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O Mundo Agora

Eleições na Argentina enfraquecem populismo na América Latina

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As eleições presidenciais argentinas foram mais um prego no caixão do populismo dito de “esquerda” na América Latina. A região está vivendo o fim de um ciclo histórico com o triste fracasso do petismo, a tragédia venezuelana, os escorregões autoritários do equatoriano Rafael Correa, os zigue-zagues da presidente chilena Michele Bachelet, e os tropeços do partido de Evo Morales na Bolívia.

Auditório vazio na campanha do candidato governista Daniel Scioli, em 25 de outubro de 2015. Peronismo: o fim de uma era na Argentina?
Auditório vazio na campanha do candidato governista Daniel Scioli, em 25 de outubro de 2015. Peronismo: o fim de uma era na Argentina? REUTERS/Marcos Brindicci
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A esquerda não conseguiu nem emplacar a prefeitura de Bogotá que ela controlava há doze anos. Até Cuba tenta sair do beco sem saída negociando uma abertura com os Estados Unidos. Até agora, o peronismo era o último bastião. No poder há décadas, quase sem interrupções, o movimento criado por Perón e Evita virou quase sinônimo de Argentina.

O peronismo é uma matriz quase perfeita dos populismos latinos. Um partido sem ideologia ou bases doutrinárias, salvo uma genérica promessa de lutar pelos pobres. Um partido que vai da extrema-direita à extrema-esquerda, passando por todos os matizes intermediários, e que só pode sobreviver distribuindo bondades arrancadas aos cofres públicos para os representantes de cada uma de suas facções. Um partido de caciques que só se interessam pelo poder para aproveitar dos benesses do controle do orçamento do Estado, assegurando a próxima eleição com programas assistencialistas caça-votos.

Na verdade, quando esse tipo de populismo chega ao nível de sofisticação do peronismo – e de descaramento do casal Kirchner – ele é quase imbatível. Só que desta vez o tiro saiu pela culatra. Pela primeira vez, o candidato oficial vai ser obrigado a disputar o segundo turno e com muitas chances de perder para o oposicionista da direita libera, Mauricio Macri. E as análises dos votos mostram que essa “quase derrota” do candidato peronista se deve ao voto contrário de um bom pedaço da classe média mais modesta que sempre foi clientela do oficialismo.

Esgotamento do modelo assistencialista

Hoje, na América Latina inteira, as populações engolem cada vez menos esse tipo de assistencialismo insustentável. A região riquíssima em matérias-primas e quando o preço internacional está alto, a exportação deixa uma folga orçamentária que pode ser utilizada para distribuir renda sem precisar modernizar a economia e as relações sociais. Os ricos continuam se enriquecendo, os auto-proclamados representantes do povo – a esquerda estatal – também bota a mão num bom quinhão do bolo e o povão fica contente com os presentes demagógicos distribuídos a granel.

Enquanto isso, o resto da economia continua vivendo de subsídios públicos, as infra-estruturas vão periclitando e a produtividade vai caindo. Quando o carnaval dos preços das matérias-primas acaba – e sempre acaba – a quarta-feira de cinzas deixa o país, e sobretudo os mais pobres, com uma mão na frente e outra atrás.

Desde de o princípio do novo século, com o boom da globalização, milhões de latino-americanos saíram da pobreza para entrar na pequena classe média. Hoje, com a freada da economia mundial, a queda dos preços dos produtos de base, e a falta de reformas internas, essa massa de novos remediados está ameaçada de voltar para o fundo do poço. Só que desta vez trata-se de uma massa bem mais informada, urbanizada e conectada pelas redes sociais. E que não quer mais saber de discursos bonitos e ocos, nem do velho “rouba mas faz”.

Luz no final do túnel

Há um anseio por governos eficientes, sem corrupção, capazes de promover sociedades e economias modernas e sobretudo uma prosperidade sustentável. As receitas populistas só continuam enganando os incautos – e claro que ainda há muitos – mas boa parte das populações querem mesmo uma administração séria e justa dos problemas, sem floreios e histerias demagógicas.

Não é por acaso que as ideias liberais ou social-democratas tradicionais são cada vez mais populares numa região onde essas posições eram consideradas verdadeiras inimigas do povo e da pátria. Claro, os populismos e o peronismo ainda não morreram, mas pela primeira vez nos últimos cinqüenta anos, há uma luz no fundo do túnel. E não é a da locomotiva em sentido contrário, mas uma imensa esperança de finalmente ingressar no mundo do século XXI.

Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, faz uma crônica de política internacional às terças-feiras para a RFI Brasil.
 

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