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Em visita ao Quênia, rei Charles enfrenta cobrança de pedido de desculpa por passado colonial

Os tempos mudaram e não permitem mais danças típicas e colares coloridos que lembram um passado colonial. O rei Charles III e sua esposa Camilla chegaram ao Quênia na noite de segunda-feira (30) para sua primeira visita a um país do Commonwealth desde sua coroação. O clima, no entanto, não é de festa, mas de cobrança das novas gerações de quenianos por um pedido oficial de desculpas.

Membros das famílias dos combatentes da independência, Mau Mau, durante uma manifestação na segunda-feira, 30 de outubro de 2023, contra a visita de Carlos III do Reino Unido e da Rainha Camilla ao Quênia.
Membros das famílias dos combatentes da independência, Mau Mau, durante uma manifestação na segunda-feira, 30 de outubro de 2023, contra a visita de Carlos III do Reino Unido e da Rainha Camilla ao Quênia. REUTERS - MONICAH MWANGI
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O casal real permanecerá no país até sexta-feira, entre a capital Nairóbi e a cidade portuária de Mombaça, na costa leste, em uma visita a convite do presidente William Ruto, enquanto o Quênia se prepara para comemorar 60 anos de independência em dezembro.

O Quênia é de particular importância para a Coroa Britânica, pois foi lá que a rainha Elizabeth iniciou seu reinado em fevereiro de 1952. No entanto, durante sua visita, o rei Charles deixará pouco espaço para sentimentalismo, já que muitos quenianos esperam que ele tome uma posição firme sobre o passado colonial britânico.

O programa oficial do rei no Quênia incluiu uma reunião na manhã desta terça-feira (31) com o presidente William Ruto. Durante seus dois dias na capital, também haverá uma visita ao memorial Uhuru Garden, construído após a independência, e ao cemitério Kariokor, onde estão enterrados os soldados mortos na Segunda Guerra Mundial.

O segundo dia será dedicado em parte a questões ambientais, antes de partir para Mombasa, onde o rei visitará a base naval britânica em Mtongwe.

Uma visita cheia de questões "delicadas"

Como todas as visitas a uma ex-colônia, esta é uma aventura delicada para a Coroa britânica. Mesmo assim, a embaixada britânica está tentando dar um ar festivo à viagem. Os matatus - os micro-ônibus usados para transporte público - foram pintados com as cores da Grã-Bretanha e do Quênia

Mas os quenianos têm pouco interesse nesse folclore. O que eles querem são declarações fortes, e sobretudo desculpas pelo passado colonial. O Palácio de Buckingham prometeu que o rei falará sobre os "aspectos dolorosos" do passado britânico no Quênia.

De fato, há muitas questões delicadas e, apesar dos esforços das autoridades quenianas para proibir manifestações e reuniões com a imprensa, várias comunidades expressaram suas queixas à Coroa.

Há os Masai, cujas terras foram confiscadas no início do século 20; os Mau Mau, combatentes da independência; e a comunidade Pokot, que os colonizadores britânicos consideravam insubordinada. Por fim, há as comunidades de Nanyuki, a 200 quilômetros de Nairóbi, que ainda sofrem as consequências de um incêndio ligado a um exercício militar britânico na região.

Tortura e estupro

Todas essas comunidades estão pedindo indenização, e é aí que a situação se complica.

Mais de 10.000 pessoas morreram durante a revolta Mau Mau, um número que muitos acreditam ser subestimado, relata a correspondente da RFI em Nairóbi, Albane Thirouard. Dezenas de milhares de quenianos também foram detidos em condições degradantes, sofrendo tortura e estupro.

Em 2013, Londres pagou quase 20 milhões de libras esterlinas de indenização a pouco mais de 5.000 veteranos Mau Mau e expressou "sincero pesar" pelas atrocidades cometidas, mas, para muitos no Quênia, isso não é suficiente.

"Pedimos ao rei que emita um pedido público de desculpas em nome do governo britânico. Um pedido de desculpas incondicional e claro, não como a declaração de pesar que foi muito cautelosa e protegeu o governo. Um pedido de desculpas pelo tratamento desumano infligido aos quenianos durante todo o período colonial e que continua até os dias de hoje. Esse pedido de desculpas é uma etapa fundamental no reconhecimento do sofrimento do povo queniano", diz Davis Malombe, diretor da Comissão de Direitos Humanos do país. 

No entanto, um pedido de desculpas abriria as portas para vários processos judiciais.

Davis Malombe também destaca outras reivindicações, como a demanda da comunidade Nandi pela devolução do crânio de seu líder tribal decapitado, cuja cabeça foi levada para a Inglaterra como troféu - a família do líder dos Mau Mau, Dedan Kimathi, ainda está esperando por seus restos mortais - ou as muitas comunidades que lutam para recuperar suas terras, que foram apropriadas pelos colonizadores.

Manifestações proibidas

Há uma semana, muitas organizações da sociedade civil têm se manifestado, mas estas vozes estão começando a incomodar as autoridades.

Quando Kelvin Kubai chegou ao Boulevard Hotel, em Nairóbi, na manhã de segunda-feira, para realizar uma coletiva de imprensa, ele foi diretamente recebido pela polícia. Kelvin Kubai é o advogado das comunidades de Nanyuki, no centro do país. Em 2021, um incêndio causado por um exercício militar do exército britânico destruiu suas plantações e matou seus animais.

Na segunda-feira, eles esperavam que suas queixas fossem ouvidas antes da visita do rei Charles. Também lhes foi negada a permissão para se manifestar. "Nosso direito constitucional à liberdade de expressão está simplesmente sendo negado", disse Kubai, indignado, acrescentando que "a polícia nos disse que as ordens vieram do mais alto escalão".

Relações bilaterais

Esta visita do rei Charles III e da rainha Camila tem como objetivo "celebrar a relação calorosa entre os dois países", de acordo com o comunicado de imprensa oficial.

O Quênia é "um pilar de estabilidade na região", escreveu o ministro das Relações Exteriores britânico em um jornal queniano. A parceria entre os dois países "nunca foi tão forte", ressaltou.

No setor de defesa, em particular, o exército britânico mantém um campo de treinamento no centro do país. Jovens recrutas vêm para cá para treinar antes de serem enviados para o exterior. As tropas britânicas também treinam soldados quenianos na luta contra o terrorismo.

A cooperação econômica também é importante. O Reino Unido é o quinto maior exportador do Quênia. É também o principal investidor estrangeiro. Grandes empresas britânicas, como Finlays, Unilever e Barclays Bank, operam no país.

No entanto, para muitos quenianos, o passado colonial ainda está fresco na memória. Mas, de acordo com o comunicado de imprensa oficial, a visita deve "reconhecer os aspectos mais dolorosos da história compartilhada" dos dois países.

Resta saber se a reparação verbal será suficiente - sem as indenizações judiciais - para aplacar a sede de justiça das novas gerações quenianas.

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