Acessar o conteúdo principal
Linha Direta

Inflação na Argentina se estabiliza em torno de 8% mensal e avança a um ritmo de 150% ao ano

Publicado em:

Os 7,8% de inflação em maio podem indicar que a economia argentina encontrou um nível de flutuação entre 7% e 8% ao mês, que se projeta a 150% em 2023. Apesar de elevado, o novo patamar afasta, por enquanto, o risco de uma espiral inflacionária na casa dos dois dígitos mensais, que poderia desembocar numa hiperinflação. Mas o panorama é frágil e depende de um novo acordo com o FMI neste mês, justamente quando começa uma imprevisível corrida eleitoral até outubro.

População troca pesos argentinos por dólares para evitar perdas com taxas de inflação. Foto feita nas ruas de Buenos Aires, em junho de 2022.
População troca pesos argentinos por dólares para evitar perdas com taxas de inflação. Foto feita nas ruas de Buenos Aires, em junho de 2022. AFP - LUIS ROBAYO
Publicidade

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O mercado calculava em 9%, mas o índice de inflação de maio ficou em 7,8%, acumulando 114,2% nos últimos 12 meses. Desde dezembro passado, a taxa crescia de forma galopante até os 8,4% de abril. A progressão punha o país à beira de tocar os dois dígitos de inflação mensal, sob risco de uma hiperinflação. Os 7,8% de maio, que causariam pânico em qualquer economia estável, foram vistos com alívio.

“É um pouco melhor do que se esperava, mas continua sendo um nível altíssimo. Mesmo alguns décimos abaixo de abril, fica evidente o fracasso da política anti-inflacionária do governo”, avalia à RFI Daniel Artana, economista-chefe da Fundação de Investigações Econômicas Latino-americanas (FIEL), uma referência no país.

O risco de uma descontrolada espiral inflacionária na Argentina ainda não foi descartado, mas teve a sua linha do horizonte afastada, pelo menos, por enquanto. O mercado agora trabalha com um índice em torno de 7,5% em junho, um índice elevado que, se for mantido, levará a inflação a fechar o ano em 150%.

“Embora a inflação de maio tenha ficado abaixo do esperado, não podemos perder de vista que essa subida equivale a um ritmo anual de 146,3%. A inflação acumulada durante o governo de Alberto Fernández (dezembro de 2019 a maio de 2023) chega agora a 387%”, aponta o economista Lautaro Moschet, da Fundação Liberdade e Progresso.

O problema estrutural da Argentina continua inalterado: o déficit fiscal é financiado com emissão monetária sem respaldo e o país ficou sem reservas no Banco Central.

“Não existem fundamentos nem monetários nem fiscais para pensar numa desaceleração da inflação”, acrescenta Moschet.

Sem planos nem mágicas

A Argentina não tem acesso ao mercado de crédito internacional, mal recebe investimentos e não possui um plano de estabilização, muito menos de reformas. Mesmo assim, o ministro da Economia, Sergio Massa, quer concorrer à presidência sob a lógica de que, sem ele, o país iria a uma hiperinflação.

“Em abril, com 8,4% de inflação, o ritmo anual era de 163%. Agora, com 7,8%, são 146%. Mesmo com uma ligeira elevação do pé do acelerador, a velocidade com a qual os preços aumentam deixa o país sob o risco de uma colisão a qualquer momento. Sim, risco de uma hiperinflação”, considera o deputado e economista Martín Tetaz.

A definição se Sergio Massa será candidato virá até o próximo dia 24, quando vence o prazo para inscrição das candidaturas para as eleições de outubro e com um provável segundo turno em novembro. É como uma campanha eleitoral em três turnos porque as primárias em 13 de agosto são abertas e obrigatórias.

Em dezembro passado, Sergio Massa disse que, a partir de abril, a inflação na Argentina se estabilizaria ao redor de 3%. A realidade quase triplica essa previsão.

“Não existe a menor possibilidade de o governo reduzir a inflação a 3% ou a 4% porque requer um plano anti-inflacionário que não existe, mas também não parece provável que a inflação suba a 15% nos próximos meses. É uma situação delicada”, acredita Daniel Artana.

