservas para pagar o vencimento de hoje”, anunciou o ministro Massa, em tom épico de campanha, como se a Argentina tivesse essa alternativa. O anúncio foi, na prática, o de um novo endividamento para pagar a dívida.

Essa solução evitou uma nova moratória, enquanto um acordo – limitado até novembro – espera pela aprovação da Diretoria Executiva do FMI. Com reservas líquidas disponíveis negativas de US$ 11 bilhões, a Argentina rumava a um novo “default” transitório da dívida, à espera que a Diretoria Executiva do FMI se reúna entre os dias 17 e 21 de agosto, depois do recesso de verão em Washington. Os mercados teriam castigado o país durante esse período de espera que coincide com as eleições primárias no país em 13 de agosto.

As primárias para as eleições gerais de outubro de 2023 na Argentina são obrigatórias, abertas e têm peso no cenário eleitoral equivalente ao de um primeiro turno. Sergio Massa é ministro, mas também candidato a presidir o país, apesar de uma inflação acumulada de 115,6% nos últimos 12 meses, desde que começou a sua gestão.

“Tínhamos essa incerteza em torno do pagamento que a Argentina devia realizar. Quero transmitir tranquilidade: hoje o Banco do Povo Chinês e o governo da China decidiram permitir o uso de yuans, equivalentes a US$ 1,7 bilhão para completar o pagamento ao FMI”, detalhou Massa, somando o montante chinês ao crédito-ponte da CAF de US$ 1 bilhão.

Esta é a primeira vez que a CAF, um banco de desenvolvimento que financia projetos de infraestrutura na região, autoriza um empréstimo para um país pagar dívidas. O empréstimo chinês faz parte da segunda metade de um swap total de US$ 10 bilhões, equivalentes em yuan. Nos últimos três meses, sem fontes de financiamento e com escassas reservas no Banco Central, a Argentina gastou 60% dessa linha emergencial.

Essa mesma alternativa deve ser tomada na sexta-feira (4), quando a Argentina terá de pagar outros US$ 700 milhões ao FMI.

“Sentimos que usando a geopolítica, com criatividade, com a assistência dos países amigos da Argentina, podemos atravessar esta ponte para sair definitivamente da crise”, defendeu Sergio Massa.

Campanha eleitoral sob turbulência financeira

Diversos economistas de referência da Argentina preveem que o acordo com o FMI esconda o compromisso por parte do ministro de desvalorizar o peso argentino, tal como o Fundo Monetário tem insistido desde abril.

“É altamente provável uma desvalorização depois de 13 de agosto”, acredita o economista Carlos Melconian.

“O problema é como chegaremos ao final de agosto com as reservas tão negativas”, questionou o deputado e ex-ministro da Economia Ricardo López Murphy.

“As metas com as quais a Argentina se comprometeu não podem ser atingidas sem uma desvalorização ou o país não cumprirá com o acordo. Suspeito que haverá medidas do governo depois das primárias e antes que a Diretoria do FMI aprove o acordo. Será um mês muito tenso”, prevê.

Acordo não inclui novos créditos

Na sexta-feira passada (28), o Ministério da Economia da Argentina e o FMI anunciaram um acordo técnico pelo qual a Argentina receberá um desembolso de US$ 7,5 bilhões, previstos para junho (ainda retidos) e outubro, depois que a Diretoria Executiva do FMI aprovar a negociação técnica a partir de 17 de agosto e depois das eleições primárias argentinas, cruciais para a campanha do ministro-candidato. O desembolso é para a Argentina pagar a dívida com o próprio FMI, contraída em 2018 por US$ 44 bilhões.

Sem que a Argentina pudesse pagar o empréstimo, o FMI concedeu um novo crédito em março de 2022, equivalente à dívida anterior, mas com novos prazos prolongados de pagamento, trocando, proporcionalmente, dívida velha de curto prazo por dívida nova de médio prazo.

Como condição, a economia argentina precisaria passar por revisões trimestrais. Porém, desde março passado, o país deixou de cumprir com as metas, alegando ter sido afetado por uma seca histórica que afetou o equivalente a US$ 20 bilhões em exportações agrícolas, principal motor da economia.

Desvalorização parcial

Segundo o comunicado do FMI, será exigido “um maior endurecimento da política fiscal durante o segundo semestre”, uma condição que “o governo se comprometeu a aplicar com firmeza".

Como passo prévio ao acordo, Massa aplicou uma “desvalorização fiscal”, impondo um imposto entre 7,5% e 25% sobre o dólar usado em importações de bens e serviços. O imposto é uma forma de aumentar o valor do dólar, sem desvalorizar formalmente o peso argentino, artificialmente valorizado por severas restrições cambiais e movimentações de capital.

“Uma desvalorização de 30% teria um impacto inflacionário de 15 pontos. A desvalorização fiscal terá impacto de 2 a 3 pontos sobre a inflação de agosto, elevando o atual patamar a 8% ou 9%. Mas o imposto permite ao ministro Massa arrecadar US$ 500 milhões a mais por mês, dando a ele recursos para distribuir durante a campanha”, avalia o economista Fernando Marull.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.