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Argentina eleva imposto sobre dólar para fechar acordo com FMI e atravessar período eleitoral

Num contexto de esgotamento das reservas do Banco Central, a uma semana de vencimentos com o Fundo Monetário Internacional e a duas semanas das eleições primárias, o Ministério da Economia toma medidas para aumentar a arrecadação e para evitar uma corrida cambial que afundaria as chances eleitorais do ministro da Economia, Sergio Massa. O FMI sinaliza que um novo acordo é iminente.

Casa de câmbio em Buenos Aires. Novas medidas anunciadas pelo ministro da Economia, Sergio Massa, elevam o imposto na compra de dólares.
Casa de câmbio em Buenos Aires. Novas medidas anunciadas pelo ministro da Economia, Sergio Massa, elevam o imposto na compra de dólares. AP - Natacha Pisarenko
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Márcio Resende,correspondente da RFI em Buenos Aires

Candidato à Presidência argentina, o ministro da Economia, Sergio Massa, tomou medidas que implicam uma desvalorização encoberta do peso argentino ao elevar o imposto sobre a compra de dólares e encarecer importações. As medidas, publicadas na manhã desta segunda-feira (24) no diário oficial, visam evitar uma corrida cambial, a três semanas das eleições primárias, e a atender uma exigência de desvalorização do peso argentino por parte do Fundo Monetário Internacional, a uma semana de vencimentos da dívida que a Argentina não tinha como pagar.

“Aqui se misturam o papel do Sergio Massa, ministro da Economia, com e do Sergio Massa, candidato a presidente. Os dois se influenciam mutuamente. O Massa ministro precisa desvalorizar a moeda para conseguir um acordo com o FMI, enquanto o Massa candidato não pode desvalorizar porque isso tem impacto na inflação já elevada e, portanto, no bolso do eleitor”, explica à RFI o analista político Sergio Berensztein, apontando a saída de curto prazo.

“A Argentina precisa pagar ao FMI no final deste mês. Faltam poucos dias, e é muito dinheiro. Sem reservas no Banco Central, a incerteza seria mal interpretada pelos mercados. A saída são essas medidas que não resolvem nada, mas que permitem um acordo superficial, mínimo, sem o qual seria muito complicado atravessar a última etapa da corrida eleitoral. Para o FMI, o acordo permite esperar um novo governo para negociar com mais horizonte”, avalia Berensztein.

Candidato à Presidência, o ministro da Economia, Sergio Massa, tomou medidas que implicam uma desvalorização encoberta do peso argentino ao elevar um imposto sobre a compra de dólares e ao encarecer importações.
Candidato à Presidência, o ministro da Economia, Sergio Massa, tomou medidas que implicam uma desvalorização encoberta do peso argentino ao elevar um imposto sobre a compra de dólares e ao encarecer importações. REUTERS - AGUSTIN MARCARIAN

Desvalorização encoberta

Com reservas negativas em US$ 7 bilhões no Banco Central, as seis medidas giram em torno de quatro eixos fiscais e visam arrecadar 0,8% do Produto Interno Bruto. As medidas representam uma desvalorização encoberta porque aumentam o valor do dólar, na prática, sem alterar o valor do dólar oficial na teoria.

O valor do dólar para compra pessoal passa a valer o mesmo que o dólar turismo para quem gastar menos de 300 dólares por mês. Esse valor equivale ao dólar oficial (ao qual ninguém tem acesso) acrescido de 75% (pela soma de dois impostos). Para quem gastar mais de 300 dólares mensais, não há modificações: continua a equivaler ao dólar oficial acrescido de 100% (pela soma de três impostos).

O governo chamou essa medida de “simplificação cambial”.

Como exemplo, enquanto o dólar oficial fechou em 282,54 pesos para a venda na sexta-feira (21), o dólar turista (abaixo de 300 dólares mensais) ficou em 494,45 pesos, enquanto acima de 300 dólares fechou em 565,08 pesos.

Para os exportadores de grãos e cereais, o valor do dólar passa de 300 pesos argentinos a 340 pesos. O governo acredita que possa aumentar a arrecadação em US$ 2 bilhões através das exportações agrícolas. O montante não é alto, mas num contexto de ausência total de fundos, torna-se imprescindível.

O valor de 340 pesos é bem abaixo dos 498,08 pesos do mercado financeiro ao qual as empresas recorrem para conseguir moeda estrangeira. O dólar paralelo, ao qual os argentinos em geral têm acesso, fechou em 529 pesos.

As importações de serviços que ainda não sofriam uma sobretaxa sobre o dólar passam a pagar 25%. Ficam isentos setores como Educação e Saúde.

Não há aumento sobre o Turismo que já paga impostos e sobretaxas de 75% acima do dólar oficial.

Os fretes aumentam em 7,5%, o que vai encarecer as importações. Também os bens comprados no exterior aumentam, devido ao novo imposto de 7,5%. Ficam de fora setores ligados à energia, como combustíveis, e produtos da cesta básica.

Também ficam isentas as importações de componentes e insumos destinados à indústria.

Fôlego eleitoral

“Todas as medidas buscam aumentar o valor do dólar sem tocar no valor do dólar oficial, apenas para manter a narrativa de que não houve uma desvalorização. Mas, ao encarecerem os preços, terão efeito inegável sobre a inflação. Além disso, devem ter impacto no valor do dólar paralelo”, prevê o economista Roberto Cachanosky.

Antes das medidas que devem impulsionar o aumento de preços, a inflação acumulada nos últimos 12 meses é de 115,6% e a projeção do mercado é de 150% em 2023.

O pacote de medidas permitiu que o FMI anunciasse, através das redes sociais, que um acordo com a Argentina é iminente.

“Foram finalizados os eixos do trabalho técnico da próxima revisão. Foram acertados os objetivos e os parâmetros centrais que serão a base para um acordo de facilidades estendidas cuja finalização é esperada para os próximos dias. Esse acordo visa consolidar o ordenamento fiscal e fortalecer as reservas, reconhecendo o impacto da seca, o dano às exportações e às receitas fiscais do país”, indicou o FMI.

A Argentina não cumpriu nenhuma das metas comprometidas com o FMI e alega que essa falta se deve à forte seca na agricultura, que fez o país perder mais de US$ 20 bilhões de dólares em exportações.

O acordo final deve ser anunciado ainda nesta semana. Nos próximos dias 31 de julho e 1º de agosto, a Argentina deve pagar cerca de US$ 3,5 bilhões de dólares em vencimentos com o próprio FMI, mas não conta com o montante.

Sem um acordo, o país entraria numa nova moratória quando faltam apenas três semanas para as eleições primárias (que funcionam como um primeiro turno) e três meses para as eleições gerais.

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