Pela pesquisa mensal que o Banco Central realiza com os principais agentes econômicos do país, a Argentina fecharia o ano com 148,9%. A projeção para os próximos 12 meses, ou seja, até maio do ano que vem, chega a 171%, indicando que a inflação vai continuar alta ganhe quem ganhar a corrida eleitoral.

Impacto da corrida eleitoral

Historicamente, durante uma campanha eleitoral na Argentina, os agentes econômicos se refugiam no dólar diante de qualquer instabilidade gerada pela política. A expectativa é que esse processo seja ainda mais forte neste ano porque as reservas líquidas do Banco Central são negativas (acabaram-se os dólares) e porque existem candidatos que são fator de instabilidade com as suas propostas.

O candidato “outsider” Javier Milei, aliado de Jair Bolsonaro, tem crescido nas pesquisas com um discurso de “dinamitar o Banco Central) e de “dolarizar” a economia, levando o mercado a prever que, com as suas chances de disputar um segundo turno, haja uma corrida ao dólar antes que a moeda argentina não valha mais nada.

“Sabemos que todos os anos eleitorais as pessoas se ‘dolarizam’, mas sabemos que desta vez não há dólares para enfrentar uma corrida cambial por menor que seja. Então, ou o ministro Massa traz os dólares antes que as pessoas queiram dolarizar-se ou, com este ritmo de inflação, a economia não aguenta”, adverte Martín Tetaz.

Sem poder de fogo para intervir no mercado, o ministro Sergio Massa precisa convencer o Fundo Monetário Internacional a desembolsar um volume de dinheiro que reforce as reservas do Banco Central.

O FMI, por sua vez, está num dilema: ou ajuda a Argentina e vê esse dinheiro ir pelo ralo através de intervenções no mercado cambial para evitar uma forte desvalorização da moeda - com mais impacto na inflação - ou não ajuda a Argentina e deixa o país exposto a um colapso econômico.

Na semana que vem, o ministro deve ir a Washington para convencer o FMI a conceder um novo acordo salvador.

“Acredito que o FMI terminará por ceder, mas sem um plano econômico é mais complicado porque o dinheiro pode ir todo ao mercado cambial e a Argentina ficar sem reservas para pagar o que deve ao FMI”, indica Daniel Artana.

“Massa precisa brigar pela sua candidatura, muito dependente de que a economia não entre em colapso. Aliás, o seu futuro político, para além da candidatura, depende de como ele terminará a sua gestão. Para Massa liderar algum processo político no futuro é importante que a economia se mantenha, pelo menos, como está, sem uma desvalorização brusca nem desordenada”, explica à RFI o cientista político Sergio Berensztein.

Derrota histórica à vista

O fracasso econômico levou o presidente Alberto Fernández a desistir de ser candidato em meio a uma mini corrida cambial em abril. Fernández justifica que a inflação seja consequência da pandemia, da guerra e de uma seca que afetou as exportações agrícolas em US$ 20 bilhões.

O presidente tem uma leitura particular sobre a inflação na Argentina: enquanto no mundo a inflação se multiplicou por até dez vezes (de 1% a 10%), na Argentina, apenas duas vezes (de 55% a 110%).

“Países que tinham taxas negativas têm agora dez pontos de inflação, como a Alemanha. A Espanha tinha 2% e chegou a 12%. O Chile multiplicou por quatro. Por quanto multiplicou a Argentina? Por dois”, comparou Alberto Fernández durante uma entrevista com estudantes secundários.

“De qualquer maneira, não dá para viver com uma inflação de 100%”, reconheceu numa habitual prática de comentar o próprio governo como um analista.

Com exceção da Venezuela, todos os países da região têm uma inflação inferior a 1% ao mês e inferior a 10% ao ano. Ao longo de todo o ano, têm menos do que a Argentina num único mês.

Em maio, Brasil (0,23%), Colômbia (0,78%), Chile (0,1%), Equador (0,09%), Uruguai (-0,01%), Bolívia (0,57%), Peru (0,31%). Até mesmo a Venezuela, com 7,6% em maio, ficou abaixo da Argentina.

Todos os analistas políticos garantem que o governo não tem a menor chance de ganhar as eleições e não descartam que o Peronismo receba uma surra eleitoral, ficando de fora de um segundo turno pela primeira vez.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.